ARTIGO: Química, Cosméticos e Egito: a trilogia além dos faraós.

Por Ícaro Mota Oliveira
11/08/2020 às 08h00
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Foto: Divulgação
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Numa tarde de domingo típica de verão, o pai - que está na sala - degusta a cerveja de fabricação caseira (leia-se, artesanal). Em um dos quartos, a filha mais velha encontra-se deitada, pois para sanar com a dor de cabeça, tomou um remédio à base de ácido acetilsalicílico (C?H?O?), princípio ativo da aspirina. Noutro cômodo, está a filha mais nova que brinca com o kit de maquiagem que ganhou da madrinha. No aposento do casal, a esposa encontra-se em lágrimas de felicidades, pois acabara de realizar o teste de gravidez e este acusou positivo. 

Bom, se eu preguntar a vocês em que época e lugar esse episódio aconteceu, as respostas seriam diversas. Poderia ter sido na semana passada no Rio de Janeiro ou na Flórida no ano de 2008. Por mais incrível que possa parecer, se alguém respondesse que tal situação foi no Egito durante o reinado de Cleópatra há milhares de anos, acreditem, a resposta estaria certíssima, sem sombra de dúvidas!  

É importante destacar que a civilização egípcia nos deixou uma herança além das obras faraônicas. Ela também foi exímia no empreendedorismo, nos avanços científicos, na farmacologia, na Química. Registros (em papiros) apontavam que os egípcios utilizavam a urina para o teste de gravidez bem robusto. Por exemplo, a mulher urinava em um recipiente onde havia uma variedade de cevada. Se houvesse germinação deste cereal, a gravidez estava confirmada. O ácido acetilsalicílico, óleo de rícino, própolis eram usados para fins medicinais. E, por razões estéticas, religiosas e terapêuticas eles usavam uma diversidade de cosméticos.

A palavra cosmética, etimologicamente, vem do grego ?????????? (kosmetikos) que está relacionado com cada um dos produtos de higiene pessoal e/ou beleza. A maquiagem era usada pelos egípcios como forma de embelezamento, de proteção solar e aos deuses, de prevenção de doenças. Também, vale destacar que esta civilização inventou o creme dental (na época, era constituído por uma mistura de pedra-pomes, cascas de ovos, flores secas, grãos de pimenta). 

Devido aos avanços tecnológicos e com equipamentos mais precisos, foi possível analisar (por Microscopia Eletrônica de Varredura e Difração de Raio X) amostras de alguns artefatos que estão preservados no Museu do Louvre (Paris), constatando que as pinturas faciais egípcias tinham tintas à base de sais de chumbo (Pb): galena (PbS, sulfeto de chumbo) para coloração escura e também na formulação de gloss para os lábios, cerusita (PbCO3, carbonato de chumbo), fosgenita (Pb2Cl2CO3) e laurionita ([Pb(OH)Cl]. O fato mais intrigante é que este metal pesado era escasso no Egito Antigo, logo, estes sais eram sintetizados. Embora já soubessem da presença do chumbo e do uso medicinal da maquiagem, os cientistas franceses não conseguiam explicar como uma tinta que contém um metal tóxico (se, em alta concentração) podia fazer bem aos egípcios. Atualmente a utilização de medicamentos à base de chumbo é totalmente proscrita, devido à toxicidade de compostos de chumbo.

Exemplificando de um modo bem simples, o íon Pb2+ reage com vários tipos diferentes de moléculas biológicas em nosso corpo, tal como, as proteínas, que naturalmente estão associadas a outros íons divalentes (Ca2+, Zn2+, Fe2+ etc.). Uma vez associado a estas biomoléculas, o íon Pb2+ altera suas funções e origina novas espécies pouco solúveis em água. Este fato explica a toxidez de substâncias com chumbo.

Sabe-se que os habitantes antigos do Egito possuíam sua própria tecnologia, que por mérito, muito avançada pra época; a tinham conectada com a religião, costumo falar que eram indissolúveis. As cores mais manipuladas na maquiagem eram o preto, azul e o verde. Sabem aquele estilo de "olho de gatinho", "olho puxado"? Pois bem, foi influência [direta] egipciana. Eles utilizavam o "Pó de Khol" - um pigmento preto elaborado por uma mistura de mineral, carvão e cinzas (adendo: aqui já se encontravam nanopartículas!) - usado para contornar olhos e escurecer/corrigir os pelos das sobrancelhas. Mulheres e homens ficavam mais atraentes com a maquiagem, realçava a beleza e denotava o poder dos cargos (hierarquia) no Egito. Quanto mais alto era o cargo ocupado, mais "carregada" era a maquiagem (lembrem de Cleópatra!). O contorno nos olhos também estava atrelado à proteção de doenças oculares, protegendo dos raios solares agressivos.

Muito além dos faraós, das pirâmides, dos sarcófagos, do processo de mumificação, os antigos egípcios eram pesquisadores natos, químicos a mancheias que faziam uso de conhecimentos empíricos, o que nos rendeu uma bela história, grande legado e admiração por uma civilização que fora meramente empreendedora em todas as áreas. 

 

 

Elizabeth Taylor (1932 - 2011) interpretando Cleópatra (1963). Foto: Getty Images

 

*Ícaro Mota Oliveira 
Doutor em Ciências pela Universidade Federal de Alagoas (UFAL). 
Mestre em Química pela Universidade Federal de Sergipe (UFS). 
Graduado em Química Licenciatura pela Universidade Federal de Sergipe (UFS). 
É membro colaborador do Ciência Brasileira é de Qualidade (@ciencia.brasileira), do QuiCiência (@quicienciaiqb) (IQB/UFAL), da Usina Ciência da Pró-Reitoria de Extensão (PROEX/UFAL).
Contato: icaro.mio@hotmail.com

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