Símbolos de inclusão garantem atendimento preferencial, mas ainda são desconhecidos
Em locais públicos, é cada vez mais comum a presença de sinais que indicam condições de saúde específicas
Fabiani Borges é mãe de um adolescente que precisa usar um cordão com desenho de um quebra-cabeça colorido. Um dos mais conhecidos do Brasil, o adereço é um símbolo que representa a complexidade do Transtorno de Espectro Autista (TEA) e Foi usado pela primeira vez em 1963, por Gerald Gasson, pai de uma criança neuroatípica e membro da National Autistic Society (Reino Unido).
Em locais públicos como bancos, supermercados, postos de saúde e no transporte coletivo, é cada vez mais comum a presença de símbolos como o do quebra-cabeça, que indicam condições de saúde específicas. Esses símbolos não apenas promovem o reconhecimento das necessidades de atendimento preferencial, mas também auxiliam a inclusão e a acessibilidade de pessoas com condições de saúde que demandam cuidados especiais.
Entretanto, muitos brasileiros ainda desconhecem o significado de cada símbolo e os direitos que representam. Em conversa com o Portal M!, Fabiani explica que a utilização dos símbolos de atendimento preferencial é uma forma de comunicação visual daquilo que está na legislação, tanto na Lei Brasileira de Inclusão, quanto na Lei Berenice Piana.
Também conhecida como Lei nº 12.764/2012, a norma estabelece direitos para pessoas com TEA e suas famílias. Considerada um marco na luta pelos direitos dos cidadãos do espectro autista, ela estabelece algumas diretrizes.
O nome – Berenice Piana – refere-se à primeira pessoa a conseguir a aprovação de uma lei por meio de iniciativa popular no Brasil. Quando seu terceiro filho nasceu, em meados de 1990, as discussões sobre o assunto eram inexistentes, mas ela percebeu as dificuldades de desenvolvimento do caçula da família.
Berenice não encontrou ajuda no sistema público e enfrentou diversos problemas, a exemplo da educação. Seu filho estudava em escola regular e foi expulso após fugir, aos 4 anos. Depois de, finalmente, conseguir diagnóstico e tratamento adequados, ela passou a lutar pelos direitos das pessoas com autismo.
Entre elas, a lei considera as pessoas com TEA como indivíduos com deficiência para todos os efeitos legais, garante o acesso a serviços de saúde, como diagnóstico precoce, tratamento, terapia e medicamentos pelo Sistema Único de Saúde (SUS). A legislação também assegura o acesso à educação, proteção social, trabalho e serviços que promovam a igualdade de oportunidades.
Fabiani explica que o atendimento de preferências protegidas por determinadas legislações precisa ser sinalizado não só para que a pessoa com deficiência se identifique em relação à sua condição e exerça o seu direito, mas também para que a sociedade possa reconhecer e entender por que aquele cidadão está ali.
“Muitas vezes, as deficiências são invisíveis, e aí começa a entrar nas grandes dificuldades que as pessoas, PCDs, de um modo geral, enfrentam. O autismo é invisível, a surdez, mudez são invisíveis, existem deficiências ocultas, em que, de uma leitura visual daquele indivíduo, você não consegue identificar. Essa não identificação, às vezes, causa estranheza, principalmente para as outras pessoas”, conta Fabiani.
Segundo ela, é comum estar em fila de prioridade para algum tipo de atendimento e por ser familiar de pessoa autista – que não têm um aspecto sindrômico -, as pessoas estranham e questionam por que ela está ali.
Fabiani aponta que o uso dessa simbologia tem grande relevância, principalmente para a educação da sociedade sobre a deficiência. Ela conta que, antes da adoção do símbolo do autismo, havia grande dificuldade de fazer essa identificação.
“Hoje, está mais fácil, e há uma mudança, inclusive, no comportamento desses locais, desses atendimentos, para que o símbolo de acessibilidade já seja o símbolo novo da ONU, da OMS, que é um bonequinho dentro de um círculo de braços e pernas meio abertos, o que permite a identificação da pessoa com deficiência naquele local. Isso é muito positivo, porque antes do autismo ter essa identificação com o laço de fita, por exemplo, nós parávamos o carro com a identificação emitida pela Transalvador, que era o símbolo do PCD – basicamente, o cadeirante”, lembra.
Com esta simbologia, as outras pessoas aguardavam a saída de um cadeirante – ou com dificuldade de locomoção.
“A deficiência do meu filho não é impeditiva da locomoção dele no sentido concreto da palavra, mas sim, por uma outra razão. Ele tem uma demanda de um estacionamento especial mais próximo para evitar que ele fuja, por exemplo, que saia correndo, seja atropelado, que ele não consiga identificar onde ele está e por uma série de outras questões. O uso desses símbolos é importantíssimo para fazer essa comunicação visual com a sociedade”, defende.
