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Setembro Amarelo reforça importância do autocuidado mental

Setembro Amarelo
Psicóloga avalia que campanha serve como lembrete para que pautas sejam tratadas na sociedade sem tabus

O texto a seguir aborda questões que podem ser sensíveis a alguns públicos. Se preferir, acesse outros conteúdos. Se precisar, peça ajuda!

O Brasil se mobiliza em setembro para reforçar a importância do autocuidado mental e emocional por meio da campanha Setembro Amarelo. Lançada em 2015, o objetivo é prevenir o suicídio e oferecer apoio a quem enfrenta crises emocionais.

A realização da campanha encontra justificativa em dados, como os contabilizados pela Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS), do Ministério da Saúde, que apontam aumento de 43% na taxa de suicídio no país na última década. Entre os adolescentes, o aumento foi de 81%, indo de 3,5 suicídios por 100 mil adolescentes para 6,4.

Nos casos em menores de 14 anos, houve um aumento de 113% na taxa de mortalidade por suicídios de 2010 a 2013, fazendo do suicídio a quarta causa de morte entre jovens de 15 a 29 anos.

Pauta precisa ser tratada sem tabus

A psicóloga especializada em Psicologia Cognitivo-​Comportamental e Análise do Comportamento Aplicada, Emmanuelle Sousa, explicou em entrevista ao Portal M! que a campanha serve como um lembrete de que essas pautas precisam ser tratadas na sociedade sem tabus e com responsabilidade. “Muitas pessoas tomam a iniciativa de buscar ajuda profissional, uma vez que os assuntos associados à saúde emocional está em maior evidência nesse período, especialmente nas redes sociais”.

Emmanuelle pontua ainda que o excesso de informação, cultura da alta performance e contexto social são os maiores desafios enfrentados pelas pessoas ao tentarem implementar práticas de autocuidado na vida moderna. “Temos convivido com excesso de informações e telas e isso nos distância ainda mais de nós mesmos, das nossas emoções e necessidades. Estamos sendo engolidos pela ideia de que precisamos estar no topo sempre e isso implica em sobrecarregar-se o quanto for necessário para manter essa posição”, ressaltou.

Na psicologia, os fatores de risco são fatores ambientais que contribuem para o adoecimento psíquico. O racismo é um grande fator de risco, pois contribui para a formação de crenças distorcidas e disfuncionais sobre si mesmo, o mundo e o futuro. Cabe ao profissional que atende a essa população ter conhecimento a respeito do assunto e sabedoria no acolhimento de demandas relacionadas de modo ético e científico.

“Como cidadãos é importante que estejamos atentos as políticas públicas voltadas para a população negra como a Política Nacional de Saúde da População Negra e que sejamos capazes de cobrar que as propostas e compromissos estabelecidos sejam cumpridos integralmente”, afirmou Emmanuele, que lembra que auto cuidado deve ser priorizado sempre e fazer parte da rotina.

“Eu costumo orientar meus pacientes a estabelecerem compromissos diariamente consigo mesmos com ênfase no seu cuidado pessoal. Existem alguns sintomas que indicam a necessidade de apoio profissional, tais como alterações abruptas de humor, desesperança, fadiga em excesso, irritabilidade, problemas de relacionamento, dificuldade em executar tarefas simples do dia a dia, crises de ansiedade recorrentes, pensamentos muito negativos, dentre outros sintomas”, destacou ao Portal M!.

Países da Europa registraram declínio nas taxas de suicídio e observou-se um aumento dessas taxas em países do Leste Asiático, América Central e América do Sul. Embora alguns países tenham colocado a prevenção do suicídio no topo de suas agendas, muitos permanecem não comprometidos. Atualmente, apenas 38 países são conhecidos por terem uma estratégia nacional de prevenção do suicídio.

Estresse crônico e equilíbrio neuroquímico

Pós-doutor e PhD em Neurociências, Fabiano de Abreu Agrela alerta que o estresse crônico afeta profundamente o equilíbrio neuroquímico do cérebro, desregulando neurotransmissores importantes como a serotonina, que sofre redução em resposta à hiperativação da amígdala.

