Brasil vive "epidemia" de problemas de saúde mental há anos, aponta psicólogo

Ao Portal M!, Sérgio Mazione apontou que indígenas, pessoas LGBTQIAP+, policiais e jovens de 15 a 29 anos são mais propensos 

Por Bruno Brito
31/07/2022 às 16h10
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Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Embora os debates em torno da saúde mental tenham ganhado espaço mais recentemente, sobretudo, após a pandemia de Covid-19, o psicólogo Sérgio Manzione defende que essa "epidemia" já é realidade no Brasil muito antes da Covid.

"A gente vive um aumento significativo de casos de sofrimento emocional e uma epidemia de problemas de saúde mental já existente há anos, muito antes da pandemia da Covid", apontou em entrevista ao Portal M!. Segundo ele, em 2017, a Organização Mundial da Saúde estimou que, em todo o planeta, haviam cerca de 300 milhões de pessoas com depressão.

"O Brasil é o terceiro país em casos de depressão, com cerca de 12 milhões de pessoas, isso entre 194 países, sendo o primeiro em casos de ansiedade, representando mais de 28 milhões de pessoas" disse o especialista.

De acordo com ele, os casos de ansiedade e depressão já vinham aumentando antes da pandemia da Covid-19, por múltiplos fatores que envolvem contextos de pobreza, desesperança e incertezas quanto ao futuro e ao presente. "Então acaba sendo uma armadilha, onde a pessoa acaba sendo sempre vítima e pode sofrer um algum tipo de transtorno", ressaltou.

No entanto, o psicólogo estima que, com a pandemia, um aumento de 10% em ambos os casos pode ser contabilizado. Para tanto, ele listou alguns motivos que podem ter colaborado para esse aumento.

 "O medo da doença, o luto pelas próximas que morreram, a restrição de circulação, o afastamento do convívio social com amigos e parentes, problemas de relacionamento que foram se agravando, a preocupação com as atividades dos filhos, medo do desemprego ou da redução drástica da renda familiar. Ou seja, a incerteza quanto ao futuro leva à ansiedade e a falta de um presente mais tranquilo leva a questionamentos quanto ao que foi feito no passado", explicou.

Diante deste cenário, Sérgio destacou a necessidade de falar sobre a saúde mental, objetivando a prevenção, sobretudo, como forma de evitar casos de suicídio. "A OMS estima que 90% dos casos de suicídio podiam ser evitados", disse.  No Brasil, de acordo com o Datasus, o total de óbitos no país por lesões autoprovocadas dobrou de cerca de 7 mil para 14 mil nos últimos 20 anos.

Na avaliação do especialista, esse quadro ocorre porque poucas pessoas estão preparadas para a rejeição. Segundo ele, o erro está em colocar a responsabilidade por sua felicidade no outro. "As invés de assumir sua própria responsabilidade, coloca no outro essa responsabilidade e depende então, da opinião e aceitação do outro".

Outro fator que contribui para esse quadro, na avaliação de Sérgio Manzione, é o cenário de incerteza, que é observado no país atualmente. "A gente não sabe para que lado vão as coisas e as pessoas ficam com essa incerteza. Junto a isso, temos a pobreza, o desemprego, diferenças sociais, falta de educação formal, qualificação profissional e a distribuição de renda ruim. Aí fica difícil ter uma boa perspectiva do futuro e isso vai gerar ansiedade, aí acaba transformando presente apenas em uma sala de espera para o futuro", afirmou.

Outro cenário observado pelo psicólogo é a deterioração dos relacionamentos, que em sua avaliação, vêm se agravando nos últimos anos. "São muitas vezes esses relacionamentos reduzidos a simples conexões nas redes sociais. Isso vai resultar em uma instabilidade emocional grande provocada pelo medo de não ser aceito, da rejeição, do abandono. Da mesma forma que uma pessoa é aceita, pode ser deletada, em um cenário mais 'macro' ser cancelada, o que representa aí, o ápice da rejeição", observou.

