A trama do fio da vida: Fernanda Montenegro, emoções e Química

Por Ícaro Mota*

Por Ícaro Mota*
13/11/2021 às 08h00
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Foto: Divulgação
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O que é uma emoção? Aquele "frio na barriga" que antecede uma apresentação em público? Sentir saudade de alguém? Ser magoado? Lembrar de um momento especial? Quem nunca sentiu e, - digo mais - vive sentindo emoção? A vida é, na totalidade, constituída por emoções (sejam boas ou dolorosas): nascimento de um(a) filho(a); a chegada de um novo amor; a conquista de um sonho; a dor de ser traído; a morte de um ente querido e inesquecível; emocionar-se ao assistir um filme. 

Aqui, entre nós, quem lembra de Central do Brasil? Filme lançado em 1998, com direção de Walter Salles, e estrelado por Fernanda Montenegro e Vinícius de Oliveira, como protagonistas. Em linhas gerais, o longa tem como objetivos: i) refletir sobre o analfabetismo no Brasil e relacioná-lo com a ausência de cidadania; ii) analisar sobre a busca de identidade dos brasileiros; e iii) compreender como as transformações de valores e aprimoramento moral influenciam no ser humano. Ademais, a beleza do filme está centrada na sua atemporalidade, sua consciência de nossa identidade e, no seu ponto culminante, o olhar sobre a cegueira de quem não lê. 

A interpretação de Montenegro foi aclamada pelos críticos e imprensa nacionais e internacionais, tamanha repercussão do seu brilhantismo rendeu-lhe uma indicação ao Oscar na categoria de Melhor Atriz - tornando-se a primeira latino-americana, a única brasileira e, também, a única atriz já indicada ao prêmio por uma atuação em língua portuguesa - e, uma indicação ao Globo de Ouro de Melhor Atriz, na categoria drama.  E quem não se emocionou com Dora? Eu era menino quando assisti pela primeira vez, e demorei a entender o quão grandioso era o seu papel naquele filme-de-estrada: ela simbolizava a Educação. Ex-professora primária que precisa ganhar alguns trocados para complementar a renda. Realidade pungente, desigualdade e crueldade demonstradas na carreira docente brasileira, onde a desvalorização é real. A tutora, um tanto amargurada, de repente tem sua vida entrelaçada com a do menino Josué, que acabara de perder a mãe. Ela foi fisgada pela emoção daquele que acabara de ficar órfão!

As emoções são importantes na vida de todos, elas regem nosso viver em sociedade. No entanto, mais que quaisquer outras sensações, são pessoais e subjetivas, ainda, acrescento que é química! E, a natureza daquelas não dependem exclusivamente do nosso cérebro, mas sim da sua interação com o corpo. Por exemplo, ao ficarmos emocionados com as inúmeras cenas de Central do Brasil - proporcionadas pela dama do teatro brasileiro - em 110 minutos, podemos perpassar entre sorrisos e "gotejos" de lágrimas (a emoção é subjetiva!).

De fato, a Fernanda Montenegro consegue nos emocionar através das personagens que dá vida. A priori, o que ocorre quando nos emocionamos? Bom, nosso corpo é dotado milhares de reações (químicas) para nossa sobrevivência. Inúmeros hormônios são lançados na corrente sanguínea proporcionando diversas sensações: prazer, bem-estar, felicidade etc. Há quatro substâncias químicas naturais em nossos corpos geralmente definidas como o "quarteto da felicidade": endorfina, serotonina, dopamina e oxitocina. 

A pesquisadora Loretta Breuning, autora do livro Habits of a happy brain ("Hábitos de um cérebro feliz", em tradução livre), explica que "quando o seu cérebro emite uma dessas químicas, você se sente bem". Por exemplo, a endorfina, descoberta há mais de 40 anos, é caracterizada como a morfina do corpo, uma espécie de analgésico natural. Foram encontrados 20 tipos diferentes de endorfinas no sistema nervoso central (SNC), sendo a beta-endorfina a mais eficiente, pois é a que dá o efeito mais eufórico.  De acordo com estudo publicado no ano de 2016 por pesquisadores da Universidade de Oxford (Inglaterra), assistir a filmes também eleva os níveis da substância. Os cientistas observaram que, as pessoas que tiveram maior resposta emocional registraram um aumento significativo nas resistências de dores e sentimento de unidade em grupo. 

