O som ambiente do caos

A experiência de viajar de ônibus, ou mesmo avião (já experimentei estas duas modalidades), é o retrato da sociedade digital analfabeta. Apelar para o bom senso do uso do fone de ouvido é ser exigente. Então o ambiente fechado está repleto de sons de vídeos, áudios, stories, tiktokers e chamadas de vídeo ou áudio (no viva voz).

Escutar os problemas pessoais, como o estado de saúde da mãe do companheiro da poltrona ao lado, o pastor da amiguinha pregando, as bandas de rock preferidas dos jovens ou o sertanejo sofrido de quem padece de amor. São diversas as situações. E tudo isso acontece sem que haja uma súplica qualquer. Ninguém reclama. O caos soa como… natural e cotidiano!

Me controlo para não pedir para o rapaz baixar o volume da música, porque tenho receio de como possa reagir, e tudo o que não desejo é piorar o caos instalado. Então penso em escrever sobre isso e sobre a necessidade de campanhas educativas. Precisamos aprender como usar nossos celulares sem invadir o espaço do outro.

Muito tem se falado em relação à educação midiática e tecnológica, mas muito pouco tem sido feito em termos práticos e abrangentes com relação a isso.

Os ruídos são a cereja do bolo. Um bolo que envolve a regulamentação das plataformas, a transparência na utilização dos algoritmos, a proteção dos dados da população, a indústria da desinformação e das fake news, a geração de conteúdo, o armazenamento dos dados em território nacional, até os novos formatos de materiais audiovisuais verticais, a velocidade da informação, a nomofobia (ansiedade, estresse ou desconforto resultante da falta de acesso pleno ao telefone celular e suas funcionalidades) e os efeitos dessa nova dinâmica de vida em nosso cotidiano.

Há uma necessidade preemente de traduzir esse mundo para uma linguagem acessível a toda a sociedade, para que sejam suscitadas as reflexões, a busca pela garantia de direitos, a mudança de hábitos, a busca pelas “boas práticas de utilização dos aparelhos tecnológicos” e a educação midiática e tecnológica, para que não invadamos o espaço alheio com nossa necessidade de assistir a vídeos, ouvir áudios, acompanhar stories no Instagram, de ver memes, de seguir os tiktokers ou fazer chamadas de áudio ou vídeo e etc. Todos temos direito a nosso espaço pessoal, individual e íntimo.

Enquanto isso o ônibus silencia e o sono bate. E a gente agradece que nossos companheiros de viagem não sofrem de insônia. Sigamos!

*Emília Mazzei é jornalista