Sinais a serem observados

Com o quadro de constante elevação dos casos relacionados à saúde mental, Sérgio observa que existem pontos que devem ser considerados, como possíveis sinais de que alguém pode estar enfrentando um problema emocional.

Segundo ele, alguns pontos são: isolamento social, mudança de comportamento, tristeza persistente, choro fácil, perda de apetite, desesperança, mudanças de humor, perda de interesse ou de prazer nas atividades, irritabilidade, além de insônia, despertar mais cedo, falta de concentração, ganho ou perda de peso, fadiga e abuso de substâncias como álcool, drogas e remédios.

"De forma geral, quando há mudança de comportamento é importante estar atento, principalmente, se forem crianças ou adolescentes. Podem ser questões relacionadas à saúde mental no sentido mais amplo, de uma doença, mas pode ser resultado de alguma ação que essa criança ou adolescente está passando, como bullying, abuso sexual e outras tantas coisas que podem atrapalhar o desenvolvimento e interferir seriamente na saúde mental", apontou. 

Já em casos em que foi observada essa mudança comportamental, o psicólogo defende a importância de que seja adotado um diálogo constante. Segundo ele, cada vez que há uma conversa aberta com alguém que esteja passando por problemas emocionais, existe um "feedback" que pode ajudar a identificar o caso.

"Então, se identificou a mudança de comportamento, se deve conversar, mas não para julgar, para acolher e entender. Se colocar à disposição no caso dessa pessoa querer falar algo ou então, se você vê que o caso é de um transtorno, a pessoa está modificando a vida completamente, você se coloca à disposição para acompanhar em uma avaliação com psiquiatra ou psicólogo" recomendou.

Grupos mais propensos à problemas de saúde mental

Embora aponte que praticamente todos os grupos estão propensos a algum tipo de problema de saúde mental, o especialista aponta que: indígenas, pessoas LGBTQIAP+ e policiais militares são grupos com contextos de trabalho e de vida preocupantes.

"Esses três grupos é onde você observa maiores números de suicídios. Entre a população LGBTQIAP+, por exemplo, a chance de se desenvolver um transtorno mental é três vezes maior que em outros grupos, e a depressão é duas vezes maior que em outros grupos. Por sua vez, o transtorno de estresse pós-traumático é cinco vezes maior, são grupos que sofrem pressões sociais muito grandes", ressaltou.

Da mesma forma, policiais e indígenas lidam com situações de estresse elevado. "Indígenas, por exemplo, lidam com invasões, também não possuem perspectiva de futuro, e eles acabam caindo em uma questão de alcoolismo muito grande, que acaba levando ao suicídio".

Outro grupo apontado pelo especialista são os jovens de 15 a 29 anos, assim como os homens, entre 18 a 24 anos e 60 a 64 anos, além das populações mais pobres e as minorias étnicas.

Medidas para conter elevação de casos

Por fim, o especialista defende que aumentar as políticas de saúde pública, acolhimento a quem tem sofrimento psíquico, além de campanhas sobre o tratamento e para redução do preconceito dos familiares de doentes, são medidas que devem ser adotadas.

"Depressão é doença, não é preguiça, não é frescura ou falta de Deus, é preciso que se esclareça à população, aos familiares e, inclusive, às próprias pessoas que são adoecidas. Quanto mais esclarecimentos, mais fácil lidar com o problema. É preciso aumentar os espaços de discussão sobre os temas emocionais", disse.

Outra coisa importante, na avaliação de Sérgio Manzione é aumentar os grupos de apoio, para que as pessoas com depressão possam ter algum amparo. "A gente tem diversos exemplos exitosos, como o Alcoólicos Anônimos, que são pessoas unidas, que ajudam as pessoas a enfrentarem seus problemas".

O psicólogo também ressalta a necessidade de qualificação dos profissionais de saúde para lidar com o problema.

Outra medida apontada pelo especialista é o fortalecimento dos casos de superação dos problemas relacionados à saúde mental. "Suicídio não é notícia, mas é um tema que precisa ser discutido, e quanto mais se esclarecer, maior a chance de evitar problemas", finaliza.