Projeto de lei sobre planos de saúde é um avanço, mas requer ajustes, dizem especialistas

Advogados ouvidos pelo Portal M! analisaram como as mudanças propostas pelo PL podem alterar a dinâmica atual entre consumidores e operadoras


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Bruno Brito 20/10/2024 15:00 Cidades
Projeto de lei sobre planos de saúde é um  avanço, mas requer ajustes, dizem especialistas - Tânia Rêgo/Agência Brasil

As queixas sobre reajustes abusivos nos planos de saúde têm levado cada vez mais beneficiários à Justiça. Apenas em 2024, o Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA) registrou 4.535 novos processos relacionados à Saúde Suplementar, conforme dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Esse cenário de insatisfação está alinhado com a tramitação, na Câmara dos Deputados, de um Projeto de Lei que visa reformar a regulamentação dos planos de saúde, propondo mudanças que podem impactar diretamente os consumidores e as operadoras.

Entre os principais pontos do projeto está a proibição de que as empresas suspendam unilateralmente os contratos, além de novas regras para os reajustes dos planos que possuem até 99 vidas. O PL nº 7419/2006 foi apresentado pelo deputado Duarte Júnior (PSB-MA), relator da matéria. A proposta compila 270 projetos de lei que visam alterar a Lei 9.656/98, que hoje regulamenta os planos de saúde no Brasil.

A proposição teve origem no Senado Federal, por iniciativa do senador Luiz Pontes (PSDB-CE), em 2006. O projeto teve início no Senado, onde foi aprovado, e partiu para a Câmara dos Deputados, onde ainda não há data para votação. Há ainda a expectativa de que operadoras e entidades do setor proponham alterações ao PL. Após a aprovação na Câmara, por conta das alterações, o texto voltará para aprovação do Senado e depois segue para sanção presidencial.

Para avaliar os impactos dessa proposta, o Portal M! ouviu os advogados Raquel Dortas e Lerroy Tomaz para analisarem como essas mudanças podem alterar a dinâmica atual entre consumidores e operadoras.

Ao falar sobre a proibição das rescisões unilaterais de contratos que estejam adimplentes e a criação de uma fórmula de cálculo que impeça os chamados “reajustes abusivos”, Raquel Dortas enfatizou que a temática tem despertado a atenção dos operadores do Direito, do mercado e do Estado, em função do expressivo aumento dessas demandas, agregando-se aquelas em que o beneficiário busca a cobertura de um tratamento médico que não foi autorizado pela operadora, muitas vezes, justificada pela ausência de previsão contratual ou de inserção no rol de procedimentos da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).

“Os processos são, em boa parte, ajuizados perante os Juizados Especiais, mas, a depender dos valores envolvidos, podem ser ajuizados na Justiça comum cível. Especialmente no TJ baiano, noto um consenso entre os magistrados acerca do reconhecimento da conduta abusiva consistente na rescisão unilateral do plano de saúde, em razão da essencialidade dos serviços, e do reconhecimento da necessidade de revisão do contrato para restabelecimento do equilíbrio contratual, por conta da onerosidade excessiva, ofensa aos princípios da informação, transparência e boa-fé por parte das operadoras e seguradoras nos aumentos anualmente aplicados aos contratos, como também os aumentos aplicados por mudança de faixa etária do segurado”, explicou.

A advogada, que é especialista em Proteção de Dados Pessoais (LGPD) e Direito Digital e pós-graduada em Direito Processual Civil, em Direito Empresarial e Advocacia Empresarial, apontou ainda que, de forma geral, a Justiça tem se mostrado favorável aos consumidores, especialmente em ações que tramitam em Varas de Defesa do Consumidor.

“Nas ações em que se discute a rescisão unilateral pelo prestador desses serviços assistenciais, tenho constatado que, em grande parte, as empresas são condenadas a reativar o contrato e a pagar ao consumidor indenização por danos morais, especialmente quando a rescisão unilateral do contrato de plano de saúde acaba agravando o estado de saúde considerável a beneficiário, adimplente, internado ou em tratamento médico garantidor da vida, antes da efetiva alta”, observou.

Raquel Dortas é sócia da Oliveira Santos e Vieira Advogados e Consultores Associados | Foto: Divulgação

No entanto, Dortas lembrou que mesmo nas ações cujo objeto é a revisão dos reajustes praticados ao longo do vínculo, as decisões costumam ser favoráveis ao consumidor. “Reconhecem a abusividade dos percentuais aplicados pelas operadoras, sejam em contratos coletivos por adesão, sejam em contratos empresariais, especialmente aqueles com menos de 30 segurados. Os tribunais superiores, inclusive, o STJ, têm se posicionado no sentido de que as operadoras de saúde não podem cancelar planos de saúde empresariais com menos de 30 vidas sem motivo idôneo”, disse.