“Essa redução está associada ao desenvolvimento de condições como depressão e ansiedade. Além disso, o excesso de cortisol liberado em resposta ao estresse crônico também provoca uma queda nos níveis de dopamina, neurotransmissor crucial para a motivação e o prazer, o que pode resultar em apatia e perda de interesse”, disse ao Portal M!.

O estresse prolongado pode causar a liberação excessiva de glutamato, um neurotransmissor excitatório, enquanto o GABA, que inibe a hiperatividade cerebral, se torna menos eficaz. Esse desequilíbrio contribui para o aumento da ansiedade e outros transtornos mentais. A predisposição genética e a interação entre o giro cingulado, a amígdala e o córtex pré-frontal rostral são fatores críticos, pois alterações neuroquímicas e a hiperatividade de certas áreas do cérebro podem comprometer a comunicação cerebral e agravar transtornos mentais.

Fabiano ressalta que para promover uma melhor saúde mental, é essencial voltar aos fundamentos, adotando hábitos tradicionais como seguir uma dieta mediterrânea, praticar exercícios físicos, manter o sono em equilíbrio, cultivar interações sociais, ter contato com a natureza, além de ler e aprender constantemente.

“Quando a depressão já está presente e afeta significativamente a pessoa, o uso de medicamentos torna-se necessário por um período determinado, conforme a necessidade, para equilibrar os neurotransmissores. A adoção de novos hábitos também estimula a neuroplasticidade, um fator crucial para ajudar na regulação do corpo e da mente”, pontuou ao Portal M!.

O profissional explica que a neuroplasticidade é a habilidade do cérebro de se adaptar e reorganizar em resposta a novas experiências e lesões, formando novas sinapses e conexões neuronais. No contexto da depressão, a neuroplasticidade é fundamental para a recuperação, pois atividades como exercício físico, aprendizado e interação social ajudam a regular neurotransmissores e equilibrar a saúde mental. Este processo permite que o cérebro compense funções perdidas ou danificadas, reorganizando conexões e recrutando áreas intactas para novas funções. Assim, a neuroplasticidade não apenas aumenta a produção de neurotransmissores, mas otimiza a comunicação neuronal e promove a adaptação contínua do cérebro às demandas da vida.

Ele frisa que a falta de sono ou a má qualidade do sono afetam as funções cerebrais relacionadas à saúde mental, pois o sono é regulado por neurotransmissores como a serotonina, os neuropeptídios e a melatonina.

“A melatonina, por sua vez, é sintetizada a partir da serotonina na glândula pineal e liberada com o início da noite. Portanto, quando há uma disfunção na serotonina, podem surgir dificuldades no sono. Além disso, hábitos inadequados que levam a noites mal dormidas também afetam negativamente esses neurotransmissores. Como a depressão está associada à baixa serotonina, essa diminuição pode resultar em distúrbios do sono, agravando ainda mais o quadro depressivo”.

Quando procurar ajuda?

Médico psiquiatra, pesquisador no Centro de Pesquisa e Análises Heráclito (CPAH) e mestrando, Flavio Henrique Nascimento ressalta que a procura de um psiquiatra por um indivíduo com depressão indica a necessidade de intervenção além de abordagens comportamentais. “A prescrição de medicamentos que atuem na regulação dos neurotransmissores disfuncionais, causa subjacente da depressão, torna-se crucial. A avaliação do risco de suicídio, considerando fatores genéticos e outros, é fundamental para determinar a urgência e o tipo de tratamento farmacológico”, pontuou ao Portal M!.

A busca por ajuda psiquiátrica torna-se essencial quando o indivíduo se vê incapaz de agir para sair do estado depressivo, sentindo-se impotente e sem energia. Esses sinais de impotência, combinados com a sensação de estar paralisado diante da tristeza, são indícios de que a intervenção profissional é necessária.

