Janeiro Branco: saúde mental da população em situação de rua preocupa
Falta de acesso a atendimento psicológico e apoio social agravam o quadro
Na vastidão das ruas da cidade, há um contingente invisível, marcado pela ausência de um teto, mas sobretudo, pela falta de cuidado com a saúde mental. Neste Janeiro Branco, campanha dedicada à conscientização sobre a importância do equilíbrio emocional, o foco se volta para os desafios da população em situação de rua, um segmento da sociedade que enfrenta uma realidade silenciosa e devastadora: a epidemia de transtornos mentais.
O número de pessoas vivendo em situação de rua em todo o Brasil aumentou aproximadamente 25% em 2024, segundo o levantamento mais recente do Observatório Brasileiro de Políticas Públicas com a População em Situação de Rua, da Universidade Federal de Minas Gerais (OBPopRua/POLOS-UFMG). O número apurado em dezembro (327.925) é 14 vezes superior ao registrado 11 anos atrás, quando havia 22.922 pessoas vivendo nas ruas no país.
Em 2023, o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) realizou levantamento em que são contabilizadas 7.852 pessoas em situação de rua em Salvador. Deste total, 87,49% são homens e estão na faixa etária de 40 a 49 anos.
Entre pardos (50,64%) e pretos (17,82%), cerca de 68,26% dessa população é negra. Com relação às pessoas com deficiência, elas são 13,91% do contingente total da população de rua.
Janeiro Branco: pobreza x saúde mental
Apresentado em outubro do ano passado à Assembleia Geral da ONU pelo relator especial, o belga Olivier De Schutter, o relatório ‘Economia do Burnout: Pobreza e Saúde Mental’ ressalta que os transtornos mentais gerados pela pobreza constituem um obstáculo para sair dela.
“As pessoas com rendas mais baixas têm até três vezes mais probabilidades de sofrer de depressão, ansiedade e outras doenças mentais comuns do que aquelas com rendas mais altas”.
Em geral, cerca de 11% da população mundial sofre com algum transtorno mental. As causas dessa crescente incidência de problemas psicológicos são multifacetadas. O relatório aponta que o cenário está relacionado à obsessão pelo crescimento da economia e busca de riqueza, levando as pessoas a se submeterem a jornadas exaustivas de trabalho e condições laborais precárias.
O relator especial da Organização das Nações Unidas e autor do relatório, Olivier De Schutter, resumiu o quadro:
“Quanto mais desigual é uma sociedade, mais as pessoas da classe média temem cair na pobreza e com isso desenvolvem quadros de estresse, depressão e ansiedade”.
Janeiro Branco debate condições de vida e saúde mental
Os transtornos mais comuns observados na população em situação de rua incluem depressão, transtorno de ansiedade, esquizofrenia, transtornos por uso de substâncias e transtorno de estresse pós-traumático (TEPT), segundo a psiquiatra Michele Teles, especialista no atendimento relacionado a álcool e drogas.
Em entrevista ao Portal M!, ela explica que a prevalência está relacionada tanto a fatores genéticos quanto às condições extremas e estressantes em que essas pessoas vivem. Ela analisa como as condições de vida na rua influenciam o surgimento ou agravamento de transtornos mentais.
“A exposição contínua à violência, à insegurança alimentar, à falta de higiene e ao preconceito contribuem para o agravamento de condições preexistentes e para o surgimento de novos transtornos. O isolamento social e a falta de suporte emocional tornam o enfrentamento dessas dificuldades ainda mais desafiador”.
Apesar da gravidade e dos números alarmantes, o acesso aos serviços de saúde mental é insuficiente para atender essa população. “Embora existam iniciativas como os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) e programas de assistência social, a infraestrutura e os recursos disponíveis ainda estão aquém da demanda. Muitas vezes, faltam estratégias eficazes para alcançar essa população de forma ativa”, analisa.
Michele observa que as principais barreiras no tratamento psiquiatrico desta população incluem a falta de documentos, a desconfiança em relação às instituições, a dificuldade de adesão ao tratamento devido à vida nômade e a escassez de equipes multidisciplinares capacitadas para trabalhar com essa população, além do estigma.
