"As mulheres negras são as maiores vítimas de todos os tipos de violência no Brasil", diz promotora de Justiça Lívia Sant'anna Vaz

A soteropolitana falou ao podcast do Portal M! sobre as suas vivências, enquanto mulher, negra e nordestina, destacando a importância do feminismo negro na luta antirracista

Por Bruna Ferraz
20/11/2023 às 10h36
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Foto: Arquivo pessoal
Foto: Arquivo pessoal

Promotora de Justiça desde 2004, a jurista Lívia Sant'anna Vaz falou ao podcast do Portal M! sobre o seu processo de crescimento pessoal e profissional, enquanto mulher, negra e nordestina. Natural de Salvador, mestra em Direito Público e doutoranda em Ciências Jurídico-Políticas pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, a baiana destacou o feminismo negro como um elemento importante na luta antirracista.

Citando a filósofa e escritora Sueli Carneiro, Lívia lembrou uma frase sua que representa bem o contributo do feminismo negro no debate sobre promoção da igualdade: "Ela diz que ser uma mulher negra é viver uma espécie de asfixia social, porque se de um lado evoluem as políticas de gênero, as mulheres negras ficam paralisadas por conta do racismo. E se de outro, evoluem as políticas de promoção da igualdade racial, as mulheres negras ficam engessadas por conta do sexismo. Então é preciso ter um olhar interseccional, e esse é um outro grande contributo do feminismo negro, a concepção de interseccionalidade, para que nós possamos, efetivamente, promover igualdade".

Lívia Sant'anna Vaz alertou os ouvintes e leitores para a necessidade que o sistema de Justiça e o poder público têm de observar as diversas intersecções sociais existentes no país. "Os dados podem facilmente demonstrar essa realidade, porque as mulheres negras são as maiores vítimas de todos os tipos de violência no Brasil. Se nós falarmos em mortalidade materna, violência doméstica, violência doméstica familiar, violência sexual, feminicídios, as mulheres negras são as maiores vítimas. Daí a importância da interseccionalidade como um instrumento de promoção de políticas públicas, como um mecanismo, um método de interpretação e aplicação dos direitos".

Reconhecida recentemente como uma das 100 Pessoas Mais Influentes de Descendência Africana do Mundo, na Edição Lei & Justiça, Lívia abordou também, durante o podcast do Portal M!, o compromisso efetivo que todos os grupos precisam ter com a luta antirracista, para que as mudanças sejam efetivas e para todos.

"As pessoas brancas precisam reconhecer o privilégio da sua branquitude. Quando nós falamos em branquitude não se trata de uma escolha, assim como a negritude também não é uma escolha. A branquitude é uma posição social de privilégio. E o reconhecimento desse privilégio é um primeiro passo para transcender o mero discurso antirracista para a prática, para posturas efetivas antirracistas que podem ser e devem praticadas em diversas dimensões das nossas vidas, desde as relações afetivas, familiares, sociais e institucionais".

Dentre as práticas que devem ser adotadas em prol do antirracismo, Lívia Sant'anna Vaz trouxe exemplos simples, como: observar se nos locais de trabalho há pessoas negras em cargos de liderança; analisar se nas escolas dos seus filhos existe um plano político-pedagógico de implementação da lei 10.639, que exige de instituições de ensino a obrigatoriedade de abordar conteúdos de estudo da história e cultura afro-brasileira e indígena; questionar a ausência de diversidade étnico-racial nos quadros de professores dessas escolas; consumir produtos ou serviços de empreendedores negros e negras; dentre outros.

"Não foram as pessoas negras que inventaram o racismo. Somos nós que sofremos as consequências mais duras desse sistema de operação, por óbvio, mas o racismo prejudica toda a sociedade, então todos e todas devemos nos engajar para alcançarmos uma sociedade mais justa, livre, solidária e democrática", concluiu.

Confira o podcast na íntegra