Rompimento unilateral de contratos de planos de saúde: a prática é abusiva?

A advogada Raquel Dortas, integrante da Comissão de Compliance OAB-BA, falou ao Podcast do Portal M! sobre os direitos dos consumidores

Por Bruna Ferraz
23/09/2023 às 08h00
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Foto: Arquivo pessoal
Foto: Arquivo pessoal

Os planos de saúde sempre foram considerados fundamentais por parte da população com poder aquisitivo suficiente para bancá-los. Preocupados com a lentidão de acesso aos serviços do Sistema Único de Saúde (SUS), bem como com os altos preços dos atendimentos particulares, muitos brasileiros preferem investir em convênios médicos. Contudo, a segurança desejada já não é mais encontrada por boa parte dos contratantes.  

A mais recente conduta das operadoras, que se tornou recorrente e vem sendo muito questionada nos últimos tempos, é o cancelamento unilateral de contratos. Muitos advogados defendem que a prática é totalmente abusiva e que os planos de saúde só podem rescindir contratos por inadimplência ou fraude. Contudo, o que diz a lei e a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), que regulamenta o setor?

Durante participação no Podcast do Portal M!, a advogada Raquel Dortas, sócia da Oliveira Santos e Vieira Advogados e Consultores Associados, falou sobre o assunto. Ela é especialista em Proteção de Dados Pessoais (LGPD) e Direito Digital, pós-graduada em Direito Processual Civil e em Direito Empresarial e Advocacia Empresarial. Além disso, integra a Comissão da Mulher Advogada desde 2017 e a Comissão de Compliance da Ordem dos Advogados do Brasil-Secção Bahia (OAB-BA) desde 2022.

De acordo com Raquel, a Lei 9.656/1998 veda expressamente a suspensão ou rescisão unilateral do contrato durante a ocorrência de internação do titular. Desta forma, de acordo com a lei, a operadora não pode suspender ou reincidir unilateralmente o contrato, apenas em casos de fraude ou não-pagamento da mensalidade por um período superior a 60 dias, consecutivos ou não, nos últimos 12 meses de vigência do contrato. Além disso, o consumidor deve ser notificado antes da  suspensão.

"Os tribunais superiores, inclusive, o STJ [Superior Tribunal de Justiça], têm se posicionado no sentido de que as operadoras de saúde não podem cancelar planos de saúde empresariais com menos de 30 vidas sem motivo idôneo. É possível buscar medidas judiciais para a reativação do plano", explicou.  

De acordo com reportagem publicada pelo Estadão, em 1º de setembro deste ano, existem três tipos de planos ofertados pelo mercado de saúde suplementar: os individuais ou familiares, que são contratados por pessoas físicas e seu núcleo familiar; os coletivos por adesão, que são contratados por pessoas jurídicas, conselhos, sindicatos e associações profissionais sem intervenção de um empregador; e os planos coletivos empresariais, que geralmente são feitos por empresas que fornecem o benefício aos funcionários.

A política de cancelamento desses planos depende do modelo escolhido. Os planos individuais/familiares só podem ser cancelados pela operadora se houver fraude ou inadimplência. No caso das outras modalidades, a ANS permite o cancelamento por parte dos planos por qualquer motivo, "após o prazo de vigência do contrato coletivo".

A questão, entretanto, é que são raros os casos de planos individuais/familiares no mercado. A maioria expressiva dos contratos, cerca de 82%, são de planos coletivos, empresariais ou por adesão, deixando a maioria dos contratantes mais desprotegidos quanto a reajustes e rescisões unilaterais.

O que fazer em casos de cancelamento unilateral sem justificativa?

Para a advogada Raquel Dortas, o recomendado, em casos de cancelamentos unilaterais e injustificados por parte das operadoras, é que o consumidor inicialmente busque respostas do próprio plano contratado, solicitando uma reconsideração do cancelamento.

"Há a exigência, no âmbito de uma ação judicial, da prova da tentativa frustrada de resolução administrativa. Então, para evitar o indeferimento liminar da ação, retardando a obtenção do direito, ratifico a importância da adoção de medidas administrativas voltadas a uma solução extrajudicial, como primeiro passo, que pode ser através de requerimento formal em um canal de comunicação, por e-mail ou no próprio portal da operadora, ou via notificação, para que se não proceda com o ilegal cancelamento, sob pena da adoção das medidas judiciais cabíveis", explicou a especialista.

PL para coibir práticas abusivas de planos de saúde

Atualmente, existe um Projeto de Lei (PL) que tramita no Congresso e sugere a adoção de diversas medidas de controle das operadoras pela ANS, sobretudo em relação aos reajustes e ao cancelamento unilateral. Para a advogada Raquel Dortas, a tentativa de diminuir a judicialização entre planos privados e seus usuários é louvável e, apesar de considerar que o PL possui algumas inconsistências, acredita que são contribuições importantes na busca de uma atuação mais efetiva da ANS na coibição da prática de reajustes exorbitantes.

"Este ano, por exemplo, o aumento imposto pela Sulamerica foi escancaradamente exorbitante. Fui procurada por diversos segurados, e todos com aumentos acima de 34%, já o índice autorizado pela ANS para os contratos individuais foi de 9,63% para o período de 2023/2024", detalhou a advogada.

Segundo Raquel, assim como reviu a prática de aumentos abusivos, a autarquia deve reavaliar a possibilidade de cancelamento unilateral de plano de saúde coletivo sem justificativa e o cancelamento unilateral dos contratos pelas empresas.

"Saúde é meio para a garantia do direito à vida e para a efetivação do respeito à dignidade humana. As operadoras devem estar sujeitas aos mesmos deveres do Estado, não podendo perseguir o lucro pelo lucro, de forma insensível e irresponsável. Contudo, o que falta no PL é explicitar melhor a forma como essas medidas serão colocadas em prática", apontou.

 

Confira o podcast na íntegra:

 

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