O que quer a literatura LGBTQIA+ para a infância?

Autor escreve sobre a problematização e compreensão do funcionamento das sexualidades


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Nilton Milanez 27/10/2024 08:00 Artigos
O que quer a literatura LGBTQIA+ para a infância? - Divulgação

A literatura com ênfase lgbtqia+ para a infância impacta em uma existência saudável, com resolução de conflitos e amor à diversidade, inclusive para a família e adultos que busquem o encontro com as crianças que fazem parte de suas vidas.

Nilton Milanez*

A sexualidade é o campo da formação LGBTQIA+ que demonstra como a criança se relaciona e interage sobre seus sentimentos, suas vontades, suas emoções, em relação a seus pais, com a família, em geral, com os vizinhos, com os colegas, com quem compartilha sua vida na escola. A sexualidade é, ainda, relação de carinho, afeto e amor entre a criança e aqueles que a rodeiam.

A sexualidade é inata à criança. Isso é um fato que não podemos ignorar, já atestado desde Freud, há mais de 100 anos! A orientação sexual da criança, LGBTQIA+ ou heteronormativa se realiza diante daqueles a quem deseja manifestar seu afeto, face ao modo como se reconhece a si e a seu corpo. Nossas vidas são marcadas por relações com pessoas LGBTQIA+, que ocupam inúmeras posições na vida social da qual famílias, adultos e crianças participam.

Por certo, a criança tem o direito de ter a oportunidade de falar de si, expressar em gestos, atos e palavras suas opiniões, seus desejos, sua sexualidade. E a literatura LGBTQIA+ para a infância é a ponte estética para essa expressão de linguagem e vida.

#literatura #crianças #lgbt+

Vamos seguir essas três hashtags de modo a encadeá-las uma a outra.

A literatura partilha do domínio do encantamento, da perspectiva estética que nos leva a um encontro do sujeito leitor com o objeto literário, em um movimento da pessoa em direção à arte. Essa arte da literatura é, acima de tudo, a arte da existência, de nossa própria condição humana, no encontro do eu que lê com o eu da literatura, dois corações em um só. O existir do sujeito se mescla à literatura em meio a nosso momento histórico, que é o hoje.

A literatura hoje está no bojo das narrativas de si, que compreendem o nosso espaço de voz e dizeres sobre nós mesmos, no que tange às questões de raça, classe, religião, habilidades, gênero e sexualidade. Aí residem as forças de resistência do discurso literário, cujas fronteiras abarcam o mundo dos adultos e das crianças ao mesmo tempo.

Temas, problematizações e conceitos estão para os adultos na mesma medida que para as crianças. A literatura é o espaço onde se tece a linguagem que permite e dá a possibilidade de a criança conhecer, vivenciar e intervir ativamente em sua realidade social. A literatura, aquela que conhecemos como literatura infantil, nos mostra que a criança suporta toda e qualquer verdade e, mais, principalmente, conhece toda a verdade a sua volta, como também a verdade sobre si.

O enviesamento da literatura, sob a especificidade LGBTQIAPN+, é um dos chamamentos da literatura durante a infância com o intuito de praticar artes de viver que já fazem parte da vida da criança. Nesse caso, na esfera das sexualidades, as crianças já travaram contato consigo e com a realidade sexual-afetiva de seu entorno. Elas conhecem parentes, amigos da família, pessoas da televisão, das mídias digitais e pessoas comuns de sua comunidade com pertencimento de si na história das vidas lésbicas, gays, trans, intersexo e +. Isso não é novidade ou um assunto novo para as crianças. O que importa é o modo como a vivência lgbtqia+ vai ser tratada.

O que quer a literatura lgbtqia+ para a infância

Talvez seja incontornável dizer o que a literatura LGBTQIA+ para a infância não quer. Não queremos, nem podemos transformar criança nenhuma em LGBTQIA+. A literatura não aprisiona, nem sufoca, nem condena. A literatura LGBTQIA+ quer libertar toda criança da opressão sexual sobre sua sexualidade, que não é uma escolha, mas uma orientação do seu modo de vida e, por isso, pode ser construída e exercida a partir de si própria.

A criança jamais foi um boneco manipulado. Toda criança se eleva em sua autonomia diante daquilo que que quer e que sente. Se fossemos acreditar em uma influência sexual, todas as crianças e, consequentemente, os adultos que se tornaram, seriam uma grande confraria heterossexual, porque a heteronormatividade é o maior investimento padrão que circula midiaticamente. Mas não se pode barrar a emergência das sexualidades LGBTQIA+ nem nas crianças, nem em ninguém. Não há pessoa, líder político ou religioso que possa determinar quem uma pessoa quer amar, seja ela um adulto ou mesmo uma criança.

A literatura LGBTQIA+ para a infância deseja que a criança tenha a oportunidade de expressão franca e livre sobre seus sentimentos em relação às outras pessoas, a seu corpo e seus gostos. Com isso, a literatura oferece à criança em sua infância a possibilidade de compreender as várias formas de família, sua pluralidade de afetos e dinâmica social.

A tradição não pode emperrar o que há de mais nobre no reconhecimento da criança por ela mesma. Nem levar à produção de estigmas de superioridade ou intolerância quando a questão é a sexualidade. Aqui, a literatura LGBTQIA+ reafirma o lugar da diversidade dos corpos e das condutas, dos modos de falar e se vestir, das preferências de entretenimento e da escolha de seus pares. Assim, esclarece quanto ao bullying, seja de raça, classe, gênero ou habilidades. Discute a relação das crianças quanto ao respeito das formas de ser e de agir de cada um.

O que pode a literatura LGBTQIA+ para a infância

Reconheço sete princípios em torno do poder da literatura LGBTQIA+ para a infância. Primeiro, a literatura LGBTQIA+ deseja dar à criança o exercício de sua cidadania, de poder ir e voltar, dizer, falar e contestar os padrões e as normatividades que não colaboram com a expressividade de cada criança, de cada pessoa. Segundo, a literatura lgbtqia+ para a infância pode afirmar que não está falando do ‘diferente’. Diferente é se comparar com um modelo que é dado como certo, fugindo a algum padrão.

Terceiro, a força dessa literatura pode colaborar, por meio do diálogo que propõe, com a solidariedade da aceitação e acolhimento, evitando agravamentos de saúde mental e preservando a integridade física da criança. Quarto, tal literatura LGBTQIA+ trata do singular de cada criança e seu modo de ser. Quinto, a literatura LGBTQIA+ para a infância é um aparelho de inclusão de identidades em todos os lugares que a criança vá. Sexto, a criança, por meio da literatura LGBTQIA+, reequilibra os afetos e reinventa soluções para as dificuldades da vida. Sétimo, e o maior dos princípios que engloba a todos, a literatura lgbtqia+ para a infância abraça todas as formas de amar.

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*Nilton Milanez é doutor em Linguística e pós-doutor em Cinema, Psicanálise e Estudos Literários. Professor e pesquisador na Universidade do Estado da Bahia (Uneb), em Salvador, se dedica às questões lgbtqiapn+. É autor de “Ravi, o Ursinho Arco-íris” (Editora Usina de Textos). Escreveu também “Audiovisualidades em mim: autoanálise, criança viada e ditadura” (Selo Editorial Labedisco) e “Pavor de viver: contos gaysex” (Bambi Brasil S/A Selo Editorial), disponíveis em www.estantevirtual.com.br. Seu instagram é @nilton_milanez.

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