Prevenção e ações integradas
Apesar de tudo, é possível prevenir a situação com ações integradas, como programas de assistência social eficazes, além de suporte psicológico e psiquiátrico. “Intervenções comunitárias que promovam acolhimento e inclusão também são fundamentais”, frisa Michele.
Neste sentido, ela aponta que a campanha Janeiro Branco pode chamar a atenção às necessidades desta população, quase sempre invisível.
“O Janeiro Branco pode atuar promovendo campanhas de conscientização sobre a saúde mental da população em situação de rua, mobilizando a sociedade para o voluntariado, pressionando gestores públicos por políticas mais inclusivas e promovendo diálogos intersetoriais que integrem saúde, assistência social e educação”.
O que é o Janeiro Branco?
No primeiro mês do ano, que simboliza recomeço e induz as pessoas a pensarem em suas vidas e relações sociais, em suas condições de existência, emoções e sentidos existenciais, é realizada a campanha Janeiro Branco.
O objetivo da ação é chamar a atenção da humanidade para as questões e necessidades relacionadas à saúde mental e emocional das pessoas.
Reintegração social da população em situação de rua
A psicologia pode atuar no processo de reintegração social de pessoas em situação de rua oferecendo suporte terapêutico para lidar com traumas passados, melhorar a autoestima, e desenvolver habilidades sociais e profissionais.
Ao Portal M!, Fabiano de Abreu Agrela, pós-doutor e PhD em Neurociências, explica que a neurobiologia destaca a importância de intervenções que promovam a neuroplasticidade.
“A terapia ocupacional pode ajudar na reabilitação cognitiva e emocional, facilitando a transição de volta à vida social e produtiva”.
Fabiano alerta que intervenções psicológicas para pessoas em situação de rua devem ser altamente flexíveis e móveis.
“Isso significa levar a terapia até onde essas pessoas estão, utilizando abordagens como a Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) adaptada para contextos de rua, que pode ser breve e focada em problemas imediatos como ansiedade, depressão, e estratégias de sobrevivência”.
Ele cita técnicas terapêuticas eficazes no tratamento desta população. “Técnicas como a TCC [Terapia Cognitivo Comportamental], devido à sua estrutura e foco em mudanças rápidas de comportamento e pensamento, podem ser eficazes. Além disso, a Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT) pode ajudar no manejo do sofrimento psicológico ao promover a aceitação dos pensamentos e emoções negativos, o que é crucial para pessoas que enfrentam traumas contínuos”.
Ele pontua que a neurobiologia sugere que abordagens baseadas em mindfulness podem ajudar a regular o sistema nervoso autônomo, reduzindo a resposta ao estresse.
Já o trauma vivido antes e durante a situação de rua pode resultar em alterações no funcionamento do eixo hipotalâmico-pituitário-adrenal (HPA), levando a uma hiperatividade do sistema de resposta ao estresse.
“Isso pode manifestar-se como hipervigilância, reações de luta ou fuga, ou dissociação. A neurobiologia indica que traumas repetidos podem alterar a estrutura e função do cérebro, particularmente no hipocampo, amígdala e córtex pré-frontal, afetando memória, emoção e controle executivo”.
Em caso de resistência ao tratamento, é preciso paciência e construção de confiança. “A neurobiologia sugere que a oxitocina, o hormônio da confiança, pode ser influenciada por interações positivas e consistentes. Iniciar com suporte prático, como oferecer comida ou abrigo, pode diminuir a resistência, seguido por intervenções psicológicas que respeitem o ritmo do indivíduo, utilizando técnicas de motivação para a mudança que respeitem a autonomia do paciente”, explica Agrela.
Janeiro Branco: atendimento psicológico gratuito em Salvador
Este mês de janeiro marca ainda a retomada dos atendimentos gratuitos do projeto Curare, iniciativa da Guarda Civil Municipal (GCM) de Salvador. A ação, que oferece consultas psicológicas gratuitas, tem como objetivo auxiliar pessoas com dificuldades emocionais, especialmente aquelas sem recursos para pagar por um atendimento profissional.
James Azevedo, coordenador de Ações de Prevenção à Violência da GCM, explica que o projeto visa apoiar a população carente, oferecendo consultas gratuitas com psicólogos voluntários.
