Violência doméstica: por que algumas mulheres conseguem denunciar e outras não?

Ao Podcast do M!, o psicólogo Sergio Manzione falou sobre os fatores que influenciam no processo de libertação de relacionamentos abusivos

Por Bruna Ferraz
09/12/2023 às 08h00
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Foto: Arquivo pessoal
Foto: Arquivo pessoal

A violência doméstica faz parte da rotina de muitas mulheres brasileiras, de diversas classes sociais, em diferentes fases da vida. Com a recorrência de casos, especialistas costumam alertar sobre a importância de denunciar essas agressões, informando que as vítimas podem salvaguardar os seus direitos e a sua integridade física e mental.

Recentemente, mulheres famosas, como a apresentadora Ana Hickmann e a cantora Naiara Azevedo, denunciaram aos órgãos de segurança que estavam sendo vítimas desse tipo de crime. Ana afirmou ter sofrido agressões do marido, já Naiara, do namorado. Nem sempre, no entanto, as vítimas conseguem denunciar esses atos nem sair das relações abusivas. Mas por quê?

Em conversa com o Podcast do M!, o psicólogo clínico e colunista do portal, Sérgio Manzione, falou sobre o assunto. Especialista em avaliação psicológica, psicoterapeuta, escritor e palestrante, o profissional destacou a diferenças de perfil entre a mulher que denuncia e a que se cala.

"Essa mulher que já está denunciando, ela já está com a autoestima um pouco mais alta. Ela já não está com aquela baixa autoestima que a deixa prisioneira, então ela já se percebe dentro de um relacionamento abusivo. Ela já está pronta para fazer a denúncia também porque já tem uma rede de apoio, já tem suporte para que isso vá lhe dar sustentação. Senão ela pode até piorar a situação. Se ela fizer algum tipo de denúncia e não tiver suporte, ela pode se colocar num risco muito sério,  inclusive", explicou o psicólogo.

Início do processo

Sergio Manzione abordou também o perfil daquelas mulheres que ainda não conseguiram se desvencilhar dos relacionamentos tóxicos que vivem, mas que já estão em busca disso.

Ele destacou o papel da família e dos amigos no processo de fortalecimento da vítima, para que ela se sinta segura ao se divorciar e denunciar o seu agressor. Essa segurança precisa perpassar por questões estruturais, psicológicas e financeiras. Para o psicólogo, em um outro momento, é preciso que os familiares do agressor também fiquem cientes do seu perfil.

"A mulher que se cala, mas que já está no consultório, está buscando esse suporte emocional. Ela está buscando compreender o que está se passando com ela para, a partir daí, ela se fortalecer, criar essa rede de apoio mais esclarecida. Porque ela tem que conversar com as pessoas, tem que ter uma rede de apoio, os familiares têm que saber, as pessoas têm que estar cientes do que está acontecendo, amigos, amigas. Depois, numa segunda etapa, até os próprios parentes do agressor também precisam saber, porque isso vai diluindo esse tipo de problema e também vai aumentando o número de pessoas que vão dar suporte e que vão interferir no momento certo para poder atenuar até uma agressão, para esclarecer, para evitar ou para estar ali presente com essa mulher que está sofrendo agressão", disse.

Segundo Manzione, existem também aquelas mulheres que ainda não buscaram o auxílio de um terapeuta e que ainda estão fechadas para opiniões. Para o psicólogo, essas mulheres podem estar cercadas de outras que a alertam, mas ela ainda está alienada dentro da relação que vive e, em grande parte do casos, está sendo manipulada. "Ela nem percebeu que está acontecendo alguma coisa", pontua.

Realidade entre as brasileiras

No Brasil, a violência doméstica se faz fortemente presente. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), ainda em 2013, o país já ocupava o 5º lugar em um ranking de 83 países onde mais se matam mulheres. São 4,8 homicídios por cada 100 mil mulheres. Nestes casos, quase 30% dos crimes ocorrem nos domicílios.

O DataSenado também divulgou dados sobre o mesmo período, revelando que uma em cada cinco brasileiras já assumiu ter sido vítima de violência doméstica e familiar provocada por um homem.

Dados anteriores a esses, relativos a 2010 e compilados pela Fundação Perseu Abramo, apontam que, à época, a cada dois minutos, cinco mulheres eram violentamente agredidas. Em muitos casos, o ciclo de violência se manteve o mesmo: aumento da tensão, ato de violência e lua de mel. Nessas três fases, a mulher sofre vários tipos de violência (física, moral, psicológica, sexual e patrimonial), que podem ser praticadas de maneira isolada ou não.

O psicólogo Sergio Manzione afirmou que nem sempre esse ciclo de violência será rigorosamente seguido, mas destacou a importância da mulher, bem como de todos no seu entorno, se manterem atentos a qualquer comportamento minimamente agressivo por parte de um parceiro.

Não se cale, denuncie!

É possível buscar apoio nas Unidades Básicas de Saúde (UBS), nos Centros de Referência da Assistência Social (CRAS) e nos Centros de Referência Especializados de Assistência Social (CREAS), assim como nos núcleos da Defensoria Pública e do Ministério Público.

Vale lembrar que o Ligue 180 é um serviço do Governo Federal que funciona 24 horas por dia durante todos os dias da semana. Por meio desse canal, a mulher pode registrar denúncias e saber mais sobre os programas ou equipamentos disponíveis para atendê-la - o Ligue 180 também recebe denúncias, inclusive anônimas.

Além disso, é possível recorrer a uma Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher (DEAM). Qualquer delegacia de polícia também pode= registrar as ocorrências. Em casos emergenciais, quando a mulher estiver sob ameaça ou risco de morte, recomenda-se ligar para o 190.

Confira o podcast na íntegra: