Promotora de Justiça Lívia Sant'anna Vaz fala sobre educação na luta antirracista

"Políticas de inclusão não são benesses, elas são uma dívida histórica que o Estado brasileiro tem com o povo negro", disse ao podcast do Portal M!

Por Bruna Ferraz
19/11/2023 às 15h03
  • Compartilhe
Foto: Arquivo pessoal
Foto: Arquivo pessoal

Soteropolitana raiz, como ela mesma se apresenta, a promotora de Justiça Lívia Sant'anna Vaz é uma das convidadas ao podcast do Portal M! durante a série especial do Novembro Negro. Formada em Direito, ela é mestre em Direito Público e decidiu que queria ser promotora de Justiça, cargo que  ocupa desde 2004, após estagiar no Ministério Público. Hoje ela é doutoranda em Ciências Jurídico-Políticas pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e foi recentemente reconhecida como uma das 100 Pessoas Mais Influentes de Descendência Africana do Mundo, na Edição Lei & Justiça.

Lívia, que creditou à educação o seu processo de ascensão profissional e acredita ser esse o fator norteador de qualquer mudança social. Contudo, lembrou que são muitos os elementos necessários para que um indivíduo possa conquistar espaços. "É perigosa a ideia de que apenas o seu esforço irá lhe garantir isso", pontua.

"As políticas públicas de inclusão, sobretudo na esfera da educação, são medidas de reparação histórica, porque pessoas negras passaram quase um século no Brasil proibidas de frequentar as escolas. Quando nós analisamos a mobilidade social no Brasil, uma pesquisa muito importante da Organização para a Cooperação do Desenvolvimento Econômico de 2018, chamada Elevador Social Quebrado, vai demonstrar que o Brasil tem a segunda pior colocação do mundo, perdendo apenas para a Colômbia", destaca.

De acordo com Lívia,  no Brasil, é preciso nove gerações para que uma pessoa que compõe os 10% mais pobres da sociedade alcance a renda média. "Só que nós não podemos deixar de contextualizar essa história, porque há nove gerações, nós estávamos em pleno regime escravocrata. Portanto, essas políticas de inclusão não são benesses, elas são uma dívida histórica que o Estado brasileiro tem com o povo negro, tem com a nossa democracia, porque não há democracia sem diversidade, sem inclusão. Não há democracia quando 56% da população segue marginalizada de espaço de poder e decisão. Que colaboração pode ser oferecida por brancos e negros à luta", afirmou.

Violência racial experienciada desde a infância

Dentre os elementos que conferem a complexidade da luta do negro para a conquista do seu bem-estar e ascensão social, Lívia Sant'anna Vaz destacou a violência racial, que já costuma ser apresentada durante a infância. Mesmo tendo tido o benefício de nascer em um ambiente familiar estruturado, cercada de brincadeiras, qualidade de vida e finais de semana na casa dos avós na Cidade Baixa, a baiana não foi privada de ter o seu primeiro contato com a violência racial ainda enquanto criança.

"Isso é algo, infelizmente, natural para crianças negras no Brasil. As crianças negras, elas são obrigadas a conviver com o racismo, a enfrentar o racismo, quando ainda sequer conseguem nominar essas violências. E isso vai pautar muitos aspectos das vidas dessas crianças e das pessoas adultas que elas se tornarão um dia. Por isso, eu costumo dizer que o racismo, ele de fato destrói sonhos, ele ignora talentos, e acaba pautando nossas decisões mais importantes a respeito do nosso destino".

Segundo a promotora de Justiça, ser uma pessoa negra em um país estruturalmente racista como o Brasil, indica que, em qualquer fase da vida, se pode vivenciar episódios cotidianos de racismo. "Muitas vezes as pessoas sequer têm consciência racial ou letramento racial suficiente para compreenderem que vivenciam sim racismo. Nós vivemos em um país do racismo sem racistas", afirma.

A promotora destaca que diversas pesquisas vão apontar que a maioria dos brasileiros entende que existe racismo no Brasil, porém, ninguém se declara racista. "Isso porque nós temos uma concepção muito limitada do que seja o racismo. Eu costumo dizer que as ofensas racistas, as manifestações mais explícitas do racismo são apenas a ponta visível do iceberg [...]. O racismo é linguagem, é sistema de poder, é fator determinante de desigualdade no nosso país", ressalta.

Confira o podcast na íntegra