Além de mãe, ela é advogada e presidente da Autimais, um coletivo de mães e pessoas autistas que, entre suas funções, compartilha informações e acolhimento a quem vai chegando. A comunidade é dividida entre grupos: crianças de 0 a 5 anos e de 0 a 12 anos,. além de adolescentes e jovens adultos.
Fabiani lamenta que famílias de pessoas com deficiência precisem lidar com a lacuna de conhecimento entre entidades e profissionais envolvidos na área de saúde pública, que, segundo ela, na sua grande maioria, desconhecem os símbolos, o que dificulta o exercício de direitos.
“Acredito que quanto mais a gente leva informação sobre o assunto para a sociedade, a gente, de algum modo, está transformando a sociedade. Essa é uma filosofia que a gente tem na Autimais e que a gente acredita muito seriamente. Quando você pega uma mãe que recebeu o diagnóstico, você informa as possibilidades do tratamento, a forma dela fazer a gestão de crise, a forma dela conseguir estabelecer um canal de comunicação com aquela criança, é você dá àquela mãe uma informação que pode transformar o dia a dia”, explica.
Outros símbolos
Além do quebra-cabeça colorido, outros símbolos de inclusão e acessibilidade tentam auxiliar pessoas com realidades atípicas. Formalizado pela Lei 14.624, de 17 de julho de 2023, o cordão de girassol é utilizado para identificar pessoas com deficiências ocultas, como surdez, autismo, diabetes, asma, limitações intelectuais e deficiências cognitivas.
O símbolo do infinito representa a neurodiversidade em todo o mundo, sendo utilizado como logotipo desse movimento social e político, que visa a aceitação e conscientização sobre transtornos mentais e/ou do desenvolvimento. Embora seja uma corrente recente, a neurodiversidade ganha força a cada ano, promovendo uma visão mais inclusiva e positiva das diferenças neurológicas.
Criado pela própria comunidade autista, o símbolo do infinito substitui a antiga imagem do quebra-cabeça, que muitos consideravam estigmatizante. As cores do logo foram escolhidas para representar a diversidade dentro do espectro autista, evitando reforçar estigmas e celebrando a individualidade de cada pessoa.
Existem também cordões de identificação alternativos, como os que trazem as palavras “Autismo”, “Mãe de Autista” e “Pai de Autista”. Esses modelos são úteis, especialmente para pessoas autistas que não se sentem confortáveis em usá-los, mas ainda se beneficiam da visibilidade que o uso do cordão proporciona em situações do cotidiano.
Os pais, por exemplo, podem usar o cordão em filas preferenciais, evitando questionamentos desagradáveis e garantindo o direito ao atendimento adequado. Esses cordões alternativos ajudam a sinalizar as necessidades de pessoas autistas de maneira respeitosa e inclusiva.
Acesso equitativo a serviços e recursos
Condições como autismo, demência, surdez e Síndrome de Down influenciam significativamente o comportamento e as necessidades individuais. A explicação é de Fabiano de Abreu Agrela, pós-doutor e PhD em Neurociências. Ao Portal M!, ele explica características e necessidades de cuidados de diferentes transtornos.
“No autismo, observa-se comprometimento na comunicação social e comportamentos restritivos, demandando intervenções especializadas para promover habilidades sociais e cognitivas. A demência resulta em declínio cognitivo progressivo, afetando memória e função executiva, o que requer cuidados contínuos e suporte para atividades diárias. A surdez impacta a percepção auditiva, necessitando de estratégias alternativas de comunicação, como a Língua de Sinais, para facilitar a interação social. Já a Síndrome de Down está associada a deficiências intelectuais e físicas, exigindo abordagens multidisciplinares para atender às necessidades de desenvolvimento”, detalha.
Agrela frisa que o atendimento preferencial é crucial para garantir que esses indivíduos tenham acesso equitativo a serviços e recursos. “A sinalização adequada nos ambientes públicos facilita a identificação das necessidades específicas, permitindo que profissionais ofereçam suporte apropriado. O uso de símbolos específicos promove a inclusão social, ao aumentar a visibilidade dessas condições e sensibilizar a sociedade para a importância do apoio especializado”, considera.
Fabiano Agrela ressalta, no entanto, que a falta de compreensão ou interpretação incorreta desses símbolos pode resultar em barreiras significativas no acesso a serviços essenciais, aumentando o isolamento social e o estresse. “A pouca familiaridade da população com esses símbolos representa um desafio para a inclusão, evidenciando a necessidade de campanhas de conscientização e educação pública”.
O neurocientista alerta que a falta de observância dos direitos de atendimento preferencial para pessoas com diferentes condições pode ter sérias implicações para a saúde mental e física desses indivíduos, e a não garantia desse direito pode levar ao aumento dos níveis de cortisol, hormônio relacionado ao estresse crônico, o que, por sua vez, pode agravar sintomas comportamentais e cognitivos.
“É necessário que políticas públicas e iniciativas educacionais sejam implementadas para melhorar o reconhecimento e a compreensão dessas condições, promovendo um ambiente mais inclusivo e responsivo às necessidades de todos os cidadãos”, finaliza.
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