Artigo: O Futebol ainda é um esporte do povo?

Por Cleyton Batista*
29/05/2021 às 08h00
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Foto: Divulgação
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Transformação dos estádios tradicionais em arenas comerciais, encarecimento do preço dos ingressos, transmissões exclusivas em pay-per-view e constantes proibições às manifestações dos torcedores. Estas são algumas "táticas" do futebol moderno sob o comando das políticas neoliberais que estão dando um novo rumo ao esporte mais popular do mundo (não sabemos até quando).

O processo de modernização (elitização) do futebol não é um fenômeno novo. Dentre tantos acontecimentos, o desastre acontecido no futebol inglês no ano de 1989 certamente é um marco desse processo. A partida entre Liverpool e Nottingham Forest na cidade de Sheffield ficou conhecida como a tragédia de Hillsborough devido a uma série de erros que causaram a morte de 96 torcedores e deixou mais de 700 feridos. 

Hoje sabemos que as causas desta tragédia foram a negligência da equipe de segurança, a superlotação do estádio e sua própria infraestrutura que não apresentava condições suficientes para sediar um jogo deste porte. Porém, naquele momento a culpa dessa tragédia recaiu em cima dos próprios torcedores e isso tem relação direta com o contexto político da época.

Sob os comandos da neoliberal Margareth Thatcher o governo inglês desenvolveu uma série de medidas que modificaram profundamente o esporte. Nesse momento os sindicatos das classes trabalhadoras eram muito ligados aos clubes de Futebol e, assim, os ataques aos torcedores também eram uma clara tentativa de desmonte dos movimentos sociais, considerados inimigos pela dama de ferro. Hoje se sabe que o governo de Thatcher interferiu nas investigações para criminalizar os torcedores (Hooligans) pela tragédia.

Reformas estruturais nos estádios, retirada dos alambrados e instalações de cadeiras para todos os torcedores, implantação de câmeras de segurança e aumento do policiamento são marcas do processo de modernização que buscou acabar com a violência e aumentar a segurança nos estádios. Todas essas recomendações apontadas a partir do Relatório Taylor foram determinantes para a criação da Premier League, em 1992, principal campeonato de Futebol do mundo.

Devido a sua importância no cenário esportivo, rapidamente as mudanças no Futebol inglês passaram a ser tomadas como modelo a ser seguido por diversos países, incluindo o Brasil. Por aqui a realidade dos estádios não era diferente: superlotação, falta de infraestrutura e violência eram recorrentes nas manchetes de domingo. 

No início do século XXI o país começa o seu processo de modernizar o Futebol, que ganha ainda mais força com a escolha do Brasil para sediar a Copa do Mundo de 2014. Entra em cena o "Padrão FIFA" que visava transformar os estádios brasileiros em grandes Arenas análogas à Europa. E foi o que aconteceu.

O que essas duas realidades têm em comum? todas essas mudanças trouxeram mais segurança e conforto aos torcedores, isto é um fato. Porém, a necessidade de modernização do Futebol foi utilizada como justificativa que o transformou em uma máquina de arrecadação. Assim, o que vemos é uma elitização do esporte que varia desde o aumento no preço dos ingressos até a transmissão de jogos exclusivamente em pay-per-view, que privou do espetáculo esportivo o seu principal ator, o torcedor popular.

Se antes ir ao estádio acompanhar seu clube do coração era um risco, hoje a ameaça é não conseguir acompanhar o seu clube do coração. 

*Cleyton Batista 
Doutorando em Educação (FACED/UFBA)
Professor de Educação Física da rede pública estadual
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