O Natal de verdade

As pessoas estão se distanciando cada vez mais da essência da data, e de tudo que ela representa, para dar valor ao fútil, fugaz e material

Por Sergio Manzione
22/12/2023 às 08h00
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Foto: Divulgação
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Então é Natal! As pessoas começam a tentar esboçar um clima de solidariedade, pelo menos nessa época do ano. Se é possível experimentar essa satisfação natalina, por que esse fenômeno não se repete ao longo do ano?  O Natal funciona como uma trégua na batalha diária na busca da sobrevivência, onde o outro não importa muito e até atrapalha... As pessoas ficam mais gentis e gostam de demonstrar afeto através de presentes, que simbolizam a lembrança de alguém.

Claro que muito presentes são comprados puramente com fins protocolares para que a imagem não seja arranhada, ou para agradar e amansar alguém. O pior é que existe uma cobrança para aqueles que não dão presentes. Pense na namorada que não recebeu nenhum presentinho concreto, mas que o namorado está ao seu lado o tempo todo, e pensando nela com todo o amor. O que é mais importante?

Nos tempos atuais, valorizar as coisas materiais é a tônica. Valorizar o que não se tem acaba sendo mais importante do que dar valor ao que se tem. Você dá valor ao fato de poder respirar sem aparelhos? Você dá valor por ter uma casa para os dias de chuva?  A lista é interminável, mas as pessoas preferem valorizar o sofrimento ou o poder do dinheiro. A alegria está nas pequenas coisas que já temos no dia a dia. No entanto, preferimos dar importância para uma conquista futura, que nem se sabe será concretizada.

O pôr do sol, o sorriso ingênuo de uma criança, as lágrimas do reencontro, lembrar da gargalhada de alguém que já se foi, a Lua cheia, o barulho do mar, matar a sede, andar sem auxílio, o cheirinho do pãozinho quente e do café, a pessoa amada ao seu lado, o rabo abanando do seu cão, e tantas outras coisas alegres que acontecem e passam despercebidas são as alegrias reais.

A felicidade está relacionada com uma combinação de emoções positivas e simultâneas como alegria, gratidão, amor, satisfação e projeto de vida, por exemplos. Para mim, a felicidade é ter paz. Como se pode ser feliz sem paz? A questão é que o caminho para atingir essa paz é tortuoso, na mesma proporção como lidamos com nossos sentimentos e emoções que atraem o sofrimento. Entre tantos que povoam as mentes, a raiva, o ódio, a inveja, o orgulho, o egoísmo, entre outros, criam raízes e um não deixa o outro ir embora.

Quando consegue se livrar de toda essa negatividade a pessoa se liberta da escuridão e passa a viver em paz. Não adianta questionar a tudo e a todos buscando sempre a explicação e a justificativa de seus problemas nos outros se, primeiramente, não procurar em si mesmo as raízes da culpa, do medo da rejeição, da necessidade de agradar sempre, da ganância material descontrolada e de tudo que atrapalha.

Se você pensa que sempre os outros são a causa de seus problemas, algo anda mal. Um dos personagens da peça de teatro Entre Quatro Paredes, de Jean-Paul Sartre, diz que "O inferno são os outros".  Escrevi um artigo sobre esse tema intitulado "O inferno não são os outros", leia aqui no Portal M!.

A alegria, o reconhecimento, o amor atrelados às coisas materiais é o sinal característico de que a essência humana está longe de ser reconhecida, e que o importante é o fugaz, o aqui e agora de consumo imediato. Atribuímos valor às coisas e essas passam a ser mais importantes do que as pessoas. Um diamante só tem o valor que tem, porque foi convencionado assim pela humanidade, mas para um animal é apenas uma pedrinha brilhante.

Quais valores estamos atribuindo às pessoas e por que estamos fazendo isso? Quanta gente julga o outro importante e valoroso pela quantidade de dinheiro que tem, não importando como esse dinheiro foi conquistado?  Essa armadilha do tempos da pós-modernidade, que, nas palavras do filósofo Zygmunt Bauman, é traduzida pela sociedade líquida, pelo amor líquido, que escapa pelos dedos, pois não tem concretude.

É um tempo onde é preciso testar a própria aceitação, através de "likes" em "posts" nas redes sociais com fotos absolutamente inúteis mostrando alguém segurando uma taça de vinho, ou numa linda praia, com uma legenda qualquer relacionando aquele momento com a felicidade, que é somente sentida de fato se o outro aprovar. Quanto mais fugaz, líquido e sem apego a nada, melhor para que as pessoas possam ficar alienadas no sentido de coisificar tudo, e coisas podem ser compradas.

As redes sociais não existem para aproximar pessoas, mesmo que isso aconteça, mas é um efeito colateral; elas existem para oferecer e tentar vender produtos e serviços. Uma postagem com um texto muito grande não interessa para as tais "redes", pois a pessoa perde muito tempo lendo e não será submetida a novas propagandas, que aparecem sem nenhum pudor entre uma foto e outra.

Os pais criam os filhos com o celular na mão, a nova chupeta eletrônica, desde a mais tenra idade, naturalizando, assim, o seu uso como essencial para a vida, e isso só contribui para isolar mais as pessoas em seus próprios mundos e criar novos consumidores. Muitas conversas de hoje em dia são rasas e a fonte são "influenciadores digitais", que podem ser analfabetos, mas defendem alguma teoria sem nem saber como a ciência funciona.

