ARTIGO: Morar sozinho: liberdade ou solidão*

Por Sergio Manzione*
13/01/2020 às 10h00
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Foto: Divulgação
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Há pouco tempo, o mais comum era só sair da casa dos pais para casar. Hoje, de um lado, há muita gente com mais de trinta anos que continua na casa dos pais, mas, de outro, há o crescimento do número de pessoas optando em morar sozinhas. Segundo o Censo Demográfico Brasileiro de 2010 (elaborado pelo IBGE), há em torno de 7 milhões de famílias unipessoais (moradores solitários) no Brasil, o que corresponde a 12% do total de unidades domésticas e esse número cresce 6% ao ano. Nesse cálculo, estão jovens que deixam a casa dos pais, divorciados, viúvas e viúvos e pessoas que viveram a maior parte de suas vidas sozinhas.

É preciso aprender e adaptar-se à nova realidade

Um dos grandes desafios em morar sozinho é assumir novas responsabilidades, que antes poderiam passar despercebidas, como manter a casa em ordem, aprender a cozinhar, ir ao supermercado, pagar as contas, entre outras tantas coisas. Essa dificuldade não é só dos mais jovens que saem de casa, mas também dos mais velhos, como no caso de viúvas recentes quando o marido fazia toda a gestão financeira. Há, portanto, a necessidade da mudança de hábitos e é preciso estar disposto a fazer coisas que, se não forem feitas pela pessoa, ninguém fará.

Quando um indivíduo muda de atitude ou mesmo de endereço, existem alterações na dinâmica de todas as relações interpessoais. O papel, por exemplo, que cada membro da família exerce é alterado e isso pode gerar resistência contra aquele que resolveu mudar. Além de lidar com o desafio das novas responsabilidades, é preciso lidar com a nova realidade das relações de amizade, amorosas e familiares. No caso dos jovens, que passam a morar longe dos pais, para além da saudade dos entes queridos e das facilidades antes existentes, surge uma grande oportunidade de amadurecimento no trato das questões emocionais, que surgem pela ausência dos pais e das relações com pessoas ou situações novas.

Ganhos e perdas

Para os que decidem morar sozinhos há motivações suficientes para prever mais benefícios do que desvantagens na nova vida. A desejada mudança de hábitos contempla a conquista deautonomia, independência, liberdade, planejamento próprio sem cobrança ou patrulhamento. A privacidade e a gestão do próprio tempo também surgem como vantagens libertadoras. Pode-se, por exemplo, andar nu o dia inteiro pela casa e dormir o quanto achar conveniente. A maneira como o novo espaço será ocupado e utilizado é motivo de satisfação, pois não é preciso negociar a decoração do ambiente e, ainda, não há ninguém para mexer e tirar tudo do lugar. A nova morada traz outra maneira de ser e estar com as pessoas queridas, pois há liberdade para mais reuniões e festas com amigos, além de uma vida sexual como for mais conveniente. A pessoa pode ser ela mesma o tempo todo ou, pelo menos, na maior parte dele.

Morar sozinho traz ganhos pessoais como, por exemplo, ter mais tempo exclusivo para pensar na própria vida. No entanto, é preciso estar preparado, pois pensamentos ruins podem invadir e se instalar. Atristeza e a solidãopodem apagar todos os benefícios e a nova situação pode ser um atalho para a depressão. Algumas situações podem ser desgastantes demais, como adoecer sem ter ninguém por perto. Estar sozinho é uma coisa, estar solitário é outra e, infelizmente, a solidão pode falar mais alto quando se procura companheirismo para dividir problemas e afetos. Para muitos, não ter com quem reclamar ou comentar sobre um filme, por exemplo, é algo muito sofrido.

Nos casos onde a separação não foi uma escolha, mas imposta por um divórcio ou, pior, pela morte de um dos parceiros, somam-se à mudança de papeis, a perda e o luto. Sempre que a situação estiver trazendo sofrimento e tristeza é preciso procurar ajuda de profissionais da psicologia, especializados em lidar com as questões emocionais, pois nem sempre é possível resolver tudo sozinho.

O ser humano é gregário e precisa viver em sociedade com seus semelhantes. Ficar sozinho vai contra essa natureza e, por isso, é fundamental haver a mescla entre o convívio social e a solidão. Morar sozinho não é sinônimo de isolamento do mundo e das pessoas e, além disso, é preciso ter um projeto de vida para que esta tenha sentido. Lembre-se que seu primeiro e maior amigo deve ser você mesmo (a).


* Sergio Manzione é psicólogo clínico, administrador, mestre em engenharia da energia e semanalmente fala sobre comportamento humano e psicologia na Rádio Câmara e no Portal Muita Informação! @psicomanzione