A mãe coruja é uma mãe narcisista?

A tendência das mães é olhar para seus filhos como criaturas perfeitas, e isso traz inúmeros problemas, pois pode encobrir erros, ou transferir a responsabilidade dos erros para os outros. Mas será que isso é assim no mundo real? Por trás da mãe atenciosa pode existir uma mulher narcisista, que cultua sua própria perfeição, através da imagem dos filhos?

Por Sergio Manzione*
08/03/2023 às 16h00
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Foto: Acervo pessoal
Foto: Acervo pessoal

Jean de La Fontaine (1621-1695) foi poeta e fabulista francês, um dos maiores de todos os tempos nesse tipo de história, junto com Esopo. Dentre suas inúmeras fábulas há "A águia e a coruja", também adaptada por Monteiro Lobato, onde a coruja propôs um acordo de paz com a águia, com o objetivo de uma parar de comer os filhotes da outra. A águia concordou com o acerto, e perguntou à coruja como ela poderia identificar os seus filhotes. A coruja disse que seria fácil, pois quando a águia encontrasse filhotes lindos, bem feitos de corpo, alegres, e com uma graça especial não vista em nenhuma outra ave, saberia que esses eram os seus. Águia e coruja, então, firmaram um acordo. Dias depois, a águia encontrou um ninho com três monstrengos, piando sem parar com os bicos muito abertos, e concluiu que, com certeza, aquelas criaturas jamais seriam filhotes da coruja, e os comeu.  A conclusão mais imediata é a relacionada ao ditado: "quem ama o feio, bonito lhe parece". Atenção! Se houver uma sociedade protetora da beleza das corujas, aqui, de pronto, afirmo que acho as corujas lindas, mas a história é com a águia.

Uma das causas para u'a mãe ver seu filho como perfeito é o sentido oculto da autorreferência, pois se os filhos são perfeitos, quem os gerou também deve ser. Nessa direção, pode existir um aspecto da mãe narcisista, que procura manter seus filhos na infância eterna, onde também a admiração a ela seria eternizada. Ou seja, se a mãe deixar os filhos crescerem emocionalmente, ela terá de aceitar a realidade da separação emocional, o que leva junto seu controle sobre as crias e a admiração delas. Uma estratégia de manter os filhos na infância é fazer tudo por eles, mesmo que indiretamente, pois se eles não alcançarem a independência emocional, e até financeira, essa mãe não corre o risco de perder o amor que os filhos têm por ela. Aliás, ter medo de que os filhos deixem de amar os pais é um comportamento contemporâneo, pois, em gerações passadas, era ao contrário. Ocorre que, criados com medo de perder o afeto dos pais, agora sentem a mesma coisa em relação aos seus filhos.

De outro lado, quando os filhos se dão conta de que a mãe tem medo de que eles se separem dela, podem desenvolver uma relação de chantagem emocional e manipulação para obter vantagens de todos os tipos. Eles exploram o medo e a insegurança dela. Esses filhos manipuladores podem "negociar" o tempo todo algum tipo de troca, e exigem que a mãe continue alimentando-os emocional e materialmente, e ela, por sua vez, quer exatamente isso. Nesse jogo, ninguém cresce emocionalmente, e ficam todos interligados em uma simbiose tóxica.  A "mãe coruja" humana não quer ver seus lindos, e perfeitos, filhotes crescendo e batendo asas para fora do ninho, e os cria assim, inseguros, sempre esperando que a mamãe traga seu alimento. Na maior parte dos casos, todo esse processo da mãe é inconsciente, pois ela tem em mente dar o melhor para os filhos, o que é um pensamento comum.  No entanto, também pode ser bem consciente, quando ela resolve testar o amor do filho com uma espécie de terrorismo, dizendo que não aguenta mais a vida que leva e vai embora uma hora dessas. Ela inverte o "jogo" e implanta nele o seu próprio medo de ser abandonada, e, então, o filho terá tudo para se tornar um adulto inseguro em muitos aspectos. Já do lado dos filhos, o processo pode ser inconsciente pela falta de maturidade, ou pode ser consciente, resultando na manipulação da mãe, e seu desprezo por ela, mesmo que o discurso seja totalmente contrário a isso. 

Outra consequência dessa cegueira emocional é de que, como os filhos são vistos como perfeitos, caso algo dê errado, a culpa sempre será de alguém de fora do ninho. Se o filho(a) não vai bem na escola, então a culpa é da professor(a). Se a filha tem problemas emocionais, então são causados pelo genro, namorado, amiga, parente etc., pois jamais aquela menina doce seria a causa. Se o filho não encontra o rumo profissional, a culpa é do chefe, que não reconhece as incríveis qualidades do filho perfeito. Se o(a) filho(a) tem inúmeros relacionamentos amorosos, e todos são nocivos e tóxicos, obviamente, a origem é dos(as) parceiros(as), que querem destruir esse poço de virtudes, que é o filhinho ingênuo. A "mãe coruja" humana não consegue ver que o filho(a) não ter um rumo na vida é porque ela foi superprotetora e não permitiu que ele(a) quebrasse a cara em diversas situações, o que criaria calos emocionais e maturidade para lidar com as frustrações, e sair à luta do jeito que fosse possível.

A fábula "A Águia e a Coruja" monstra o quanto é possível alguém se enganar em relação às pessoas, pois projeta nelas uma imagem irreal, um desejo, uma idealização. Claro, alguns podem dizer, as corujinhas eram feias aos olhos da águia, mas belas para a mãe. Até aí tudo certo, mas é preciso entender que os filhos crescem e precisam ter autonomia na vida para não depender de ninguém em nenhum aspecto. Quando a mãe não quer ver como os filhos são de fato, não está fazendo um bem a eles, pois ela não estará lá para sempre, e a escola da vida vai ensiná-los com seus métodos, nem sempre suaves ou carinhosos. A "moral da história" deste artigo é: veja as pessoas como elas são, não como você gostaria que elas fossem! Isso vale para todo mundo, incluindo a maneira como você se vê. Dessa forma, você evitará se frustrar com as atitudes alheias, aceitará seus erros, e também crescerá emocionalmente para lidar com as coisas da vida, e as frustrações a ela associadas.

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*Sergio Manzione é psicólogo clínico, administrador, mentor, podcaster, colunista sobre comportamento humano e psicologia no Portal Muita Informação!, e escreveu o livro "Viva Sem Ansiedade - oito caminhos para uma vida feliz". @psicomanzione

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