Restrição no compartilhamento de dados do Coaf é elogiado por criminalistas
Advogados avaliam decisão do STJ como uma ‘reviravolta’
A decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) de só autorizar compartilhamento de dados do Coaf com a Polícia e o Ministério Público quando, efetivamente, houver uma investigação formal em curso põe fim ao fishing expedition ilegal, na opinião de advogados criminalistas. Conrado Gontijo, doutor em Direito Penal Econômico pela USP, anota que a exigência de autorização prévia da Justiça para o Conselho de Controle de Atividades Financeiras liberar as informações tem sido dispensada pelos tribunais superiores.
No entanto, ele defende, na linha da decisão do STJ tomada no dia 18 de junho, que os dados do Coaf só podem ser obtidos pela autoridade policial ou pelo promotor exclusivamente quando já houver procedimento de investigação formalmente instaurado. Fora dessa hipótese, no entendimento de Gontijo, ‘é abrir um perigoso caminho para o arbítrio e para ainda mais graves violações aos direitos fundamentais’.
“É preciso reconhecer que os dados do Coaf são essenciais nas investigações criminais, mas o acesso a eles precisa ser feito com total critério e formalização, evitando-se abusos e fishing expedition ilegal”, alerta.
O julgamento foi realizado, na última terça-feira (18), pelos ministros da Quinta Turma do STJ. Os advogados avaliam que o resultado é uma ‘reviravolta’ em relação a outro julgamento, ocorrido em maio, quando, por unanimidade, o colegiado validou o compartilhamento de informações financeiras sigilosas com órgãos de investigação criminal sem necessidade de autorização judicial prévia.
Aquela decisão se baseava em premissa fixada pelo STF, autorizando o compartilhamento, desde que houvesse investigação formalizada. Agora, os ministros do STJ se debruçaram sobre uma demanda da Polícia, que solicitou ao Coaf dados para municiar uma verificação preliminar, mecanismo que antecede a instauração regular do inquérito. O STJ decidiu, por três votos a dois, que é necessária a existência do inquérito. Neste caso, os ministros concluíram que o compartilhamento é ilícito e anularam provas obtidas pelo Ministério Público.
Para a ex-desembargadora do Tribunal Regional Federal da 3.ª Região (TRF-3), em São Paulo, Cecília Mello, hoje advogada criminalista, a decisão do STJ ‘é um passo importante na direção da legalidade’ à medida que torna obrigatória a instauração prévia de inquérito, e não de qualquer procedimento.
“Só se pode avaliar a necessidade, razoabilidade e proporcionalidade de uma medida dessa natureza, notadamente para fins penais, por meio do devido processo legal, com atuação prévia do Poder Judiciário. É o princípio de reserva de jurisdição, como determina a Constituição”, afirma Cecília.
Ela reconhece que o compartilhamento de informações financeiras na esfera administrativa foi flexibilizado em benefício da transparência, da globalização, das regras internacionais de compliance e do combate à sonegação tributária e à evasão de divisas. Mas não concorda com essa possibilidade, especialmente em matéria penal e mesmo com o entendimento já fixado pelo STF.
Ana Carolina Piovesana, especialista em direito penal econômico pela FGV, concorda com o advogado Conrado Gontijo. Para ela, a decisão da Quinta Turma do STJ é ‘absolutamente acertada’ e reforça a importância de balizas claras e precisas para solicitações de relatórios ao Coaf. “A existência de um inquérito policial, formalmente instaurado, é requisito essencial para evitar abusos persecutórios, devassas indiscriminadas de dados sigilosos dos cidadãos e para impedir que o Coaf seja utilizado para a realização de investigações secretas, à margem da lei, em nítida pescaria probatória”, enfatiza.
O criminalista Fernando Hideo Lacerda, professor de Direito Penal na Escola Paulista de Direito, diz que por violação do Tema 990 a questão será, provavelmente, levada ao Supremo Tribunal Federal. “Aparentemente, há contradição entre a decisão do STJ e a orientação consolidada pelo STF em repercussão geral, uma vez que o Plenário reconheceu a legalidade no compartilhamento dos dados sem autorização judicial, tanto de forma espontânea quanto provocado pelo Ministério Público. A instabilidade na jurisprudência gera grave insegurança jurídica. O Supremo deve fixar critérios claros para o compartilhamento de dados pelo Coaf”, sugere.
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