Já o advogado Lerroy Tomaz, pós-graduado em Direito Público pela Unifacs e pós-graduando em Gestão Pública pela Universidade Federal da Bahia (Ufba), lembrou que a previsão do Conselho Nacional de Justiça é que, até dezembro deste ano, sejam alcançados 685 mil processos judiciais envolvendo a temática da saúde. Deste total, a expectativa é que 285 mil sejam contra operadoras/planos de saúde.

“Grande parte desse passivo judicial que envolve os planos de saúde decorre justamente das decisões unilaterais e dos reajustes que são considerados abusivos, além de negativa de cobertura e outras falhas que são graves também. Com relação aos reajustes, o maior problema é que a ANS só interfere nos planos individuais e familiares, não tendo nenhum tipo de ingerência, de interferência naqueles reajustes que são dados e aplicados nos planos coletivos”, pontuou.

O especialista também explicou sobre os cancelamentos unilaterais e citou a Lei 9.656, de 1998, que permite a rescisão unilateral dos planos individuais e familiares, desde que haja o descumprimento do contrato por parte do beneficiário, a exemplo de casos envolvendo fraude. “Que é quando há ocultação de doença, por exemplo, quando o beneficiário ao contratar o plano, esconde que já tem uma enfermidade, que já tem uma doença pré-existente. Ou quando ocorre, por exemplo, empréstimo da carteirinha para terceiros para fazer procedimentos em nome do beneficiário”, listou.

Além da fraude, outra hipótese que autoriza a rescisão unilateral é o não pagamento da mensalidade por mais de 60 dias, consecutivos ou não. “Não faz diferença, desde que seja nos últimos 12 meses de vigência do contrato e que o consumidor tenha sido notificado pela operadora, pela empresa do plano de saúde. Essa previsão legal é expressada apenas com relação aos planos individuais”, ressaltou.

Lerroy Tomaz é sócio-fundador do escritório Tomaz, Queiroz & Ferreira Advocacia | Foto: Divulgação

Regulamentação de reajustes

A proposta prevê a regulamentação dos reajustes para contratos coletivos com menos de 99 beneficiários. Atualmente, por resolução da ANS, já há a previsão de agrupamento para contratos coletivos com menos de 29 vidas. A expectativa com a mudança é evitar que um contrato com poucos beneficiários e com alta sinistralidade tenha reajustes exagerados.

Na avaliação de Lerroy Tomaz, a ideia é oferecer uma maior proteção aos beneficiários. “Os contratos são considerados mais vulneráveis, já que como são poucos beneficiários, o poder de negociação que eles têm com as operadoras é muito limitado. Além disso, como são poucos beneficiários dentro do plano, as operadoras acabam repassando os custos, as variações dos custos de forma mais intensa, porque o risco não fica tão diluído”.

Dessa forma, a proposta de expandir esse agrupamento para contratos com até 99 vidas, pode diminuir os impactos dos aumentos, conforme o especialista.

“O risco seria diluído em uma base maior de beneficiários. A tendência, com isso, é evitar que os reajustes desproporcionais ocorram quando um contrato pequeno sofre com alta sinistralidade. No entanto, para essa medida ter sucesso, o processo vai depender muito de como ela vai ser implementada através da fórmula de cálculo, para fazer os reajustes. Se for bem estruturada essa fórmula, ela pode equilibrar o risco, sem onerar demasiadamente as operadoras”, pontuou.

Já a advogada Raquel Dortas ressaltou que falta ao PL explicitar melhor a forma como as medidas serão colocadas em prática. Segundo ela, ainda está sendo avaliada a possibilidade de implemento de um pool de risco nos contratos coletivos que possuem menos de 29 vidas, com vistas a proteger os beneficiários na ocorrência de alta sinistralidade.

“A ANS propôs, nesse contexto, que, para todas as operadoras com planos que incluem contratos de até 29 vidas, o reajuste deve ser uniforme para todos os beneficiários. Essa é uma ideia que precisa ser amadurecida, para que possamos mensurar, por exemplo, se será promissor o resultado de sua implementação, ainda que abstratamente. O fato é que o desafio é muito maior, pois envolve uma visão estrutural de como o sistema de saúde como um todo funciona”, alertou.

Pontos positivos

A especialista também listou os pontos positivos da proposta, e enfatizou que apesar das inconsistências do texto, o mérito do PL dos planos de saúde será o de diminuir a judicialização entre os usuários e seus planos privados. “O PL traz importantes contribuições ao reforçar uma atuação mais efetiva da ANS, visando coibir a prática de reajustes exorbitantes”, afirmou Dortas.