Etimologicamente, endorfina significa "analgésico interno" - da junção das palavras gregas; endo (interno) e morfina (analgésico). A substância é produzida naturalmente pelo organismo, sendo liberada na corrente sanguínea com outros hormônios. Além do seu efeito analgésico, sentimentos de felicidade e de bom humor, da alegria, endorfina reduz o estado de tensão do corpo, proporcionando muitos benefícios. 

Acredite, a diva do teatro nos forneceu altas dosagens daquelas quatro substâncias químicas responsáveis por nossas emoções/sensações. É impossível não se envolver com o drama da Dora e Josué. Atriz incansável, corajosa e quebra tabus. Aos 92 anos, Fernanda Montenegro, inicia seu mais novo papel, no dia 4 do corrente mês, foi eleita [com 32 dos 34 votos] para ocupar a cadeira de número 17 na Academia Brasileira de Letras (ABL). O que isso significa? Que a ABL ficará mais próxima ao grande público (ao povão - aqui, sem ser pejorativo, ok?), torna-se pop. E, o que ela fará na ABL? Com certeza, proporcionará transformações, assim como fez em sua maior arte: o teatro. 

Há décadas que a laureada artista se dedica aos textos de Nelson Rodrigues e a francesa Simone de Beauvoir. Na carreira teatral fez todos os tipos de papel, de figuras populares a clássicos milenares. Assim, foi se torando uma figura familiar, querida e essencial para todos os brasileiros. Fiel ao seu trabalho de atriz, recusa seguidos convites para associar sua força a outro tipo de atividades - disse "NÃO" ao Ministério da Cultura em duas ocasiões. No presente ano, diz "SIM" à ABL. Tornar-se membro da academia no período pós-pandêmico será um marco em nossa cultura. "A academia encontra forças de se renovar e de se renovar com uma jovem de mais de 90 anos", definiu o presidente da ABL, Marco Lucchesi. E quem duvida? 

É através da cultura - das artes - que um país tem a sua assinatura, onde existe um futuro, a opção do futuro, a valorização da Educação também! A força da Fernanda Montenegro ultrapassa a imagem de uma mulher intelectualizada, escritora, atriz. Ela nos representa. Elas nos dar a voz. Ela nos emociona. Ela luta pelo teu povo. Ela tem um pouco de nossas mães, de nossas avós, de nossas professoras. Ela já diz que não tem futuro, que cada dia, ao acordar, é absoluto... tu terás um futuro, sim! Futuro esse onde pessoas a terão como referência, como resistência, como perseverança, até porque já é uma imortal! O teu legado é algo imensurável, vê-la atuando, idem. Estudando a sua biografia, pude constatar a grandiosidade de uma frase do Nelson Rodrigues, que você a define como maravilhosa: "Aprendi a ser o máximo possível de mim mesmo". Senhora Fernanda, tu és um máximo (e sempre será)! Receba nossas reverências e carinho por contribuir significativamente com a cultura deste país. 

Referências: 

BREUNING, L. G. Habits of a happy brain: retrain your brain to boost your serotonin, dopamine, oxytocin, & endorphin levels. Avon, Massachusetts: Adams Media, 2016.
CALDEIRA, J. 101 brasileiros que fizeram histo?ria. Rio de Janeiro, RJ: Estac?a~o Brasil, 2016.
GHOSH, S. K. Happy Hormones at Work: Applying the Learnings from Neuroscience to Improve and Sustain Workplace Happiness. NHRD Network Journal, v. 11, n. 4, p. 83-92, 2018.
HAN, M. et al. Neurobiological Bases of Social Networks. Frontiers in Psychology, v. 12, p. 626337, 2021.
MONTENEGRO, F.; GO?ES, M. Pro?logo, ato, epi?logo: memo?rias. Sa~o Paulo, Brazil: Companhia das Letras, 2019.

* Ícaro Mota é Doutor em Ciências pela Universidade Federal de Alagoas (UFAL), Mestre em Química pela Universidade Federal de Sergipe (UFS), graduado em Química Licenciatura pela Universidade Federal de Sergipe (UFS), atua nas áreas de Nanotecnologia, Química de Materiais e Educação Química, Diretor Executivo e Membro da Academia Brasileira de Jovens Cientistas (@jovenscientistas.abjc), Divulgador Científico e Pesquisador, Membro colaborador do Ciência Brasileira é de Qualidade (@ciencia.brasileira), do QuiCiência (@quicienciaiqb) (IQB/UFAL), da Usina Ciência da Pró-Reitoria de Extensão (PROEX/UFAL) e revisor dos periódicos.

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