"Depressão não é frescura", diz psicólogo sobre altos índices da doença no Brasil e mundo: "tempos difíceis"

Especialista apontou que os grupos que mais têm se descatado como sucetíveis à depressão e, consequentemente, ao suicídio, são indígenas, LGBTQIA+, policiais, bancários, idosos e médicos

Por Nicolas Melo
25/07/2022 às 12h09
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Foto: Reprodução/YouTube
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Há quem pense que após a pandemia de Covid-19 que assolou o planeta entre 2020 e 2021, que agora há uma 'pandemia de saúde mental' por conta do aumento em 25% do número de casos de depressão e ansiedade no mundo, segundo levantamento da Organização Mundial de Saúde (OMS). O psicólogo Sérgio Manzione pontuou nesta segunda-feira (25), que essa 'pandemia' já é vivida no Brasil mesmo antes da Covid e que a crise sanitária só fez agravar o problema já existente em solo brasileiro.

A Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2019, apontou que, pelo menos, 10,2% das pessoas com 18 anos ou mais receberam o diagnóstico de depressão. O índice foi maior do que o encontrado em 2013 na mesma pesquisa, que foi de 7,6%. De acordo com a PNS, os números de 2019 representam 16,3 milhões de pessoas, com maior prevalência na área urbana (10,7%) do que rural (7,6%).

Em 2021, a Pesquisa Vigitel 2021, que é um dos mais amplos inquéritos de saúde do país, apontou uma média de que 11,3% da população brasileira relatou ter recebido um diagnóstico médico da doença. A frequência foi maior entre as mulheres, com 14,7% se comparado aos homens em 7,3%.

Em 2022, a OMS informou que o número de casos de transtornos de ansiedade aumentou 25,6%, e os de depressão, 27,6%, no ano retrasado. A pasta de saúde internacional também apontou que a pandemia trouxe lacunas no acesso a tratamento em saúde mental. "Estamos falando de ser o primeiro país no mundo em casos de ansiedade, dentre 193 países estados membros da ONU. Isso preocupa muito e houve um agravamento do número de suicídios no Brasil. Em 2021 a gente teve 14 mil mortes e esse número também já vem dobrando ao longo dos 20 anos", disse Sérgio Manzione.

"Nós já vivemos essa pandemia relacionada à saúde mental há muito tempo. Para se ter uma ideia, em 2017, a Organização Mundial de Saúde estimava que existam no mundo 300 milhões de pessoas com depressão. Ela também estima que há, mais ou menos, 1 bilhão de pessoas com doenças mentais mais graves", acrescentou, durante entrevista com o editor-chefe do Portal M!, Osvaldo Lyra, no programa Nova Manhã da rádio Nova Brasil FM.

"Transtorno de humor como ansiedade e depressão atinge uma população imensa. Então, a gente vive tempos difíceis, de fato, e em 2017 ela já estimava 300 milhões de pessoas e ainda dizia mais, que em 2020 a depressão seria a maior causa de afastamento do trabalho e isso se agravou depois com um aumento de, pelo menos 10% dos casos, e chegamos onde nós estamos hoje: o Brasil com o terceiro lugar no número de casos de depressão (12 milhões de pessoas) e com o maior número de casos de ansiedade (28 milhões de casos)", completou o psicólogo.

Segundo o especialista, entre os grupos que mais têm se descatado como sucetíveis à depressão e, consequentemente, ao suicídio, são indígenas, LGBTQIA+, policiais, bancários, idosos e médicos. "Cada vez que me fazem essa pergunta eu vou aumentando mais a resposta porque todo mundo hoje está propenso a ter algum tipo de problema até porque não tem como dissociar a saúde mental da saúde pública, das questões de desenvolvimento socioeconômico e também direitos humanos. Ou seja, quando se tem tudo isso misturado, se está mais propenso a atingir isso", pontuou.

Ele explicou que os casos são recorrentes entre os índios por conta do alto consumo de ácool, o que leva a depressão e até ao suicídio. No caso do LGBTQIA+ e as minorias étnicas, pelas próprias pressões de uma sociedade machista, preconceituosa, intolerante, porque a ignorância é a mãe do preconceito, isso vai trazer problema a todo o tempo e quando se tem um incentivo a isso é pior ainda".

