Família corporativa e alta performance podem andar juntos?
No Brasil, empresas familiares são responsáveis pela empregabilidade de mais de 50% da força de trabalho
Nos últimos 14 anos, a Damicos Consultoria, uma empresa que completará em maio de 2025, 33 anos de existência tem atuado muito com empresas familiares dos mais diversos portes e segmentos, algumas já na terceira geração na gestão e outras com mais de 50 anos de existência. Uma coisa em comum é a ausência na trajetória destas empresas de elementos como um planejamento estratégico estruturado, trabalhos no campo da melhor gestão da cultura organizacional, programas de desenvolvimento de lideranças ou processos internos mais sistematizados.
Em regra geral, também pouca evolução no campo da Governança, Compliance, ESG e Gestão de Pessoas, seja em termos de políticas, programas, práticas de gestão ou estruturas internas focadas nestes aspectos. Vale lembrar que 1/3 das 500 maiores empresas do mundo são familiares e, considerando somente os países industrializados, em torno 75% de seus empreendimentos também estão neste grupo. No Brasil, estas empresas são responsáveis pela empregabilidade de mais de 50% da força de trabalho.
E com todo este cenário, fica a pergunta, como muitas destas empresas atingiram o sucesso em termos de resultados financeiros e sobrevivem há tantas mudanças do mundo da gestão e do mercado nestas últimas décadas?
Um primeiro aspecto muito positivo é que em regra geral seus fundadores ou fundador são empreendedores predestinados, de uma resiliência única, de um senso bem aguçado de oportunidade de negócios, extremamente bem relacionados, de muita cultura geral. Além disso, mesmo sem domínio pleno dos temas, priorizaram cuidar da Cultura Organizacional, basicamente, tentando transferir seu DNA pessoal para seus liderados e selecionando equipes com fit cultural alinhado aos seus objetivos empresariais.
Um segundo aspecto é que estes fundadores ou empreendedores de alguma maneira, mesmo sem ter uma área mais estruturada de gestão de pessoas ou líderes preparados para formação de sucessores ou com perfil de uma liderança mais humanizada, criaram e cultivaram vínculos muito fortes e relacionamentos muito próximos com os colaboradores das suas organizações. Estes vínculos seguiram, inclusive, mesmo com novas gerações assumindo estes negócios em determinado momento.
Outro aspecto é que foco nas entregas, gratidão, confiança, engajamento, multicompetência, mão na massa e zero de limites para o trabalho foram definidos, cultivados e premiados na história destas empresas. Claro, que na grande maioria das vezes, sem nada estruturado no campo da gestão de competências, planos de carreira ou avaliação de desempenho.
Um quarto aspecto foi a preparação dos seus filhos (segunda geração) e as vezes terceira geração (netos) com algo muito mais valioso que qualquer MBA, boa educação pelo exemplo, transmissão de valores, proximidade com os negócios e cultivo de uma relação muito positiva com os negócios, desde muito cedo. É obvio que em muitos casos, os padrões legais para a existência de uma empresa, uma menor concorrência de mercado, fraqueza dos sindicatos, a ausência da globalização e outros elementos favoreceram o nascimento e crescimento inicial destas organizações familiares sem um grau razoável de estruturação da sua gestão interna.
Com tudo isto, é possível se criar ou fortalecer uma equação que este ambiente de família corporativa e desejo de alta performance sejam possíveis, sem destruir a essência belíssima destas organizações incríveis que são as empresas familiares? Não tenho dúvida que sim, primeiro fortalecendo esta essência com trabalhos estruturados no campo da Cultura Organizacional, Gestão de Pessoas e Desenvolvimento de Lideranças, customizados à realidade de cada organização familiar. Segundo, aperfeiçoando todos estes aspectos que viabilizam uma cultura de Meritocracia, que mescle este alinhamento cultural com entregas, resultados e desempenho.
Vale ressaltar, que esta evolução é condição sinequanon para estas empresas familiares sobreviverem, crescerem e se perpetuarem em um mundo com tantas e revolucionárias transformações. Afinal, como dizia um grande líder empresarial baiano: “Tudo muda sobre uma base que não muda nunca”.
Nossa experiência de mais de 27 anos de mercado na área de consultoria, mentoria, palestras, treinamentos e, como conselheiro, sinaliza que não pode existir melhor ambiente para a alta performance ser possível. Um ambiente que tenha paixão, vínculos genuínos, valores fortes, identidade única como são a grande maioria das empresas familiares.
Portanto, com base em nossa experiência, os sócios-fundadores, gestores destas empresas que cresceram rapidamente, devem no mínimo ficar mais atentos a estas variáveis internas: priorizar os desafios ligados diretamente ao “jogo interno”; potencializar o que há de melhor na cultura, na história, no propósito e nas pessoas que a integram; e investir no desenvolvimento e implantação de instrumentos de gestão adequados à sua transformação em ativos positivos, que venham a dar suporte ao enfrentamento dos desafios aqui descritos neste artigo. Principalmente, entendendo que são estes ativos que as diferenciam das grandes empresas.
*Fábio Rocha é especialista em carreira, consultor em sustentabilidade, professor, coach e diretor-executivo da Damicos Consultoria em Liderança e Sustentabilidade
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