ARTIGO: O achismo e a realidade

Por Sergio Manzione*
01/12/2020 às 08h00
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Foto: Divulgação
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É bastante comum ver e ouvir pessoas falando suas certezas como sendo a única expressão da verdade. As conclusões rápidas, diante das mais diversas situações da vida, levam a vários erros, que podem ser incorrigíveis ou danosos por muito tempo. Essa avaliação rápida e desmedida é uma característica da insensatez, da ignorância, da emoção dominando a razão ou das três coisas juntas. Muitas pessoas precisam ter opiniões sobre tudo para que possam ser reconhecidas como inteligentes e mostrar que são diferenciadas. Elas passam a ter certezas sem checar os fatos e, muito pior, sem pensar sobre o que estão dizendo, porque, às vezes, não faz o menor sentido. Essa tentativa de ganhar a atenção e destaque pode ser a maneira mais rápida que a pessoa encontra para ignorar suas fraquezas e tentar convencer a todos (e a si próprio) que o problema são os outros. Ou seja, se o outro está errado é porque ela está certa. 

Acompanhe o seguinte exemplo. O gerente do departamento de vendas de uma grande empresa foi trabalhar em outro lugar e seu cargo ficou vago. Há dois supervisores que são os candidatos naturais à vaga de gerente. O diretor de vendas marca uma reunião com todo o departamento para anunciar o novo gerente. No dia do anúncio, todos reunidos, o diretor comunica que o novo gerente de vendas será alguém trazido de fora da empresa. Nessa historinha, quem é o culpado por nenhum dos funcionários da empresa terem sido escolhidos? O novo gerente será colocado nesse papel como se tivesse alguma influência no processo de escolha. Ele apenas chegou em uma nova empresa e não tem nada a ver com tudo que passou antes. No entanto, a conclusão instantânea é que novo gerente ocupou o cargo e, portanto, é o culpado. O gerente-alvo passa a ser o grande vilão, que, segunda a visão distorcida, não permitiu a promoção de um empregado da casa. A conclusão deles é equivocada, principalmente porque não leva em consideração o histórico e o contexto da situação. Se eles ficassem raivosos contra o diretor, que não os escolheu, até seria mais fácil de entender a reação, mas o gerente terá muito trabalho para reverter esse quadro de resistência à mudança.

Outro exemplo: o menino tem 5 anos, nasce um irmãozinho e todas as atenções vão para o novo membro da família. O mais velho, que tinha toda a atenção, passa a ter de dividir os pais com o caçula. A conclusão imediata (e possível para uma criança) é a de que seus problemas surgiram quando o irmão nasceu, logo, ele é o culpado pelo seu sofrimento. Mais um exemplo: você está acamado com uma doença qualquer e seu vizinho, coincidentemente, também está com a mesma doença. Você está fazendo o tratamento recomendado pelo médico e seu vizinho também, só que ele começou a tomar um remédio além dos que foram receitados, porque disseram ser excelente.

O fato é que o vizinho ficou curado bem antes do que você e a conclusão geral é de que o tal remédio é eficaz e pode curar, afinal se o vizinho tomou e ficou bom é porque funciona. Ou seja, numa conclusão rasa, o remédio usado é a cura da doença. Nesse caso, não se levou em conta uma quantidade gigantesca de variáveis como as condições físicas, comorbidades pré-existentes e outras tantas características individuais. É o equivalente a fazer uma dieta alimentar milagrosa para redução de peso, onde é preciso tomar apenas um tipo de chá três vezes ao dia, fazer exercícios físicos diários e mudar os velhos hábitos alimentares. No final de um mês, os resultados positivos aparecem e a pessoa conclui que emagreceu somente pela ação direta do chá, ignorando todo o resto. Antes de concluir qualquer coisa, é preciso verificar com cuidado os vários elementos que compõem a situação para que, assim, a conclusão não seja apenas uma opinião baseada em dados falsos ou incompletos. 

Aqueles que têm recursos emocionais imaturos para lidar com os problemas e acabam criando um inferno quando não conseguem o que querem, frequentemente têm baixa tolerância à frustração e a revolta contra tudo é um traço marcante. Além disso, é um caminho para mostrar ao mundo o quanto eles são superiores e, esse comportamento de revolta, é um jeito de afastar a insegurança infantil que carregam. Pessoas com essas características vão na contramão de tudo e acabam negando qualquer outra opinião apenas por ser diferente das suas, afinal têm certeza de possuir a verdade incontestável. Quem discorda delas não é respeitado e pode passar a ser persona non grata ou até inimiga, mesmo se for uma amizade de décadas. No extremo, se for necessário, por exemplo, tomar uma vacina, elas podem dizer que não irão tomá-la, não importa muito qual o motivo, mas importa a atitude de ser contrário e mostrar para si e para o mundo o quanto têm personalidade forte e, ainda, como todos os outros estão errados. 

A avaliação imediata de alguma coisa, sem nenhuma base concreta e sem o entendimento do contexto, gera o "achismo", que é algo baseado em opiniões distantes da realidade comprovada e representa o que a pessoa "acha" sobre um tema. Quando surge uma figura de destaque público, há a tendência daqueles que a admiram de absorver seu modo de pensar e agir por se sentirem espelhadas nela. Quantos são os fãs que têm hábitos iguais aos ídolos e os seguem nas redes sociais como referenciais de vida? Se essa figura de destaque for alguém com as mesmas características (insegurança e revolta) a pessoa que a admira se despersonaliza, abre mão de sua identidade, "cola" no líder e passa a admirá-lo incondicionalmente, pois ele pensa igual e fala o que ela gostaria de falar. Como não admirar, proteger e obedecer a alguém que pensa e age igual a nós? O outro, nesse caso, passa a ser a projeção da pessoa e, portanto, não é possível discordar ou atacar a si própria. Da mesma forma, quando o líder fala alguma coisa, seu admirador incorpora instantaneamente os mesmos pensamentos e atitudes, pois, tamanha é a identificação, que os dois passam a ser um só. Isso significa que se você discordar do tal líder, estará discordando da própria pessoa e, como ela não tolera frustrações e reage com raiva, você será, no mínimo, mal visto ou criticado. A raiva contra o diferente, a necessidade constante de autoafirmação e o medo de ser rejeitado vão gerar atitudes críticas e também preconceitos, que são uma expressão da insegurança emocional aliada à desinformação.

O achismo é filho da ignorância e irmão do preconceito, pois não leva em conta a possibilidade de uma pessoa pensar de forma equivocada e a outra estar certa. O achismo não permite avaliar as situações como elas são, mas como a pessoa gostaria que fossem. O achismo alimenta a certeza de que a pessoa é superior, o que é a expressão da arrogância, a pior face da insegurança. É preciso aceitar que somos e pensamos diferentes e isso faz com que a humanidade evolua em um processo de troca de informações, que vai ajudar na construção de soluções para beneficiar a todos. Ouça a opinião do outro e avalie com calma e lucidez, porque ele pode estar certo e isso pode ser bom para você. O normal é sermos diferentes uns dos outros, portanto, devemos respeitar a opinião alheia, por mais absurda que pareça, para que a nossa opinião também seja respeitada, por mais absurda que pareça.

*Sergio Manzione é psicólogo clínico, administrador, mestre em engenharia da energia e colunista sobre comportamento humano e psicologia no Portal Muita Informação! @psicomanzione

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