"Já os policiais, são um grupo bastante afetado porque lidam com a violência, com casos extremos. Um policial tem oito vezes mais chance de cometer um suicídio do que os outros grupos da sociedade. São números excessivamente altos. Médicos e demais profissionais da área de saúde também podem ter esse tipo de situação de risco maior, porque acabam lidando com muitos problemas e gera um fenômeno da desumanização", disse.

Tristeza não é depressão

Ainda há quem ache que a depressão não é um problema sério, que pode ser resolvido como uma ida ao cinema ou um banho de sol numa praia qualquer e que é sinônimo de tristeza. Errado! O especialista é taxativo ao afirmar que "tristeza não é depressão. Tristeza é algo que você pode sentir esporadicamente como ver o time de futebol perder e ficar triste. Quando ela é contínua, ai pode ser um sintoma de depressão", explicou.

"Assim como o isolamento social, mudança de comportamento, choro fácil, ganho ou perda de peso, medo do futuro, irritabilidade, insônia, acordar mais cedo que o normal, abuso de substâncias, como álcool. Veja que são quadro imensos de sintomas que são comuns a outras questões", seguiu.

Ansiedade x depressão e os sintomas de alerta

Uma difere da outra, mas somente o diagnóstico de um profissional pode revelar com precisão a condição clínica de cada um. Em um breve resumo, de acordo com o psicólogo Sérgio Manzione, depressão é uma condição que a pessoa sofre por algo do passado, enquanto a ansiedade é sofrimento/medo do futuro, de algo que ainda não chegou. Nos dois casos, há uma perda de vivência do presente.

"Uma ansiedade normal é quando se está aguardando uma resposta de entrevista de emprego. Essa ansiedade é normal porque ela cessa e dá lugar para outra coisa, como alegria ou tristeza. Ela é preocupante quando você sente um bolo no estômago, aperto no peito, pensamentos circulares, respiração curta, intolerância, falta de concentração, pernas balançando, fala muito rápido", detalhou.

"Ela é um transtorno de um humor relacionado ao futuro. Sobre algo que se está esperando acontecer. Os casos vêm aumentando porque temos um contexto, no mundo de forma geral, mas no Brasil, por exemplo, temos incertezas relacionadas ao futuro como: onde estaremos? Um desemprego extremamente alto", emendou.

"Tem uma pesquisa da Fundação Getúlio Vargas, que fez uma medição de que a soma da taxa de inflação mais a soma da taxa de desemprego dão um índice de pouco bem estar, que seria a infelicidade, e o Brasil tem índices altíssimos. Seria o segundo no mundo onde se tem essa sensação de infelicidade grande. Essa inflação mais o desemprego desencadeia uma série de coisas na sociedade", revelou o especialista.

Sérgio ainda é duro na crítica sobre a depressão. "Depressão não é frescura, não é preguiça, não é falta de Deus. Não se resolve saindo com os amigos, não se resolve indo à praia ou numa academia. Depressão é uma doença e ela precisa ser tratada como um tal. A gente não pode lidar com uma situação dessas como algo comum, simples ou uma bobagem. Isso está tirando as pessoas do emprego e fazendo cometer suicídio e isso não está sendo tratado pelo governo, tanto que a própria ONU tem o plano de ação de saúde mental de 2013 a 2020 e pouco se avançou", falou.

Ajuda no SUS

Para quem não tem suporte financeiro para buscar uma ajuda profissional particular, o Sistema Único de Saúde (SUS) disponibiliza consultas por meio do Centro de Atenção Psicossocial (CAPS). Em Salvador, a rede de atenção é composta por ambulatórios especializados em saúde mental, Pronto Atendimento Psiquiátrico (PAP), Unidade de Acolhimento e Serviços Residenciais Terapêuticos.

Já para quem estiver com pensamentos suicidas ou sofrendo de algum tipo de transtorno mental pode também entrar em contato gratuitamente com o  Centro de Valorização da Vida (CVV) por meio do 188. A conversa é feita com um  voluntário do CVV e está disponível para todo o território nacional, 24 horas todos os dias de forma gratuita.

Confira a entrevista na íntegra: