Tratamentos de saúde mental aumentam reembolsos de planos
Empresas do setor relatam que despesas já superam gastos com oncologia
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) isentou, nesta semana, os planos de saúde de cobrir sessões de psicopedagogia para pessoas com transtorno do espectro autista (TEA) aplicadas em escolas e em casa. Ao mesmo tempo, reiterou a obrigação da cobertura a tratamentos multidisciplinares, como musicoterapia e equoterapia, evidenciando uma das mais difíceis mudanças estruturais já vividas pela área.
Se por um lado as famílias sofrem ao receber o diagnóstico e tentam melhorar a qualidade de vida dos pacientes com as terapias existentes, de outro os planos de saúde têm recebido demanda inédita por reembolsos, o que fragiliza ainda mais a já desafiadora sustentabilidade financeira das empresas, segundo especialistas. Empresas da área já relataram que as despesas com tratamentos ligados a condições de saúde mental superam os gastos com oncologia, em termos porcentuais em relação aos sinistros. Apesar de os tratamentos para câncer serem muito mais caros pela tecnologia envolvida, o volume de pedidos de reembolsos para terapias mentais explodiu e criou a distorção.
“Já recebi na WTW contas de terapias para serem reembolsadas que superavam o R$ 1 milhão”, diz Walderez Fogarolli, diretora gestão da saúde na Willis Towers Watson, consultoria que ajuda empresas a gerenciar as despesas de saúde de seus funcionários. “Foram tratamentos individualizados com vários profissionais, como fono, psicólogos, psiquiatras, psicopedagogos, psicomotricistas, entre outras terapias, ao longo do ano.”
Até mesmo acompanhantes em creches e escolas são lançados para reembolso dos planos de saúde, segundo os entrevistados. Vários movimentos simultâneos levaram a esse cenário. Em 2021, a ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar, que regula o setor) tirou o limite de sessões a serem reembolsadas pelos planos para esse tipo de tratamento. Ao mesmo tempo, o diagnóstico foi aprimorado, com a ampliação do escopo de comportamentos que podem ser considerados pertencentes ao espectro do autismo, bem como do TDAH (transtorno de déficit de atenção e hiperatividade) Outras condições de saúde mental, como depressão, ansiedade, burnout, com afastamentos previdenciários inclusive, cresceram após a pandemia.
Espectro autista
Segundo o Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos, em 2000, uma em cada 150 crianças tinha diagnóstico de TEA. Em 2020, último ano com dados disponíveis, era uma em cada 36. No Brasil, o último censo escolar, de 2021, registrou crescimento de 280% nos estudantes matriculados com TEA. O porcentual pode representar maior inclusão, mas também o crescimento do diagnóstico.
Luís Fernando Joaquim, sócio da área de saúde na Deloitte, diz que, se antigamente essa condição era subdiagnosticada, com crianças sendo consideradas preguiçosas, lentas ou “atrasadas”, hoje a situação pode estar se invertendo com sobrediagnósticos. “Tem crianças que custam R$ 30 mil, R$ 40 mil por mês, com 40 horas de suporte semanais”, diz ele. “É como se fosse uma escola só de terapias.”
Segundo ele, esse quadro foi um dos motivos que ajudou na situação de dificuldade atual dos planos de saúde. Também contribuíram o crescimento de sequelamentos de covid-19, bem como doenças que se agravaram pelo não tratamento durante a pandemia e entrada de 4 milhões de novos pacientes no sistema. “Quando a pessoa passa a ter plano, ela chega com uma demanda reprimida enorme”, diz ele.
Números
Isso fez com que, nos últimos 3 anos, os planos de saúde tivessem déficits operacionais, segundo a ANS. O último trimestre com dados positivos foi entre outubro e dezembro de 2021, quando as operadoras de saúde e odontológicas tiveram lucro de R$ 616 milhões. De lá para cá, foram ladeira abaixo. No terceiro trimestre de 2022, as perdas somavam R$ 11 bilhões, sendo repetidas consecutivamente, em valores menores, porém sempre bilionários. No primeiro trimestre deste ano, o resultado operacional ficou negativo em R$ 1,1 bilhão.
Para os especialistas, haverá ajustes. “Não existe sistema sem limites e não se pode deixar a regulação para o judiciário, que vai decidir sempre em favor da pessoa física que está à sua frente”, afirma Walter Cintra Ferreira, médico sanitarista e professor de gestão em saúde da FGV. “A sociedade brasileira, de maneira quase infantil, evita a decisão sobre o que vai ser pago e quem ficará sem benefício, em prol de toda a sociedade.” Por outro lado, diz ele, a saúde não pode ser apenas regulada pelo livre mercado, mas, uma vez estabelecidas, as regras precisam ser perenes.
