Halloween cresce no Brasil e sufoca tradições como o Dia do Saci

Comemoração importada se espalha em escolas e eventos, enquanto especialistas alertam sobre a desvalorização da cultura brasileira


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Iago Bacelar 26/10/2024 18:00 Cultura
Halloween cresce no Brasil e sufoca tradições como o Dia do Saci - Pixabay

A comemoração do Halloween, o conhecido Dia das Bruxas, no dia 31 de outubro, vem ganhando cada vez mais espaço entre os brasileiros, seja em escolas, condomínios ou festas de rua. No entanto, esta prática é recente e não tem raízes nacionais. Até alguns anos atrás, isso era comum apenas em escolas de inglês, que, além do idioma, ensinam aos alunos aspectos culturais dos Estados Unidos, onde a festa chegou no século XIX, levada por imigrantes irlandeses, e se popularizou.

Analisando a constituição histórica do Brasil, percebemos a influência de muitos países. Primeiramente, dos europeus, e depois, dos Estados Unidos, que exerce grande força na exportação de produtos culturais, como o Halloween.

O Portal M! entrevistou professores e educadores para avaliar o impacto social e educacional que a adoção do Halloween pode gerar nas crianças e nas escolas, sobretudo se forem deixadas de lado as próprias manifestações culturais brasileiras.

A escritora e pós-doutora em Letras, Palmira Heine, parafraseou o dramaturgo e cronista Nelson Rodrigues ao dizer que o Brasil sofre com o complexo de ‘vira-lata’, que traz a ideia de que tudo que vem de fora é melhor – e com o Halloween, diz ela, não é diferente.

“O que é visível é que o Halloween é comemorado muitas vezes da mesma forma em que a festividade é organizada nos Estados Unidos, apesar de haver já algumas adaptações, como por exemplo não há a questão das crianças saírem de porta a porta pedindo doces. No entanto, não podemos deixar de notar e de ressaltar que é uma festividade que não reflete os elementos culturais do Brasil, o que é um contrassenso, porque o Brasil é um país riquíssimo na sua cultura, no seu folclore, que teria muito a ser explorado”, explicou Palmira.

A escritora também ressalta que no mesmo dia em que é comemorado o Halloween nos Estados Unidos – 31 de outubro – é celebrado o Dia do Saci no Brasil. “O saci é uma figura que representa um dos elementos do folclore brasileiro, que traz muito bem a mistura sobre a qual se formou a identidade do povo brasileiro. Traz a figura do indígena, do negro e do europeu, traduzidas na figura do saci. E essa data foi instituída como uma forma de resposta ao Halloween, a fim de se focar no folclore, na cultura brasileira, que, como já disse anteriormente, é riquíssima”, afirma Heine.

Representação do saci / Foto: Joédson Alves/Agência Brasil

“No entanto, me parece que essa festividade tem sido sufocada pelo Halloween, que tem sido copiada, importada, muitas vezes de maneira automática, para a cultura brasileira. E isso faz com que deixemos de lado a nossa cultura, os nossos aparatos folclóricos e, muitas vezes, passemos a repetir o que vem de fora e a não valorizar o que está dentro”, conclui.

A escritora, professora aposentada e que hoje trabalha com formação de docentes da rede pública, Márcia Mendes, concorda com a afirmação de que o brasileiro enxerga o que vem de fora de maneira melhor e ressalta que grande parte disso vem do apoio da mídia e do comércio.

“Infelizmente, desde a colonização foi criada a ideia de que ‘o que vem de fora é melhor’. Essa dependência contribui para que o Halloween avance, haja vista que há apoio da mídia, bem como investimento do comércio e, por conseguinte, de boa parte das escolas, em especial, daquelas que investem na língua inglesa como sinônimo de poder. Afinal, essa comemoração faz parte do processo de globalização ‘de lá para cá’, daí a relevância de uma educação decolonial [proposta que se contrapõe ao padrão eurocêntrico]” afirma Márcia.

