O foco na solução encurta o sofrimento emocional

O problema precisa ser identificado com clareza, e o mais rápido possível, para a busca das soluções corretas

Por Sergio Manzione*
02/01/2024 às 12h15
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Foto: Divulgação
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Vamos aprendendo, ao longo da nossa existência, com as experiências que a vida nos apresenta. Essas vivências nem sempre são agradáveis e prazerosas e, por isso, desenvolvemos mecanismos de defesa para nos proteger dos sofrimentos. Basta passar por uma única situação de sofrimento para que nosso psiquismo a registre como uma ameaça, e o alarme irá disparar cada vez que aquela situação, ou uma parecida, surgir. Essa função é para que possamos evitar o sofrimento gerado por pessoas ou situações, que não fazem bem. Funciona como um cadastro interno de problemas, mas que é de difícil atualização, pois, uma vez registrado, pode durar para sempre. Tem o óbvio lado bom da proteção, mas o registro de uma dor poderá ser prejudicial ao impedir novas experiências. Qualquer pessoa sabe que o fogo queima quando passa pela dolorosa experiência ser queimado. No entanto, o medo de se queimar novamente pode ser tão grande, que impedirá que a pessoa chegue perto de um fogão para fazer a própria comida. Com as questões emocionais pode acontecer a mesma coisa e a pessoa não querer arriscar um novo relacionamento amoroso, porque já teve um bem ruim. Se passou por uma traição, poderá, por exemplo, ter medo de sofrer com isso novamente e não entrará em novos relacionamentos ou romperá o atual, mesmo que, de fato, a outra pessoa tenha se arrependido, mudado de postura e esteja fazendo o impossível para mostrar isso. É natural, e fácil de entender, que mecanismos de proteção são necessários para evitar danos físicos ou emocionais. Assim, um problema, ou um conjunto de episódios ruins, não pode virar a referência central de sua vida impedindo-o de seguir em frente, e você poderá dar um jeito de se autossabotar em um relacionamento, por exemplo, com medo de sofrimentos futuros, que podem nunca existir. A autoproteção precisa, portanto, ser manejada com o raciocínio, senão ela sempre vai impedir você de fazer alguma coisa, que pode ser boa. 

A reação natural de proteção é instintiva e instantânea. Se você estiver sentando(a) e jogarem um inofensivo pedaço de pano em sua direção, antes de você conseguir identificar que é um pano, sua mão vai tentar afastar o objeto, ou seu corpo sairá de lado para evitar que algo o atinja. Essa reação é muito mais rápida que qualquer outra, pois a sua defesa instintiva está sempre atenta. No caso dos problemas que temos de enfrentar, a postura tem de ser diferente, pois precisamos enxergá-los com clareza para poder buscar a solução adequada. Isso vale para as questões materiais, como pagar a conta de energia elétrica, ou para tudo que envolve sentimentos e emoções. Se, diante de uma situação de sofrimento emocional, a pessoa reagir apenas de forma instintiva não haverá espaço para buscar a paz, porque faltará a compreensão ampla do que está acontecendo. Essa armadilha emocional pode ficar ativa durante anos, ou até a vida inteira, atrapalhando e protegendo a pessoa de nenhum perigo real. É o equivalente a ter medo de um leão solto na rua, mas sofrer da mesma forma se vir um leão na tela do cinema, pois o cérebro o interpretará como real. Na prática, muitas vezes sofremos por coisas que não existem e nem existirão, mas, em algum momento foram cadastradas em nosso psiquismo como reais. A primeira coisa a se fazer é distinguir o problema real do imaginário, e isso é possível através do raciocínio puro, imparcial e sem a interferência das emoções. Não é um processo fácil, mas possível de ser aprendido e pode ser chamado de desenvolvimento da inteligência emocional. A grande vantagem é que a ansiedade pode ser reduzida ao se encarar a solução, não o problema. 