Há os espertos(as) de plantão, que falam de assuntos com a certeza de quem estuda profundamente a área, mas, na verdade ou não passaram do ensino médio ou o curso superior é de outra especialidade. E por que você acredita nessa gente? Alguém checa o currículo (ou folha corrida) de quem está ali falando alguma "verdade"? Você acredita nas "fake News" só porque elas falam o que você quer ouvir? Mas tudo isso é em nome do dinheiro e do poder, sendo as pessoas apenas consumidores, seguidores, eleitores e contas correntes, que devem fazer um PIX, e rápido.

O Natal, em sua essência, nada tem a ver com o capitalismo e com o Papai Noel, mas com o nascimento de uma criança pobre, humilde, que ilumina o caminho das pessoas até hoje. Se você não anda por esses caminhos, aí é outra coisa, mas eles existem. O Natal representa o nascimento da esperança e da luz, que guia a quem quer ser guiado. É o aniversário de Jesus Cristo, que deixou um conjunto de pensamentos e atitudes práticas de como buscar a felicidade, através da caridade, do amor ao próximo, do perdão e dos valores que extrapolam a atual existência humana.

Cristo disse que as duas chagas da humanidade são o orgulho e o egoísmo. Esse orgulho no sentido da pessoa se sentir superior aos outros, o que a impede de perdoar alguém e, até de se perdoar, pois se julga perfeita e melhor que as demais. O egoísmo traz a acumulação desnecessária de dinheiro e bens materiais, que não acompanharão a pessoa após a morte, pois caixão não tem gaveta, nem cofrinho, e as pirâmides do Egito estão aí para provar que nenhum faraó levou nada; o que, depois, foi feito por ladrões...

Quantas pessoas estão na sua lista de não perdoar? E por que você não perdoa e se livra desse vínculo negativo que o(a) faz sofrer?  Falta-lhe maior compreensão de quem é esse outro e porque ele(a) fez o que fez. Jesus vai muito além e diz que é preciso amar os inimigos!  Amar, nesse caso, não significa conviver com os tais inimigos, nem, tampouco, casar com eles, mas perdoá-los. E perdoar não implica em esquecer o que aconteceu, mas significa que aquela cicatriz não dói mais. E quem disse que seria fácil fazer isso?

Os ensinamento do aniversariante de 25 de dezembro são na direção do amor, da luz e da paz de todos. Para isso, no entanto, é preciso praticar a empatia! Coloque-se no lugar de alguém sofrendo e veja se você gostaria de estar lá. É preciso ajudar aos outros, mas não para fotografar e postar na rede para parecer caridoso e receber "likes". É ajudar para se sentir e fazer o bem, e pensar como seria bom se alguém o ajudasse caso você estivesse naquela situação. Trata-se de você ter dinheiro e buscar o conforto sim, mas também ajudar a quem não tem (sem cobrar juros).

As coisas são muito mais simples do que parecem. Durante as dificuldades as pessoas se modificam. Na recente pandemia de Covid, vimos exemplos emocionantes de solidariedade e de humildade. Terminado o perigo iminente, encerrou-se também a boa vontade e o outro volta a ser o "inimigo" de sempre. Caso todos se ajudassem, teríamos a certeza de ser ajudados também! Mas o egoísmo só vê o próprio umbigo e despreza o outro, como se isso garantisse a imortalidade para reles mortais como nós.

Jesus Cristo veio, obviamente, antes de qualquer religião que o tem como base. Os ensinamentos Dele são atemporais e servem para qualquer ser humano, seja lá qual for a classe social, o grau de escolaridade, ou em que parte do planeta ele está. Basta seguir o que Jesus pregou em sua origem, que dispensa interpretadores e manipuladores da fé. Disse Jesus: "Ama a teu próximo como a ti mesmo", mas colocar isso em prática é que complica, mas oposto do orgulho é a humildade, e eis aí a chave para você evoluir.

Dê seus presentes de Natal para ver a alegria estampada no rosto de alguém, e no seu também. Dê o perdão como presente de Natal. Dê o seu tempo para alguém. Dê atenção às pequenas coisas que você está deixando passar. Reflita se você gostaria de ouvir as coisas que fala para os outros. Pense se você se gostaria de ser tratado como trata os outros. Dê um presente a si mesmo pedindo perdão pelos seus erros, e como disse Jesus, "arrepende-te, vá em frente e não faça novamente".

Dê a alegria com a sua presença. Dê a sua ausência como uma lembrança boa. Dê sua gratidão e reconhecimento a quem te ajuda ou ajudou. Dê ensinamentos e boas conversas para os outros, mas também dê aquele abraço apertado. Dê o seu melhor lado para as pessoas. Se dê um tempo sem cobrar a si mesmo e aos demais. Dê a si mesmo a chance de ser uma pessoa melhor e a de participar de um mundo melhor. Mas, acima de tudo, dê amor! Ame as pessoas como você mesmo deveria se amar. 

Feliz Natal na sua essência mais simples e profunda! Feliz Aniversário, Jesus!

* Sergio Manzione (@psicomanzione) é psicólogo clínico, administrador, podcaster, colunista sobre comportamento humano e psicologia no Portal Muita Informação!, e autor do livro Viva Sem Ansiedade - oito caminhos para uma vida feliz