“Os EUA viveram o mesmo movimento e estabeleceram diretrizes para o tratamento de TEA, com a limitação do número de consultas”, afirma Walderez. “Ninguém quer cercear tratamentos, mas é preciso estabelecer regras para que as condições deixem de ser insustentáveis para os planos e para as próprias empresas, que terão de arcar com os custos maiores nos reajustes.” Segundo ela, isso tem levado a maioria das corporações a rebaixar o nível dos contratos na renovação com os planos de saúde.
Desde outubro, a ANS tem uma consulta pública aberta para coleta de informações que ajudarão no estabelecimento dessa política pública. Além disso, os planos têm tomado suas próprias medidas de contenção. Segundo Bruno Porto, sócio da consultoria e auditoria PwC Brasil, entre as medidas estão a oferta de profissionais qualificados pelos planos, bem como a internalização desses procedimentos dentro de sua própria rede.
“Além do custo, o objetivo é ter melhor desfecho para o tratamento”, diz ele. Por trás, há o conceito de saúde baseada em valor, que procura dar atendimento aos problemas no início, quando os tratamentos são mais baratos. “O cuidado com saúde mental hoje pode evitar um grande sinistro mais à frente”, afirma Porto. “Saúde é um negócio de margens apertadas e precisa ter desfechos positivos com o menor custo possível.”
Outro problema, diz ele, está no que chama de “desalinhamento de expectativas”. Porto conheceu recentemente os sistemas de saúde de China, Dinamarca e Inglaterra de perto e diz que, mesmo de alta qualidade e universal à população daqueles países, são mais espartanos do que o atendimento dos planos de saúde brasileiros
Como os planos são pagos (mesmo que pela empresa), o usuário brasileiro tem a perspectiva de que precisa desfrutar ao máximo dos serviços para compensar os gastos. “Cada ator precisa refletir sobre suas responsabilidades para a melhoria de saúde e a sustentabilidade de todos”, afirma.
Leia também:
Promédica é acionada pelo MP-BA por negar tratamento a crianças autistas
Festejos juninos aumentam preocupação com doenças alérgicas e respiratórias
Bahia amplia faixa etária de vacinação contra dengue
Mais Lidas
Brasil recupera status de país livre do sarampo após cinco anos
Saúde
Bahia registra primeira morte por coqueluche em 5 anos
Combate ao Aedes aegypti é reforçado na Bahia até esta sexta-feira
Semana Brasileira do Aparelho Digestivo começa nesta quinta-feira em Salvador
OMS diz que vacinas contra o sarampo salvam cinco vidas por segundo
Casos de mpox no Brasil somam 1.578 em 2024, com maioria no Sudeste
Casos notificados de coqueluche cresce em 2024 e atinge maior número em 10 anos
Novembrinho Azul alerta para cuidados essenciais com crianças e adolescentes
Médico baiano é reeleito presidente da Sociedade Brasileira de Nefrologia
Grupo de empresários da saúde participa de summit em Lisboa
Últimas Notícias
Mauro Cid mantém benefícios da delação após esclarecer contradições à PF
Luiz Caetano aponta atraso na transição de governo em Camaçari e diz que Elinaldo ainda não instalou Comissão de transmissão
Petista revelou já ter entregado os nomes que compõem a comissão de transmissão há cerca de 15 dias
Secretário-geral do PL diz que indiciamento de Bolsonaro é ‘incessante perseguição política’
Indiciamento foi motivado pela participação nos atos antidemocráticos
Bolsonaro critica indiciamento e dispara contra Alexandre de Moraes: ‘Faz tudo o que não diz a lei’
Em publicação no 'X', ex-presidente afirmou que aguardará seu advogado para avaliar o indiciamento
Médico acusado de injúria racial é encontrado morto em sua residência na Bahia
Departamento de Polícia Técnica investiga circunstâncias da morte em Itabuna
Festival Ubaque estreia em Salvador com programação gratuita
Festival contará com atrações como ÀTTØØXXÁ, Nêssa e DJ Pureza em dois dias de programação
Participação de Ivete Sangalo no Carnaval de Salvador em 2025 segue indefinida
Até o momento, não há a confirmação sobre participação de Ivete no tradicional Bloco Coruja, na pipoca ou em outros blocos
Barroso critica excesso de judicialização e diz que situação é característica do Brasil
Segundo o presidente do STF, país conta com mais de 80 milhões de processos em curso
Lula comenta plano de golpe e tentativa de envenenamento revelados pela PF e ironiza: ‘Não deu certo, nós estamos aqui’
Além do petista, o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) e o ministro do STF, Alexandre de Moraes, também eram alvos do planos
Bolsonaro, Braga Netto e mais 35 são indiciados pela Polícia Federal por tentativa de golpe
Investigação revelou que os suspeitos se organizaram em grupos com tarefas específicas
PSOL lança nova corrente política em seminário no Pelourinho
Evento reúne lideranças, filiados e simpatizantes na Sociedade Protetora dos Desvalidos