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Professor diz que grandes ícones da luta negra ainda são “muito heterossexuais”

Ao Portal M!, Daniel dos Santos lembrou que personalidades como Madame Satã, Jorge Lafond, Vera Verão e Audre Lorde foram "silenciadas e invisibilizadas"

A temática do racismo, tendo como recorte negritude e homossexualidade, é estudada pelo professor da rede estadual Daniel dos Santos, que é membro da Editoria Executiva da Revista Periódicus (Qualis A3 CAPES) e do Núcleo de Pesquisa e Extensão em Culturas, Gêneros e Sexualidades (NuCuS) da Universidade Federal da Bahia (UFBA).

Autor e organizador de Bixas Pretas: Dissidências, Memórias e Afetividades, publicado em 2022 pela Editora Devires, Daniel ressaltou, durante participação no Podcast do Portal M! para o Novembro Negro, que os grandes ícones da luta negra ainda são “muito heterossexuais”.

“É uma questão que é muito cara, principalmente porque quando a gente observa a história negra, de uma maneira geral, ela ainda é muito normativa para as questões de gênero e sexualidade. Então, grandes ícones da luta negra e da intelectualidade negra, infelizmente, são ainda muito heterossexuais”, afirmou.

Em função disso, o professor lembrou que personalidades como Madame Satã, Jorge Lafond, Vera Verão e Audre Lorde foram “silenciadas e invisibilizadas”.

“Dentre inúmeras outras, que ofereceram em suas vidas toda uma contribuição intelectual e política para a luta e a intelectualidade negra. E eu comecei, de fato, a perceber o quanto isso é importante  para a gente poder não reduzir a luta negra ao que eu sempre chamo de um paradigma ‘heterociscentrista'”.

Importância do NuCuS na compreensão de gênero e sexualidade

Daniel também enfatizou a importância do NuCuS em seu processo de “amadurecimento intelectual”, sobretudo diante da criação de um novo “repertório teórico-metodológico”, que contribui com um entendimento das questões ligadas à sexualidade de pessoas negras.

“A minha pesquisa é muito centrada nas masculinidades negras, nos homens negros. Os homens negros, na minha pesquisa, são heterossexuais e cisgêneros, são tipos específicos de masculinidades. E a minha trajetória de amadurecimento intelectual no NuCuS fez com que eu percebesse essas interseccionalidades, como a gente costuma dizer, entre raça e esses outros marcadores identitários, como gênero e sexualidade. Quanto às questões negras LGBTQIAPN+ são super importantes para nós, que estudamos, pesquisamos e sobretudo vivenciamos a negritude”.

Conforme o professor, é necessário compreender a negritude a partir de uma lógica plural, múltipla, afinal não existe uma forma só de ser “negro, negra ou negre no mundo”. Por conta disso, ele acredita que, quanto mais categorias socioculturais e interação com o signo da raça, mais complexa a experiência negra se torna.

“O NuCuS me ajudou a amadurecer no sentido de eu pensar melhor esses homens negros e suas masculinidades a partir da heterossexualidade e da cisgeneridade que são categorias normativas, mas o quanto elas funcionam de maneira muito peculiar para homens negros que têm sua própria humanidade negada. Porque pensar gênero e sexualidade para corpos que nem humanos são considerados é algo muito complexo”, enfatizou.

Criação do livro ‘Bixas Pretas’

Segundo Daniel, foi a partir da compreensão dessas questões negras LGBTQIAPN+ que nasceu o livro Bixas Pretas.

“É uma ideia de David Sousa, que era integrante do NuCuS. É um projeto que ele sempre pensava, de que a gente precisa de um livro de referência sobre as bichas pretas, e feito por nós. A ideia original é de David Sousa, ele conversava isso comigo e tal, e a gente acabou fazendo esse projeto junto também com o mestre Vinícius Zacarias, que está terminando o doutorado dele no pós-afro da Ufba”.

“Nós três nos reunimos e realizamos esse projeto, que eu acredito que foi o primeiro grande passo assim, pelo menos para minha trajetória, para poder pensar mais, estudar e pesquisar mais as questões negras, LGBTQIAPN+”, completou.

 

Confira o podcast na íntegra:

 
 

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