Vislumbrar cenários futuros é algo interessante para ser a base de um bom planejamento ao permitir pensar em soluções para os cenários otimista, realista e pessimista. Isso nos colocará um passo à frente do problema, mas o que não pode ocorrer é a fixação no cenário pessimista, o que os mecanismos de proteção insistirão em fazer. A ansiedade tem a ver com a espera do desfecho futuro de uma situação e, para que possar manter o equilíbrio emocional, você precisa encarar a realidade e as pessoas como elas são de fato, não como você gostaria que elas fossem, ou como você crê que elas são. Uma proteção contra a ansiedade é tentar resolver os problemas à medida em que eles aparecem e, ainda, se prevenir de situações ruins, pois fazemos o seguro do automóvel não na certeza de que ele será usado, mas, caso seja necessário, ele estará lá. Não devemos viver pensando na morte, mas, se der, faça um seguro de vida para os que ficarão após a sua partida. Em resumo, muitas situações podem ser prevenidas sem impedir que se continue a viver a vida com tranquilidade. No caso de um relacionamento, é possível prevenir muita coisa ao se conhecer melhor a pessoa com quem se quer dividir a vida, antes de dividi-la de fato. Nesse caso o que pode atrapalhar é a paixão, que é pura emoção e vendará seus olhos para ver a realidade, mesmo que esteja evidente bem na sua frente. Muitas vezes a família e amigos alertam para um(a) novo(a) namorado(a) de caráter duvidoso, mas isso soa como agressivo para o apaixonado, que insistirá em dizer que todos estão errados e não conhecem o(a) tal namorado(a) como ela. Será mesmo? O mais provável é que os amigos e familiares estejam certos, pois eles, provavelmente, estão vendo com os olhos da razão. Muitos são os problemas e desafios que surgem a todo instante. Uns anunciados, outros que pegam de surpresa e desestruturam tudo o que já estava arrumado. Infelizmente, não há como se proteger de todas as possíveis ameaças, portanto, é preciso saber lidar com as surpresas identificando e isolando o problema e, ato contínuo, buscar a solução. Nem sempre é fácil, porque mesmo sabendo qual é a solução pode ser que não seja possível colocá-la em prática, seja por falta de dinheiro, por resistência de outras pessoas, seja para não consertar uma situação e criar outras piores. 

É fundamental avaliar com calma tudo que acontece em sua vida, e da dos outros também, para não concluir rapidamente sobre um assunto e tomar atitudes erradas. Tem gente que assiste a apenas um capítulo da novela, mas tem certeza de que sabe toda a história... E, como disse o filósofo Nietzsche, as convicções são as maiores inimigas da verdade. Concluir rápido demais pode levar ao erro de avaliação, pois é preciso conhecer o contexto em que as coisas acontecem ou aconteceram. Para entender uma atitude tomada no século XIX é necessário saber como era o contexto social, político, econômico, geográfico e cultural à época, senão o erro é quase certo. Certifique-se que está com a maior quantidade de dados confiáveis à disposição e, a partir daí, comece a montar o quebra-cabeça para vislumbrar com maior clareza o problema e as possíveis soluções. Pesquise em fontes confiáveis, não em qualquer site ou influenciador digital, o qual você sabe muito pouco, e que pode nem ter a formação acadêmica necessária para sustentar sua verborragia eloquente. Você acredita em tudo que circula na internet ou nos grupos dos amigos? Se sim, cuidado, pois você vai cair na armadilha dos espertalhões criadores de "fake-news", ou de ignorantes que se arvoram profundos conhecedores de todos os assuntos só para conseguir o seu o "like", e ele faturar dinheiro às custas da sua boa-fé. Isso serve para qualquer campo da vida, sejam pessoas ou instituições, que, às vezes, mesmo tendo boas intenções acabam divulgando informações falsas e sem embasamento nenhum.

A prática o levará a ter um bom domínio das situações onde você vai gerenciar suas emoções e deixar o raciocínio fazer a parte dele sem influências negativas. Assim, você vai desenvolver a sua inteligência emocional, errar menos e, consequentemente, resolver menos problemas e sofrer menos. Talvez você precise de ajuda profissional do psicólogo para descobrir como escapar das conclusões rasas e do achismo. Em qualquer situação difícil, tenha em mente que, ao não começar a procurar a solução, você se tornará um dependente emocional do problema criando, assim, um segundo problema. Não sabe como fazer? Aprenda ou procure quem sabe. Liberte-se de seus medos e proteções de pessoas e situações que nem existem ou nunca existirão.

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*Sergio Manzione é psicólogo clínico, administrador, podcaster, colunista sobre comportamento humano e psicologia no Portal Muita Informação!, e escreveu o livro "Viva Sem Ansiedade - oito caminhos para uma vida feliz". @psicomanzione

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