O advogado Lerroy Tomaz, por sua vez, apontou a ampliação da regulamentação dos contratos coletivos para 99 vidas, bem como a ideia de proibir a rescisão unilateral de contratos que estejam com os pagamentos em dia, como pontos positivos.

“Outro ponto positivo é o aumento da transparência nos reajustes. É algo que se pretende implementar através dessa proposta, com mais transparência nos critérios, nas fórmulas utilizadas nos cálculos. Isso vai garantir que os consumidores tenham mais clareza sobre como se darão os aumentos e permite, consequentemente, uma maior fiscalização e, eventualmente, quando for o caso, a contestação de eventuais ilegalidades, arbitrariedades”, disse.

Pontos negativos

Entre os pontos negativos do PL, o advogado afirmou que pode haver resistência das operadoras para adaptação às novas regras, com o aumento dos custos operacionais e, possivelmente, com o repasse deles aos consumidores.

“Outra coisa que é importante também é garantir que essas novas normas não reduzam as opções do plano de saúde disponíveis, porque isso sim seria um grande retrocesso. Se houver uma redução da competitividade no setor, diminuindo as opções disponíveis para a contratação pelos consumidores, isso seria um grande prejuízo. Principalmente para os grupos menores, que têm mais dificuldades, que têm menos poder de barganha. Então, se essas mudanças engessarem o mercado a tal ponto que haja uma redução de opções de prestadoras, pode ser um dos grandes pontos negativos”, alertou.

Na avaliação do especialista, o grande desafio será promover um equilíbrio e proteção dos consumidores, em meio à sustentabilidade do setor. “Então, esse equilíbrio, essa linha tênue que a gente tem entre dois interesses, que são antagônicos entre si, é o desafio. Não sei se a proposta vai conseguir superá-lo”, completou.

A advogada Raquel Dortas enfatizou ser “urgente”, que a ANS reveja a “possibilidade de cancelamento unilateral” dos planos de saúde coletivo sem justificativa. “O cancelamento unilateral dos contratos, pelas empresas, foi outro tema sensível ao Projeto de Lei. Mas o que falta no PL, como dito anteriormente, é explicitar melhor a forma como essas medidas serão colocadas em prática, e esse seria o ponto negativo a ser destacado, especialmente tendo em vista que a saúde é meio para a garantia do direito à vida e para a efetivação do respeito à dignidade humana”, enfatizou.

Como tornar as contratações mais ‘justas e transparentes’?

Questionada sobre o que precisaria ser feito para tornar a contratação de planos de saúde mais transparente e justa para os consumidores, a especialista defendeu ser necessária uma atuação mais efetiva da agência reguladora, visando educar a população, de um lado, além de coibir a prática de reajustes desproporcionais.

“Avaliando mais de perto e de forma mais incisiva as razões que deram causa aos reajustes aplicados nos contratos coletivos, e desestimular, senão proibir, o cancelamento unilateral sem justificativa pelas operadoras. Pensando em maior justiça ao consumidor, deveria ser conferido a ele a oportunidade de insurgir-se contra cláusulas que o desfavoreçam no momento da contratação, prevendo, por exemplo, quais doenças poderão ser cobertas pelo plano de saúde”, listou.

Lerroy Tomaz, por sua vez, apontou que o “simples e efetivo cumprimento” dos preceitos presentes no Código de Defesa do Consumidor seria suficiente para aumentar a transparência e reduzir a abusividade dos planos.

“Se a gente tivesse uma linguagem mais simples, sem termos tão técnicos, isso já facilitaria bastante. Se nós tivéssemos mais previsibilidade das regras, dos reajustes, com a divulgação antecipada, do índice, dos critérios, isso também seria muito importante. E tudo isso está em linha com aquilo que o Código de Defesa do Consumidor já prevê, com os princípios básicos que estão lá previstos”, justificou.

Outra alternativa necessária, ainda segundo o especialista, seria a existência de um estímulo maior à comparação entre os planos. “Isso facilitaria bastante o processo decisório do consumidor na hora de contratar. Se ele tivesse mais meios, até tem umas ferramentas que permitem isso, mas se isso fosse mais estimulado, mais fomentado, a comparação entre os planos, para que eles pudessem fazer escolhas mais conscientes, isso também seria bacana, seria muito interessante”.

Por fim, Tomaz ressaltou a importância do aumento da fiscalização por parte da ANS, com uma punição maior aos eventuais abusos. “Inclusive, utilizando para isso meios alternativos de resolução de conflitos, como, por exemplo, mediação, conciliação. Então, esses meios alternativos, ou meios adequados de resolução de controvérsias, se eles fossem estimulados, a gente teria consequentemente uma redução do número de conflitos, dessa litigiosidade que é um grande problema, porque encarece bastante o sistema”, avaliou.

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