"Minha carreira é, em muitos sentidos, um desafio ao racismo brasileiro", diz Flávio VM Costa
Escritor e jornalista falou ao Podcast do Portal M! sobre sua infância no bairro de Pernambués e ressaltou a importância do sistema de cotas

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O escritor e jornalista Flávio Costa é o convidado desta edição do Podcast do Portal M! no Novembro Negro, campanha que visa recordar e evidenciar as lutas da população negra contra o racismo e a desigualdade social.
Em sua participação no Podcast do M!, o editor-chefe do The Intercept Brasil falou sobre sua carreira e revelou ter enfrentado situações de racismo quando cobriu o Judiciário na Bahia. "Eu sabia que o fato de eu estar ali, cobrando e investigando magistrados, era uma ação não só de um jornalista investigativo, mas uma ação positiva de combate ao racismo, porque as pessoas acham que o jornalista negro tem que se limitar a tratar de assuntos relacionados a causas raciais. Isso é só uma outra forma de racismo", pontuou.
Em função disso, o jornalista contou que, ao longo de sua carreira, procurou lidar com os "temas macro", os assuntos importantes - seja através da reportagem política ou sobre violações de direitos humanos, não se limitando às questões raciais no Brasil.
"Claro que atravessado por uma visão de um homem negro, mas não só por isso. Então, a minha carreira não é uma carreira que se fez, nem se limitou, a questões raciais no Brasil, nem é uma carreira que eu julgo que foi prejudicada por isso, [porque] desde o começo eu tive uma postura de enfrentamento em relação a isso", ressaltou.
Flávio também enfatizou que sua trajetória profissional é, em muitos sentidos, um desafio ao chamado racismo brasileiro. Hoje editor-chefe do Intercept, ele já foi repórter nos jornais Correio da Bahia e A Tarde, e repórter especial e chefe do Núcleo Investigativo do POrtal UOL.
"Eu não vou entrar no mérito desta questão do racismo estrutural, porque eu acho que o conceito está sendo, às vezes, usado para que pessoas brancas justifiquem as suas atitudes e o seu racismo. Então tudo passa a ser racismo estrutural. A minha carreira é muito também um desafio a essas estruturas, digamos assim. Eu sempre procurei enfrentar essas questões dentro do meu trabalho", afirmou.
Infância no bairro de Pernambués
Outro assunto abordado com o jornalista foi sobre sua infância no bairro de Pernambués, em Salvador. Ele falou sobre suas percepções dessa fase da vida, como menino negro e periférico de uma grande cidade.
"Eu tive uma infância, digamos, um pouco diferente do que eu vejo hoje em dia das crianças de bairros populares. Eu noto que a criança de hoje em dia não tem mais o uso da rua, não estão mais no espaço da rua. Então, o que é mais forte em mim, em termos de lembrança, é isso - eu estar sempre na rua, brincando, jogando bola, sempre correndo. E [quanto ao] bairro, apesar de todas as limitações que ele tinha, me recordo de uma sensação de pertencimento ao local", apontou.
Formado pela UFBA, Flávio entrou na universidade em 2002, antes do sistema de cotas ser implantado. Ao M!, ele disse acreditar que as cotas são uma "política compensatória", com efeitos imediatos e que ainda é necessária.
"A universidade pública precisa ser um espaço ocupado, utilizado e frequentado por todos os setores da sociedade, e já que estruturalmente, a educação no país impedia o acesso de pobres e negros a esses espaços, o sistema de cotas é ainda necessário para equilibrar um pouco as coisas", ressaltou.
Ele pontuou que a política de ações afirmativas não pode se resumir ao sistema de cotas. "Mas, enquanto o país for extremamente desigual em termos de oportunidades para as pessoas negras, o sistema de cotas tem que ser mantido", defendeu.
O jornalista também defendeu a importância da educação como "porta de entrada" para que pessoas possam ascender socialmente. "E claro que o sistema de educação pública brasileiro, com todos os seus limitadores, todos os seus problemas, como está constituído atualmente, serve para manter o 'status quo'".
Em função disso, Flávio disse acreditar que apenas uma "mudança profunda" no sistema de educação pode fazer com que exista igualdade de oportunidades para todas as pessoas. "A educação é uma das bases dessa ascensão social, mas não é a única", salientou.