A professora ainda ressalta a importância do folclore nacional e pede por políticas públicas que reforcem essa cultura. “Em São Sebastião do Passé, Território de Identidade Metropolitano, há 32 anos comemoramos o Dia do Folclore [22 de agosto]. A festa faz parte do calendário municipal, e essa ação emergiu de uma escola da rede estadual de ensino e foi acolhida por toda comunidade. Exemplifiquei para dizer que é preciso ter políticas públicas para que a nossa cultura permaneça viva no corpo, na memória do povo – caso contrário, a colonização permanecerá”, conclui Márcia.

Já a educadora de ensino bilíngue, Karen Ayeska, defende que o Halloween é, para o Brasil, um evento cultural tanto quanto é para os países que o criaram. Para ela, a prática recente de comemorar o Halloween vem da crescente curiosidade nacional no ensino bilíngue.

“O Halloween é um evento cultural para nós, povos do Sul, tanto quanto para os países anglófonos que deram origem a esse movimento. Compreender a formação cultural de outras pessoas e regiões é um dos interesses do CLIL [Aprendizagem Integrada de Conteúdo e Língua Estrangeira]. O crescimento do interesse no Halloween além do ‘trick or treat’ (‘doce ou travessura’) parte desse boom que está havendo em relação ao ensino bilíngue e à necessidade de explorar a cultura para além do nosso redor”, afirma Karen.

Ela ainda reforça que o papel da escola, seja bilíngue ou não, é tratar da propagação de ambas as culturas.

“A decisão de trabalhar certas datas comemorativas diz muito mais a respeito do posicionamento sociocultural e pedagógico de uma instituição do que sobre ‘modismo’ de fato. Trabalhei nos anos anteriores em uma instituição que trazia uma semana de aulas temáticas, momentos culturais e até gincanas na época do folclore. As crianças ficavam imersas nas lendas afro-brasileiras, indígenas e até mesmo de países sul-americanos. Mostra que, caso a escola queira, há sim muito o que trabalhar sob a temática do nosso folclore. O que há, no entanto, é a falta de interesse mesclada à necessidade de estar inserida no ‘todo'”, conclui a educadora.

Origem do Halloween

A celebração do Halloween tem uma trajetória de mais de 3 mil anos, com suas origens no povo celta, que era politeísta e acreditava em diversos deuses ligados aos animais e às forças da natureza. Eles celebravam o festival de Samhain, que durava três dias e começava em 31 de outubro, marcando o fim do verão e o início do ano celta no dia 1º de novembro.

Durante esse período, os celtas acreditavam que os mortos se levantavam e tomavam os corpos dos vivos, por isso usavam fantasias e objetos sombrios para se defender dos maus espíritos.

Com o avanço da Idade Média, a Igreja condenou essas práticas e a celebração passou a ser conhecida como Dia das Bruxas. Curandeiros, que eram considerados bruxos por desafiarem os dogmas religiosos, foram perseguidos e queimados na fogueira. Para afastar o caráter pagão do festival, a Igreja alterou o calendário, transferindo o Dia de Todos os Santos para 1º de novembro, que antes era comemorado em 13 de maio.

A tradição foi levada às Américas com a colonização, especialmente por imigrantes irlandeses no século XIX, e se tornou extremamente popular nos Estados Unidos. No país, a festa é amplamente celebrada, com crianças vestindo fantasias e participando da brincadeira ‘doce ou travessura’, onde pedem doces ou ameaçam fazer travessuras na casa de quem não der. As residências são decoradas com símbolos sombrios como bruxas, caveiras, vampiros e, claro, as icônicas abóboras iluminadas.

Hoje, além de ser uma tradição forte nos Estados Unidos, o Halloween também é comemorado em diversos países, como Canadá e Reino Unido. A festa, que mantém suas raízes antigas, agora é um grande evento comercial e cultural, celebrado por milhões de pessoas em todo o mundo.

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