“Nós temos psicólogos e assistentes sociais que nos ajudaram a ter esse trabalho de forma a garantir a saúde mental das pessoas que estão precisando de algum apoio psicológico e não possuíam nenhuma condição de pagar. A gente costuma dizer que o Projeto Curare visa acolher de forma imediata a pessoa que precisa de ajuda. A gente veio acolhendo mais pessoas após a pandemia e trabalhando a saúde mental de uma galera que está precisando de apoio, mas por falta de dinheiro e até por não aguentar esperar os órgãos da saúde, nos procuram para ter os primeiros acolhimentos”, conta James ao Portal M!.
Ele frisa que, em alguns momentos, apesar da vontade de atender a todos no mesmo dia, às vezes é necessário fazer acolhimento e organizar o retorno em outro momento.
“Geralmente, a gente tem a vulnerabilidade como o nosso foco maior, dar prioridade para as pessoas que têm um poder aquisitivo baixo, que não têm condições de pagar. E a nossa maior dificuldade é quando a gente tem uma demanda maior e não tem a quantidade de psicólogos para atender naquele dia. A nossa vontade é atender todas as pessoas que nos procurassem no mesmo dia. Mas, infelizmente, não conseguimos”.
James pontua que, apesar de não ser atribuição principal da Guarda Municipal, o artigo 3º da Lei nº 13.022, de 2014, o Estatuto Geral das Guardas Municipais, aborda que um dos princípios da GCM é trabalhar com a redução do sofrimento e preservação da vida. Este é um atendimento inicial para que para que as pessoas consigam ter os primeiros alentos.
“Como muitas pessoas têm reações suicidas, têm sofrimento por causa de transtornos, ansiedade, a gente faz o acolhimento ali para poder trabalhar a saúde mental. Mas a maior dificuldade da gente é o espaço, que às vezes não comporta. Quando chove, como o nosso atendimento é externo, a gente não consegue produzir o tanto que a gente queria, porque, embora nós tenhamos alguns sombreiros, não comporta todas as duplas, paciente e psicólogo”.
O público atendido pelo Curare é, em sua maioria, composto por pessoas de baixa renda, desempregadas ou vítimas de violência, refletindo as condições socioeconômicas de grande parte da população carente de Salvador.
Azevedo detalhou que as condições adversas em que essas pessoas vivem têm um impacto direto na saúde mental.
“Quando você se vê numa situação de vulnerabilidade, sem comida, sem emprego, sem ter uma possibilidade de alimentação futura, até mesmo de estar com a vida financeira saudável, organizada, você fica numa preocupação que leva a alguns transtornos. De fato, quando você fica pensando muito nessa questão financeira, a sua saúde mental também se abala e isso, obviamente, leva a alguns transtornos. A Guarda Municipal, pensando nessa vontade de ajudar a população carente, vem trazer esse alento”.
Atendimentos por ordem de chegada
Neste Janeiro Branco, a Guarda Civil Municipal retoma os atendimentos psicológicos gratuitos do projeto Curare, disponibilizados todos os sábados para a população de Salvador. Ponto de apoio para pessoas com algum tipo de dificuldade emocional, a iniciativa será reiniciada neste sábado (11), na Lagoa dos Pássaros, na Primeira Travessa Arnaldo Lopes da Silva, 108, no Stiep.
O atendimento ocorre por ordem de chegada, das 8h às 12h. Qualquer pessoa que necessite de alguma atenção psicossocial pode se dirigir ao local e procurar a assistente social ou algum atendente do projeto. Inicialmente, é realizada uma triagem e, em seguida, o remanejamento para o psicólogo.
Como são as consultas
As consultas são individuais, com um psicólogo por paciente, e duração média de 40 minutos. O acompanhamento leva, no mínimo, três meses, e depende do transtorno e necessidade de cada paciente.
Vigente desde o período da pandemia por Covid-19, o projeto conta com uma assistente social e cerca de 20 psicólogos, incluindo profissionais já formados e estudantes que estão concluindo a graduação em Psicologia. Os profissionais atuam de maneira voluntária, sob a supervisão de um guarda municipal, que também é psicólogo.
Ao longo do ano passado, cerca de 300 pessoas foram atendidas pelo Curare, que tem uma média de 30 atendimentos por manhã.
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