Especialistas explicam como o fim de ano pode despertar sentimentos de angústia e tristeza

Psicólogos dizem que objetivos não alcançados, incerteza do que está por vir e cansaço podem contribuir com o quadro

Por Bruno Brito
28/12/2023 às 19h00
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Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

No fim do ano, é comum que as pessoas tirem um tempo para pensar em tudo o que aconteceu ao longo do último  ciclo, além de fazer planos para o novo. Em função disso, a época também pode ser marcada por estresse, tristeza, angústia e até depressão. Em alguns casos, esses sentimentos afloram porque determinados objetivos não foram alcançados, enquanto outros ficam preocupados diante da incerteza do que está por vir. 

De acordo com o psicólogo Sergio Manzione, a chegada do fim do ano pode trazer reflexões sobre o que está acontecendo com a vida das pessoas, fator que pode resultar no aumento do estresse. Segundo o especialista, isso pode ocorrer ao se repensar a questão financeira ou o lado profissional. 

"[A pessoa] pode não estar contente, pode estar pretendendo saldar algumas dívidas e não ter o dinheiro, pode olhar para o lado profissional e aquilo gerar uma certa incerteza ou instabilidade do que vai acontecer no próximo ano, ou então o lado profissional está estagnado, ou até a pessoa está sem emprego, e isso vai gerar um estresse ainda maior", apontou. 

Outro aspecto importante são os problemas pessoais, que podem envolver os relacionamentos familiares ou amorosos.

"Se a pessoa está dentro de uma família tóxica ou que tem muitas desavenças e que durante todo o ano isso é complicado, no final do ano isso pode se agravar, porque existe aí uma pressão social de todos ficarem juntos, de ter um ambiente familiar mais favorável. Esse balanço que a pessoa faz naturalmente no final do ano faz com que ela vá se comparar a um ano anterior e nem sempre isso vai trazer resultados da maneira que a pessoa imaginou", pontuou.

Frustrações contribuem com sentimentos

O especialista também chamou atenção para o fato de que as frustrações podem contribuir para esses sentimentos. Conforme o psicólogo, em alguns casos é possível que a pessoa se culpe por não ter atingido as metas que tinha para o ano. 

"A gente deve fazer um planejamento baseado em expectativas, em objetivos factíveis, ou seja, coisas que a gente pode de fato atingir e cumprir, porque isso vai evitar que você tenha frustrações no ano seguinte. Essas expectativas não realizadas podem trazer uma frustração grande, e isso vai gerar uma pressão interna e vai gerar uma frustração. A pessoa vai se sentir frustrada e muitas vezes, dependendo do estado emocional em que ela se encontra, ela vai se culpar. Se culpar por não ser tão boa assim para atingir aquelas metas que ela propôs. Vai se culpar por não ser tão boa quanto as pessoas que ela vê nas redes sociais. Ela vai se sentir frustrada, inferior, incapaz de realizar certas tarefas porque acha que não tem condições. Isso são pressões internas que vão aumentando com esse final do ano", elenca.

A lembrança de natais alegres ou mesmo a falta de entes queridos nos momentos de final de ano  também são pontos que podem contribuir com o aumento do sentimento de tristeza, segundo Manzione.

"São fatores que favorecem essa tristeza. Lembrar de natais alegres e que não existem mais porque aquelas pessoas não existem mais, porque aquela situação não existe mais, pode lhe deixar triste, saudoso, de uma forma um pouco exagerada, e você entrar numa tristeza, ou até no que a gente chama de 'depressão sazonal de natal'", observou. 

O quadro pode ser agravado em casos de pessoas que já estão tristes ou com depressão. "Existem estudos que indicam que o número de suicídios cai no natal, mas sobe muito com a virada do ano e nos dias que são anteriores e próximos. Isso se dá também pelo sentimento de rejeição, de não pertencimento, seja pela família, seja pelas redes sociais, que acabam impondo normas, padrões estéticos, e a pessoa não se vê naquele padrão, ou então ela é alvo de fenômenos que são muito comuns hoje em dia, que são os haters, aqueles odiadores", explica o psicólogo.