Além disso, a preocupação de terceiros e a presença de anedonia — a incapacidade de sentir prazer em atividades que antes eram apreciadas — são alertas importantes. Estes sintomas alarmantes indicam a urgência de procurar ajuda especializada para a recuperação da saúde mental.

Flavio Henrique considera que o Setembro Amarelo serve como um alerta crucial, não apenas para a prevenção do suicídio, mas também para a autoreflexão e a observação atenta aos sinais de sofrimento em familiares e amigos. “É fundamental desmistificar a ideia de que o suicídio é uma fraqueza, pois essa visão equivocada perpetua o estigma e impede a busca por ajuda. A tentativa de compreender racionalmente o ato suicida é infrutífera, pois a racionalidade está comprometida no momento da ação. O indivíduo age impulsivamente, impulsionado por uma disfunção severa que o domina”.

Mindfulness e suas vantagens

Prática de atenção plena que envolve focar de maneira consciente e não julgadora no momento presente, o mindfulness é uma alternativa de cuidado que tem ganhado popularidade nas últimas décadas como sua abordagem eficaz para reduzir o estresse e promover o bem-estar. No Reino Unido, a prática é amplamente reconhecida e incorporada em diversos contextos, desde programas de saúde mental e escolas até ambientes corporativos e sistemas de saúde

Médico e pesquisador especialista em mindfulness, Marcelo Demarzo explicou ao Portal M! que a prática consiste em treinar o músculo da atenção e, por meio de exercícios, controlar melhor a atenção e foco.

“Pensamentos, memórias e outras distrações fazem com que, muitas vezes, estejamos realizando uma tarefa, mas pensando em outra. Por exemplo, ao ler um livro, posso me ver voltando às páginas porque não estava totalmente atento à leitura. Às vezes, conheço alguém e já esqueço o nome que a pessoa me disse. É muito comum que nossa mente esteja dispersa. Por isso, é importante treinarmos para estar mais focados, conscientes e atentos. As técnicas de mindfulness são influentes nesse aspecto. Mais do que uma terapia, é uma técnica instrumental que nos ajuda a viver de forma mais focada e atenta. Como consequência, também nos permite perceber melhor nossos pensamentos e emoções e entender como nos comportamos ao longo do tempo”.

Dermazo explica que o mindfulness tem benefícios de médio e longo prazo. “Essas técnicas, em geral, você aprende por meio de treinamentos. Esses treinamentos introdutórios duram aproximadamente dois meses. A gente fala que são treinamentos de oito sessões ao longo de uma semana, então uma vez por semana você se reúne com o instrutor de Mindfulness, aprende as técnicas e a incorporar no seu dia-a-dia”.

Aprendidas, as técnicas devem ser usadas no dia-a-dia, especialmente em situações desafiadoras. Sem contraindicações, o médico alerta que todas as pessoas podem praticar, mas há momentos melhores para iniciar o treinamento.

“A gente evita, por exemplo, que uma pessoa que seja muito depressiva, às vezes a pessoa que está com muitos sintomas, com uma crise muito aguda, é melhor que ela faça o tratamento, às vezes com medicamentos, que estabilize um pouco para que ela entre no treinamento. Então é especial para pessoas que têm um transtorno, uma doença, a gente tem que olhar com cuidado para qual é o melhor momento para começar o treinamento de mais”.

Vale pontuar que são técnicas e treinamentos que estão validados por cerca de 20 mil pesquisas. “Tem sido usada dentro de alguns sistemas de saúde ao redor do mundo. Por exemplo, no Reino Unido, esses treinamentos são ofertados gratuitamente dentro do sistema de saúde”. No Brasil, segundo Marcelo o interesse é crescente e até escolas aplicam a prática.

Alerta de gatilho

Se você estiver passando por sofrimento emocional, procure ajuda. O Centro de Valorização da Vida (CVV) está disponível em regime de plantão 24h pelo telefone 188. A ligação é gratuita e pode ser feita de qualquer linha telefônica fixa ou celular. CAPs, Unidades Básicas de Saúde (UBSs) e UPAs também podem ser procuradas.

Tânia Rêgo/Agência Brasil