Endometriose é questão de saúde pública e exige políticas específicas, alerta ginecologista Carlos Lino

Em entrevista à Rádio Mix Salvador, especialista destaca desafios no diagnóstico e tratamento da doença, que afeta mais de 7 milhões de brasileiras


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Iago Bacelar e Osvaldo Lyra 12/03/2025 16:33 Saúde
Endometriose é questão de saúde pública e exige políticas específicas, alerta ginecologista Carlos Lino - Divulgação

O médico ginecologista Carlos C. Lino defendeu, nesta quarta-feira (12), a ampliação do debate público sobre a endometriose. Durante participação no Jornal da Mix, na Rádio Mix Salvador (104.3 FM) – comandado pelos jornalistas Osvaldo Lyra e Matheus Moraes – no quadro Saúde e Bem Estar, com apresentação do oncologista Rodrigo Guedes, Lino destacou o início da campanha Março Amarelo, em que é reforçada a conscientização sobre a endometriose, doença que afeta o sistema reprodutor feminino e atinge mais de 7 milhões de mulheres no Brasil.

“Endometriose, sem dúvida, hoje é uma questão de saúde pública, né? A gente precisa jogar luz sobre isso e o Março Amarelo visa justamente isso. É um mês que se fala muito de endometriose e eu sou convidado para várias ações em relação a essa questão do endometriose”.

O médico, que é membro da Comissão Nacional Especializada em Endometriose da Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia e diretor da Associação Brasileira de Endometriose de Ginecologia Minimamente Invasiva, enfatizou a necessidade de melhorar o diagnóstico precoce da doença.

“Durante muito tempo, a gente teve muita dificuldade no diagnóstico dessa doença, né? Era um desafio muito grande, você precisava fazer uma laparoscopia, que é uma cirurgia para buscar um diagnóstico. Isso era mais difícil ainda, porque o acesso à cirurgia é muito mais difícil. Depois de algum tempo, e a gente hoje tem a possibilidade de fazer isso com o diagnóstico de imagem. E a partir do diagnóstico de imagem, você consegue definir critérios de tratamento”.

Exames de imagem ajudam no diagnóstico, mas acesso ainda é limitado

Carlos Lino explicou que, atualmente, exames como ultrassonografia e ressonância magnética específicas já permitem um diagnóstico mais preciso, sem necessidade de procedimentos invasivos. No entanto, ele alertou que o acesso a esses exames ainda não é uma realidade para a maioria das mulheres brasileiras.

“A gente hoje tem a possibilidade de um diagnóstico muito preciso com a imagem, pode ser um ultrassom dedicado, ou uma ressonância magnética dedicada. E a partir daí vem o segundo desafio, que é se tratar essas pacientes com endometriose, principalmente quando elas têm indicação cirúrgica, já que nem todas as portadoras têm indicação cirúrgica, mas aquelas que têm indicação cirúrgica num país tão desigual como o nosso, vocês devem imaginar o que é uma paciente com dor pélvica, com sofrimento, com, às vezes, com infertilidade, acessar esse tratamento é muito difícil“.

Falta de informação e filas de espera atrasam tratamento

Segundo o ginecologista, ainda há muito desconhecimento sobre a doença, inclusive entre profissionais da saúde. O diagnóstico pode levar até 12 anos para ser fechado, o que atrasa a terapêutica e agrava o sofrimento das pacientes. “Nós temos dados que são alarmantes, estima-se que a doença já esteja manifestando de 3 a 12 anos antes do diagnóstico, ou seja, um atraso grande do diagnóstico”.

Lino também ressaltou que a endometriose é uma doença inflamatória. “É a presença do endométrio, o endométrio é um tecido que reveste a cavidade uterina e é um tecido que todos os meses é renovado, porque a natureza prepara uma mulher para ficar grávida, como obviamente as mulheres não engravidam todos os meses, ela solta aquele endométrio, que é o tecido que reveste ali a cavidade uterina e prepara um novo endométrio com a intenção de recepcionar ali um ovo, ou seja, uma gravidez”.

Nos casos em que o endométrio está localizado fora da cavidade uterina, existe o risco dele se alocar na tuba uterina, no ovário, na bexiga, na vagina, no apêndice, causando riscos à saúde feminina. “A gente tem caso de endometriose de diafragma, tem o endometriose em pulmão”, relatou.

Por conta deste quadro, o especialista destacou a importância de considerar a doença em jovens com cólicas intensas. “Então, a principal, na maioria das vezes e no início da patologia andou muito ligada ao período menstrual, quando a mulher está menstruada, ela tem muita dor. Então, aquela jovenzinha, Rodrigo, que a mãe leva para o pediatra, vai para o ginecologista, vai em uma emergência e não tem diagnóstico, tem que ser pensado na postura endometriótica”.

Estrutura ainda é insuficiente

Mesmo com bons especialistas e centros de referência como o Hospital da Mulher, a Bahia ainda enfrenta dificuldades no acesso da população aos serviços, conforme alertou o especialista. Segundo ele, a fila de espera para a cirurgia é de cerca de três anos.

“Hoje você tem uma fila de cirurgia de três anos, em uma paciente que está com muita dor, em uma paciente que pode ter infertilidade. Então, você perde o time de tratar, né? Então, você tem que ofertar o diagnóstico e ofertar o tratamento. A gente tem ferramenta para isso”, pontuou.

“Você dá o serviço, prova lá, ó, é bonitinho, está lá e tal, mas não é pra você, você tem que ir se virar”, complementou, citando casos de pacientes que, mesmo após serem atendidas no SUS, acabam procurando o consultório particular para buscar alternativas.

