Especialista explica como a sociedade pode incluir pessoas autistas

"Tem escolas particulares que estão colocando obstáculos, bloqueando, restringindo matrículas. Isso a gente precisa denunciar", disse a psicóloga Patrícia Serra ao podcast do Portal M!

Por Bruna Ferraz
13/04/2024 às 15h00
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Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

É um desejo comum entre as pessoas se sentirem incluídas socialmente nos espaços que frequentam, e o cenário não é diferente entre os que estão no Transtorno do Espectro Autista (TEA). Atualmente, cerca de 2 milhões de brasileiros fazem parte desse grupo. O número expressivo equivale a um caso confirmado a cada 110 pessoas, e a tendência é que isso aumente pois, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), uma em cada cem crianças no planeta é diagnosticada com TEA. Assim, a necessidade de inclusão dessas pessoas se faz cada vez mais urgente.

A psicóloga e equoterapeuta Patrícia Serra, especialista em análise do comportamento aplicada para autismo e deficiência intelectual, participou do podcast do Portal M! para falar sobre o Dia Mundial de Conscientização sobre o Autismo. Ela explicou que o diagnóstico para o transtorno se dá através de uma avaliação multidisciplinar e minuciosa, levando em consideração a experiência da pessoa em diferentes ambientes, como a escola, o trabalho, o contexto familiar, dentre outros, sem que haja um tempo definido para a conclusão desse parecer. "Vai depender do repertório comportamental também da pessoa", disse.

O papel da escola e da creche, tanto na descoberta desse diagnóstico quando no acolhimento de uma criança dentro do espectro autista, é considerado fundamental pela especialista, que já atuou no Centro de Referência Estadual para Pessoas com TEA e atualmente trabalha como psicóloga clínica.

"Quando a criança, nessa idade, começa a entrar em contato em um meio social maior com outras crianças, a gente começa a observar melhor esses comportamentos e os sinais. Então, a observação, o olhar do profissional que está na creche, na escola, por ele estar acostumado a lidar com o desenvolvimento infantil, o olhar dele é crucial para esse diagnóstico. É crucial que converse com a família", orienta.

Segundo o Censo Escolar 2023, divulgado em 22 de fevereiro de 2024, 636 mil alunos foram diagnosticados com autismo no Brasil. Este número não para de crescer. Em apenas um ano, o montante de matrículas de pessoas com TEA passou de 429 mil, em 2022, para 636 mil, em 2023, no País - um aumento de 48%. Mesmo os dados crescentes, boa parte das instituições de ensino ainda não está preparada para lidar com as especificidades do autismo.

"A gente está lutando bastante em relação à inclusão das pessoas autistas na escola, mas ainda existem muitas barreiras. Tem escolas particulares que estão colocando obstáculos, bloqueando, restringindo matrículas. Isso a gente precisa denunciar, não pode acontecer. É um direito, por isso que é importante [ter] esses dias de conscientização. A gente precisa falar dos direitos, e é direito do autista estar na escola. Eu acho um tema polêmico, porque eu entendo o fato da sobrecarga da escola em várias obrigações. Os professores, por exemplo, não têm um suporte financeiro e de carga horária para estar se capacitando tanto. Então, a gente precisa trabalhar que essas pessoas tenham esse apoio também para capacitação. As escolas estão buscando, mas a gente ainda tem muito o que caminhar", ponderou.

De acordo com Patrícia Serra, é preciso haver uma assistente terapêutica na escola, contudo ainda existem algumas instituições que criam obstáculos. "Às vezes, as pessoas falam: 'mas é algo novo', ou então, 'tem que dar tempo'. Não. Os autistas precisam estar no ambiente. Eles precisam de urgência. Então, a gente tem que correr logo atrás, tem que caminhar contra o tempo".

Pacto social

A inclusão, segundo destacou a psicóloga, também é um dever de toda a sociedade, que pode demonstrar empatia e oferecer o seu tempo e atenção sempre que se fizer necessário.

"Chegar junto da família e perguntar: 'Você precisa de ajuda? Eu posso te ajudar como?' Não é chegando e já dizendo o que é para fazer, reclamando ou até questionando aquela família. Mas é: 'Estou à disposição. Se precisar de algo, estou aqui'. Aí a família que vai definir se ela precisa de ajuda ou não".

Instituições envolvidas

Patrícia Serra explicou que, em certos ambientes, alguns processos de inclusão já estão sendo encaminhados, mas não de forma eficiente. Uma das medidas necessárias destacadas pela profissional é a capacitação dos profissionais, tanto do setor público quanto do privado, para receber as pessoas autistas em diferentes ambientes.

"Quando você chega na unidade de saúde, muita gente ainda não sabe o que fazer, então é importante essa capacitação [...]. Eu vejo como interessantes as salas de acomodação, por exemplo. Se alguma pessoa entrou em crise, ele pode ir para essa sala para poder se reservar, ou então,  mesmo não estando em crise, no momento de espera da ansiedade, estar naquela sala com estímulos que consigam acolher, acomodar", sugeriu.

A Hora Silenciosa, por exemplo, é uma medida que já foi adotada no Salvador Shopping. O projeto pioneiro consiste na disponibilização de ambientes com estímulos sonoros e visuais reduzidos durante a primeira hora de funcionamento do centro de compras, das 9h às 10h, sempre no último sábado de cada mês. Familiares podem utilizar o espaço para participar de encontros com interação e atividades.

Dentre as ações de inclusão que estão sendo estabelecidas no Brasil, está a Lei Romeo Mion, de 2020, que determina a criação da Carteira de Identificação da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista (Ciptea). O documento pode ser emitido gratuitamente por estados e municípios. A Ciptea é uma resposta à impossibilidade de identificar o autismo visualmente, facilitando a esses indivíduos o acesso a atendimentos prioritários e a serviços a que têm direito, como estacionar em uma vaga para pessoas com deficiência.

O auxílio financeiro também é um facilitador para aqueles com TEA. Atualmente, eles têm direito a receber um salário mínimo (R$ 1.412) por mês, por meio do Benefício de Prestação Continuada (BPC), caso seja incapaz de se manter sozinho e a renda per capita da família for inferior a um quarto do salário mínimo, ou seja, a R$ 353.

Confira o podcast na íntegra:

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