Redes sociais como potencializadoras 

Ainda segundo Manzione, em função dos haters, as redes sociais podem ser potencializadoras desses sentimentos, já que essas pessoas de comportamento tóxico podem colocar a autoestima para baixo.

"Essas pessoas sentem prazer nisso, porque podem destilar a sua baixa autoestima, destilar a sua insegurança através do outro. Quando ela vê alguém sofrendo, ela vê alguém que está perturbada com o que ela fala, ela se sente poderosa. Então, as redes sociais, infelizmente, são um palco para que essas coisas aconteçam". 

Conforme Manzione, a principal preocupação é que esse comportamento pode desencadear ações diversas, inclusive o suicídio.

"A rede dá essa falsa impressão de que tudo pode ser dito, tudo pode ser falado e ela se sente poderosa atrás de um teclado, digitando alguma coisa e vendo a reação da pessoa. Só que essa reação pode ser muito grave, pode levar até ao suicídio. Então, a pessoa percebe que está sendo cancelada na rede, que está sendo rejeitada por aqueles grupos, e ela se sente incapaz, se sente rejeitada, ela se sente não suficientemente atraente para pertencer àquele grupo". 

A professora do curso de Psicologia da Universidade Salvador (Unifacs), integrante do Ecossistema Ânima, Nayara Barreto, pontua que o cansaço físico também pode contribuir com o quadro. Segundo ela, entre as possíveis razões para desenvolver esta condição está a angústia causada pelo encerramento do ano e a frustração por não conseguir cumprir todas as metas.

"Aliado a isso, temos também o cansaço físico que contribui para que o sujeito sinta essa angústia em maior intensidade e tenha mais dificuldade para conseguir lidar com ela", avaliou.

Para evitar ou manejar o sentimento de tristeza nesse período é fundamental adotar práticas centradas no bem-estar emocional. De acordo com a psicóloga, uma estratégia eficaz pode ser focar nos progressos feitos ao longo do ano, ainda que nem todas as metas tenham sido alcançadas. Conforme a profissional, é importante internalizar que não há problema em não atingir todos os objetivos almejados durante aquele espaço de tempo. 

Onde buscar ajuda? 

Diante deste cenário, é importante reconhecer a necessidade de ajuda e, efetivamente, buscá-la. O Centro de Valorização da Vida (CVV) presta um serviço voluntário e gratuito de apoio emocional e prevenção do suicídio para todas as pessoas que querem e precisam conversar, sob total sigilo e anonimato.

O contato pode ser feito através do telefone 188 (24 horas e sem custo de ligação), pessoalmente (nos mais de 120 postos de atendimento) ou pelo site, por chat e e-mail. Em Salvador, o contato presencial pode ser feito na unidade localizada na Rua do Bângala, Nº. 47/99 Nazaré, com atendimento em regime de plantão 24h. 

"Se você pensa em fazer algo contra você mesmo, se você está pensando em suicídio, se estiver numa agonia muito grande, sentindo algo muito forte, você liga para o CVV, o Centro de Valorização da Vida, número 188, 24 horas por dia, sete dias por semana. Você liga, e tem alguém preparado para lhe ouvir. Se você tem um sofrimento de dor duradoura, grande, uma falta de entendimento das coisas que estão acontecendo, você procura ajuda profissional, procura uma psicoterapia, um psicólogo, um psiquiatra, mas procure alguém, porque saída tem", recomendou Manzione. 

Ele ressalta que é importante entender que existem saídas para essa situação e é possível "encarar o mundo de outra forma".

"Dá para você ver que o problema não está necessariamente em você, mas está nos outros. Você tem que compreender que você se sente inadequado, mas os outros estão criando esse padrão, então é preciso ter um trabalho profissional por trás para justamente lhe tirar esse peso e fazer com que você compreenda melhor a sua vida, a vida dos outros, como os outros funcionam, você diminuir essa expectativa, diminuir essa idealização que se tem no outro, porque essa idealização vai lhe colocar num papel sempre inferior", alertou. 

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