Especialistas apontam avanço em liberação do porte de maconha e defendem mais ações
Pretos e pobres são desproporcionalmente presos por ter pequenas quantidades

Recentemente, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu pela liberação do porte de até 40 gramas de maconha para uso pessoal, em uma medida que promete reconfigurar o cenário do combate às drogas no Brasil. Em busca de uma análise profunda da decisão, representantes da sociedade civil, especialistas e ativistas ligados ao tema foram ouvidos pelo Portal M!. Eles destacaram a importância da medida e ressaltaram o fato de que, historicamente, pretos e pobres são desproporcionalmente presos quando flagrados com pequenas quantidades de drogas.
De acordo com o historiador Dudu Ribeiro, cofundador da Iniciativa Negra por uma Nova Política sobre Drogas, os votos dos ministros mostraram que existe uma “aplicação racial” na legislação sobre entorpecentes, que é responsável por impor um “massacre à população negra”.
“Seja do ponto de vista das pessoas que são aprisionadas, mas também seus parentes, familiares e amigos, que cumprem pena junto com as pessoas que estão dentro do cárcere, e também nas altíssimas taxas de violência letal. A política de drogas esteve sempre relacionada e é parte fundamental. Talvez a questão mais relevante que fica dessa decisão é justamente que a Corte Suprema do Brasil reconheceu que a questão racial é o tema central para a análise da política de guerra das drogas”, apontou.
Já a advogada Ana Carolina Santos, que integra o Observatório de Segurança, apontou que existe um avanço na decisão do STF e lembrou que a maioria das pessoas presas hoje no Brasil por crimes relacionados à Lei de Drogas são negras e pobres, de acordo com estudos realizados pela Iniciativa Negra, Rede de Observatórios e Ipea.
“Esta também é uma pauta fundamental que os movimentos sociais têm apontado e denunciado. Então, podemos considerar, sim, como um avanço este reconhecimento, por parte do STF, do impacto da guerra às drogas sobre corpos, territórios negros e vulnerabilizados”, pontuou.
Apesar disso, a pesquisadora alertou que a decisão não é suficiente. “Ainda existem enfrentamentos que precisam ser feitos em outras instâncias, como contra a PEC 45/2023 que está tramitando na Câmara dos Deputados, que criminaliza a posse de ‘entorpecentes e similares’ independentemente da quantidade”, explicou.
Samuel Vida avalia decisão sobre maconha como avanço tímido
O advogado e professor de Direito da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Samuel Vida, ressaltou que a decisão do STF “avança timidamente” ao fixar a quantidade limite de 40g como porção que não caracterizaria tráfico. No entanto, apesar disso, Vida acredita que a decisão permite a “continuidade do exercício arbitrário” da classificação feita pelos agentes policiais, ao considerar suficiente a exclusividade de seus testemunhos como prova para o enquadramento.
“Além de admitir a flexibilização do limite quantitativo, quando outros elementos forem apontados como evidências de comércio ilegal, a exemplo de balanças, cadernos de anotações de transações etc. O STF não enfrenta adequadamente o principal problema, que diz respeito às ações policiais orientadas pelo racismo institucional, a inconsistência e insuficiência probatória da exclusiva palavra dos agentes de segurança, bem como as possibilidades de manutenção da cultura de flagrantes forjados”, observou.
O professor também citou uma “fragilidade” na decisão do STF, que, segundo ele, é evidenciada na probabilidade de “aplicação minimizada da regra jurídica pela manutenção das lógicas racistas”, ao tratarem a questão das drogas como “assunto de polícia” e não de “saúde pública”, e “na manutenção da cultura punitivista e de atuação policial preconceituosa”.
“Deste modo, ao que parece, teremos impactos pequenos na redução dos problemas criados por este modelo. Ou seja, o debate e a busca por um novo modelo de políticas para a adequada abordagem sobre as drogas nas sociedades contemporâneas, especialmente preocupado em minimizar os efeitos racistas e genocidas que o atual modelo implica, prosseguirão como desafio para toda a sociedade”, afirmou.
Usuário x traficante
A Corte fixou que deve ser de 40 gramas, ou seis plantas fêmeas de cannabis, a quantidade de maconha para caracterizar porte para uso pessoal e diferenciar usuários de traficantes. O cálculo foi feito com base nos votos dos ministros que fixaram a quantia entre 25 e 60 gramas nos votos favoráveis à descriminalização. A partir de uma média entre as sugestões, a quantidade de 40 gramas foi fixada.
A decisão também prevê a prisão por tráfico de drogas nos casos de quantidade de maconha inferiores a 40 gramas. Deverão ser considerados pelos delegados indícios de comercialização, apreensão de balança para pesar o entorpecente e registros de vendas e de contatos entre traficantes.
Ao avaliar os termos aplicados para diferenciar usuários e traficantes, Dudu Ribeiro observou que essa decisão também tem grande importância, sobretudo para tirar o Brasil, no cenário internacional, da posição de um dos únicos países da América Latina que não possuía medidas no sentido da descriminalização do porte para consumo de drogas.
“É também mobilizar, a partir dessa decisão o Supremo Tribunal Federal, o próprio Conselho Nacional de Justiça para, através de um processo de revisão criminal e de outros instrumentos jurídicos, permitir um debate nacional sobre o papel do sistema penitenciário e de como eles impactam as famílias negras, como ele impacta o orçamento público e como ele impacta a democracia. Então, eu acho que esse é um dos movimentos fundamentais para ser feito neste cenário, a partir da decisão do STF”.
Já para Ana Carolina Santos, o entendimento do STF sobre a quantidade de porte de maconha para consumo, traz uma “possibilidade real” de revisão criminal de processos de pessoas que estão presas e/ou condenadas por quantidades iguais ou menores a 40g.
“Porém, não podemos dizer com certeza que será aplicado na prática por todos os órgãos e instituições que estão envolvidas nos processos criminais, como as forças policiais e o restante do Judiciário. Não podemos perder de vista que estas instituições podem seguir julgando e realizando abordagens com base no perfilamento racial, tendo em vista que temos um sistema de Justiça criminal que é seletivo e racista, atingindo desproporcionalmente pessoas negras”, lamentou.
A reportagem entrou em contato com as forças de segurança para fazer um balanço das apreensões de pequenas quantidades de maconha na Bahia, bem como obter os números de eventuais prisões geradas nessas circunstâncias. Ao Portal M!, a Polícia Civil da Bahia afirmou não possuir um “recorte nas estatísticas”.
Já a Coordenação de Imprensa e Jornalismo da Polícia Militar da Bahia enfatizou que esclarecimentos sobre estatísticas de lavraturas de ocorrências deveriam ser verificadas com a “instituição responsável por investigações e registros de apreensões de drogas”.
A Secretaria de Segurança Pública da Bahia (SSP-BA) também foi procurada para apresentar os números solicitados, no entanto, não forneceu qualquer resposta até a publicação desta matéria.
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