Daltonismo tributário

Por Leonardo Queiroz*
17/09/2021 às 08h00
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Foto: Acervo Pessoal
Foto: Acervo Pessoal

Denomina-se daltonismo a incapacidade de identificar algumas ou todas as cores. O referido distúrbio visual assim é nomeado em homenagem ao químico John Dalton, considerado pioneiro no estudo e diagnóstico da doença. Essa breve caracterização introdutória cumpre o fito de ilustrar a explanação a seguir, acerca dos problemas e lacunas do estudo do Direito Tributário brasileiro.

Vem se destacando, no Brasil, uma corrente de pensamento formada por importantes tributaristas, que tem denunciado o caráter regressivo da Matriz Tributária brasileira. Entende-se por uma tributação regressiva aquela que impõe uma maior carga tributária aos contribuintes com menor capacidade contributiva. Ou seja, quando os mais pobres pagam mais. Em consequência, esse modelo exerce uma menor pressão tributária frente aos que possuem mais recursos financeiros.

Outra característica da regressividade na tributação é o fato de que os recursos oriundos da arrecadação são destinados, em sua maior quantidade, à implementação de políticas públicas que beneficiam a parcela mais abastada da população. Deixando aqueles que mais precisam da presença do Estado em uma condição de extrema fragilidade. Por óbvio, a regressividade, além de ser um dificultador da mobilidade social, contribui para o incremento das desigualdades.

Em face à cobrança dos tributos, a regressividade se expressa pela opção brasileira de utilizar-se dos impostos relacionados ao consumo como maior fonte de arrecadação, sendo esta responsável por aproximadamente 70% da receita estatal. Nesse tipo de tributação, o princípio da capacidade contributiva fica secundarizado, pois, ao consumir produtos da cesta básica, por exemplo, todos pagam o mesmo valor de impostos, independentemente da condição material de cada um.

Apesar do significativo aumento das críticas à regressividade e do crescimento da sua difusão entre os estudiosos da tributação no país, existe, em paralelo, uma espécie do que convencionamos denominar de daltonismo tributário. Embora consigam enxergar que os pobres pagam mais tributos em comparação aos que compõem as classes mais abastadas, demonstram uma dificuldade, na maioria das vezes, para perceber qual a cor dessas pessoas. Há dados vastos no Brasil que atestam a cor da pele da população mais pobre: e ela é negra. Do outro lado, historicamente, é a população não negra que desfruta das melhores condições de renda e melhor acesso às políticas públicas. Em consequência disso, são os pretos e pardos que suportam a maior carga tributária e que menos usufruem das políticas públicas financiadas com os recursos arrecadados mediante a cobrança de tributos.

A dificuldade de muitos estudiosos do Direito Tributário em reconhecer a cor de quem suporta maior pressão tributária, em desproporção frontal à capacidade contributiva, é mais do que patente. A incapacidade, ora demonstrada, de distinguir as cores de quem paga mais e de quem paga menos tributos pode e deve ser motivo de análise aprofundada, em busca de desvelar as suas reais motivações. Deve-se investigar se aludida inobservância é motivada por uma simples falta de percepção ou se é mais uma forma de manifestação do racismo que atravessa as relações sociais no Brasil, a saber.

*Leonardo Queiroz é advogado

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