Diagnóstico da condição

Ao falar sobre o quadro, o especialista pontuou que o mesmo deve ser feito por um ginecologista com formação específica ou experiência na área.

“Um ginecologista bem formado ele vai saber suspeitar da doença e solicitar o exame de imagem adequado. Não adianta fazer um ultrassom qualquer ou uma ressonância qualquer. Você precisa ter uma referência de um profissional que saiba fazer um exame dedicado. A partir do momento que você faz um diagnóstico de imagem, você começa a criar definições para critérios de tratamento. Então o diagnóstico é de imagem, mas isso passa por uma avaliação de um ginecologista habilitado”, observou.

‘Endometriose exige decisão política e estrutura para garantir atendimento digno’, defende especialista

Carlos Lino foi categórico ao afirmar que o tratamento adequado só será possível com ampliação de políticas públicas em função do tamanho do estado da Bahia e a quantidade de demanda.

“A gente precisa melhorar muito, né? Como a gente estava falando aqui anteriormente, a gente tem um estado continental, um estado muito pobre, muito negligenciado, área de saúde pública, fato isso, da mesma forma que eu citei o Hospital da Mulher, que tem um serviço bacana, mas com uma fila de três anos. Isso é política pública. O que é que você imaginaria numa condição dessa, numa patologia que traz tanto sofrimento? Você precisaria criar núcleos de atendimento em diversas regiões. Isso é política pública”.

O médico enfatizou que a criação de núcleos regionais voltados ao tratamento da endometriose, como o existente em Salvador, deve ser encarada como uma política pública. Para ele, o sucesso de um centro bem estruturado permite a replicação do modelo em outras regiões da Bahia.

“Facilita muito você criar outros núcleos, você precisa de decisão política pra isso. Então eu posso criar um núcleo desse em Vitória da Conquista, em Ilhéus, em Juazeiro. A partir do momento que eu crio um núcleo, eu posso expandir conhecimento com aquele núcleo e criar uma estrutura que me permita atender melhor”, afirmou.

Diagnóstico precoce começa na atenção básica

O especialista também chamou atenção para a falta de preparo dos profissionais da atenção básica, o que dificulta o diagnóstico precoce da endometriose.

“Não adianta ter um serviço visto de referência, professor, se a porta de entrada não tá capacitada, se o médico da UBS, se o ginecologista de unidade básica de saúde não tá capacitado pra pensar que pode ser um diagnóstico de endometriose a causa daquela dor crônica e infertilidade naquela mulher”, disse.

Doença pode retornar e exige acompanhamento por toda a vida

Embora algumas cirurgias possam ser curativas, o médico reforça que a endometriose pode retornar, principalmente nos casos mais agressivos. Por isso, é fundamental manter o acompanhamento ao longo da vida.

“Tem pacientes que nós operamos dentro da nossa equipe que seguramente a doença não vai voltar. Mas a gente não pode dizer que a doença não volta porque eu sei que um percentual de mulheres a doença vai voltar. Então você tem que acompanhar todas, porque você não sabe aonde a doença volta, mas você sabe que algumas mulheres vão voltar, mesmo as pacientes bem operadas”.

Perfil das pacientes em mudança

Tradicionalmente associada a mulheres mais magras, a endometriose também tem afetado pacientes com sobrepeso, o que, segundo o médico, está ligado a hábitos alimentares ruins, com alto consumo de carboidratos e alimentos ultraprocessados.

“Era um perfil muito de pacientes mais magrinhas, que são aquelas pacientes com doença inflamatória. Mas nos serviços públicos já vemos um bom número de pacientes gordinhas com endometriose.”

Infertilidade e maternidade: o impacto da endometriose

A endometriose está diretamente associada à infertilidade. Estima-se que entre 40% e 50% das mulheres com a doença tenham dificuldades para engravidar. Ainda assim, o médico alerta para a importância de orientação e planejamento reprodutivo, especialmente entre mulheres jovens com desejo de serem mães.

“Gravidez não dá para você postergar para a hora que você quer e deixar o tempo passar e tem 36 anos, 37, 38 anos, 39, e achar que você engravida a qualquer momento. Hoje, o que tem impactado muito a questão da fertilidade é a idade das mulheres”.

Para essas pacientes, o aconselhamento sobre o congelamento de óvulos pode ser uma alternativa eficaz. “Ela deve ser orientada da possibilidade de congelamento de óvulo. Porque ela vai congelar um óvulo de boa qualidade”, explicou, lembrando que a fertilização in vitro é um procedimento caro e que o acesso pelo sistema público ainda é extremamente limitado.

Dor intensa, relação sexual comprometida e sofrimento contínuo

Outro aspecto dramático da endometriose é a dor durante a relação sexual. Segundo o médico, esse é um dos sintomas que mais afetam a qualidade de vida da paciente, principalmente quando a doença atinge áreas como o reto ou a vagina.

“Tem determinadas posições, tem uma penetração mais intensa que ela sente muita dor e não consegue ter relação. Tem pacientes que evoluem para dor no ato de urinar, quando você tem uma endometriose comprometendo. E tem paciente que é pior ainda, ela tem o que a gente chama de dor acíclica, dói o tempo inteiro”.

Nesses casos, mesmo após a cirurgia, a dor pode permanecer por conta da chamada “memória de dor”. O tratamento, então, precisa ser ampliado com suporte de fisioterapia, psicoterapia, clínica da dor e nutrição. O médico destaca que o cuidado multidisciplinar é indispensável.

“Você tem que orientar para a atividade física, para que ela produza endorfina, que é um analgésico natural que não tem na farmácia. Você tem que literalmente suar a camisa para produzir. Então tudo isso faz parte da orientação multidisciplinar que um especialista capacitado vai fazer”.

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