Projeto de Angelo Coronel quer liquidar dívida de produtores de cacau da Bahia

Senador defende que cacauicultores prejudicados pela praga conhecida como vassoura-de-bruxa  sejam socorridos para depois gerar mais impostos ao governo

Por Bruno Brito
06/04/2024 às 08h20
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Foto: Shutterstock
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O senador Angelo Coronel (PSD-BA) apresentou, no fim de fevereiro, o Projeto de Lei (PL) 479/2024 que institui o Novo Programa de Reestruturação da Região Cacaueira da Bahia. Denominado 'Renova Cacau', o PL extingue as dívidas dos produtores de cacau no estado. O texto está em tramitação e deve ser terminativo nas comissões - ou seja, se aprovado nos colegiados, não precisa ir a plenário.

De acordo com o senador baiano, os débitos giram entre R$ 33,6 milhões e R$ 87 milhões, e ocorrem porque os produtores pegaram empréstimos com o objetivo de combater a doença conhecida como vassoura-de-bruxa, que atacou as lavouras da região nos anos 1980.

"O projeto é terminativo nas comissões, por isso é um trâmite bem rápido. Nosso objetivo com isso é fazer justiça, pois quando a vassoura-de-bruxa foi introduzida em 1985, aproximadamente, foi um ato criminoso para tirar a Bahia da liderança nacional da produção do melhor cacau do mundo. Hoje, em qualquer lugar do mundo, é sabido que o cacau da Bahia é o que proporciona o melhor chocolate", afirmou o senador. 

Segundo Coronel, dívidas de produtores giram entre R$ 33,6 milhões e R$ 87 milhões | Foto: Divulgação

Na justificativa do projeto, Coronel lembrou que foi lançado um programa de recuperação da lavoura, mas, segundo ele, as escolhas técnicas e tecnológicas oferecidas pelos órgãos técnicos da  época não resolveram o problema e provocaram enorme endividamento dos produtores.

"Foi criado um programa de recuperação da lavoura, que, ao invés de recuperar, prejudicou. Porque a vassoura-de-bruxa atacou as partes tenras da árvore do cacau, com isso a produção em uma lavoura doente quase chega a zero. Então, essa remissão da dívida dos cacauicultores que foram geradas de 1995 para cá, ou seja, pós-vassoura-de-bruxa, tem que ter um apoio, uma 'mão amiga' do governo para que seja feita uma anistia", defendeu. 

Conforme o projeto de Angelo Coronel, o Ministério da Agricultura precisa fomentar o setor, com investimentos em tecnologia, fortalecimento dos órgãos técnicos, como a própria Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (Ceplac), além de abrir diálogo constante com os produtores de cacau.

Na época, a tentativa de resposta à vassoura-de-bruxa foi encabeçada pela Ceplac, mas não houve êxito. Segundo o senador, o objetivo agora é dar um 'remédio' que cure a doença, e não mais um paliativo.

"Não adianta a gente apenas fortalecer a Ceplac, já que os agricultores não têm como chegar aos bancos, porque estão endividados. Eu não quero o perdão de quem contraiu dívida ontem, eu quero a remissão de quem foi atingido desde 95, quando a Ceplac introduziu o programa de recuperação e não foi à frente - pelo contrário, piorou a situação", pontuou.

Com o perdão das dívidas, Coronel acredita que será aberto um espaço para que os bancos possam emprestar novos recursos aos produtores.

"E se tiver uma Ceplac forte, você vai ter novas espécies de cacau e o controle de pragas com mais eficiência. Uma renovação da lavoura cacaueira, trazendo inclusive tecnologia de fora, em que o controle de pragas já é sucesso. Com o projeto, pedimos a anistia dessa dívida. E quando o agricultor começar a tomar novos financiamentos para poder aplicar na sua lavoura, vai aumentar a produção e consequentemente aumentar a arrecadação de impostos. Então, o governo dá a 'mão amiga' hoje, mas vai colher no futuro esses impostos oriundos da elevação da produção do cacau brasileiro", ressaltou.

Cacauicultores elogiam iniciativa

A iniciativa do senador é bem vista pelos produtores, conforme revelou a presidente da Associação Nacional dos Produtores de Cacau (ANPC), Vanuza Lima Barroso. De acordo com ela, o PL vai promover a anistia sobre uma dívida "injusta" e "ilegal". 

"Nós temos, na Bahia, quase 100 municípios produtores de cacau. Então, imagina esses produtores espalhados por esses municípios. Imagina o estrago que foi feito lá atrás e que traz consequências, até hoje, nas regiões produtoras de cacau. Muita violência, muito êxodo rural, as cidades se tornaram favelas, muita pobreza, muita diminuição de emprego. Isso tudo foi de acordo com o problema da vassoura-de-bruxa. Então, com toda certeza, haverá aí um efeito de justiça com esse projeto de lei. Que nada mais justo do que anistiar os produtores de cacau, devedores que não conseguiram pagar este débito", afirmou. 

Para Vanuza, PL terá "efeito de justiça" para os produtores | Foto: Arquivo Pessoal

Ao falar sobre a praga que assolou as plantações, Vanuza lembrou que os órgãos não estavam preparados para enfrentar a vassoura-de-bruxa.

"Não tinha técnica e não tinha antídoto para se combater. Na verdade, até hoje não tem. Não existe ainda um fungicida que a gente coloca para combater. Mas o que existe hoje? Hoje, nós aprendemos a conviver com ela [vassoura-de-bruxa]. Nós sabemos fazer um manejo adequado. Hoje nós conseguimos, através da Ceplac, clones que são resistentes à vassoura-de-bruxa. E naquela época, não existia", explicou. 

Em função disso, o pacote tecnológico lançado na época não foi eficaz contra a vassoura-de-bruxa. Esta questão, aliada aos empréstimos solicitados pelos produtores na tentativa de combater a praga, foram responsáveis por causar problemas aos cacauicultores.

"O produtor de cacau, além de estar com a vassoura-de-bruxa, que ele não sabia tratar, ainda foi obrigado a pegar um empréstimo para combater uma doença que não era de responsabilidade dele, era uma doença exótica, uma doença que deveria ser combatida pelo Estado brasileiro, pelo governo federal da época. E esse pacote tecnológico não funcionou. E aí vêm as dívidas, vem o endividamento bancário, vem a falta de crédito, vem toda uma problemática", pontuou.

Por conta deste quadro, a presidente da ANPC acredita que o PL de Coronel permitirá que os produtores possam "tocar a vida" novamente, inclusive, com a possibilidade de investir em suas propriedades e lavouras.

"E quem não quiser vai vender. E com isso, a economia de toda uma região vai se mobilizar, vai crescer e vai andar, afinal de contas ninguém vai pagar essa dívida. Tudo isso já está ajuizado, mas com a Justiça muito lenta, está lá em primeira, segunda, terceira instâncias, alguns processos mais adiantados, mas está todo mundo na Justiça ainda, e já se passaram três décadas praticamente. Esse PL é tudo que a região precisa para poder se desenvolver, poder gerar empregos, gerar renda, para poder diminuir a violência - é uma região extremamente violenta - e fazer justiça com o produtor de cacau. Muitos deles já morreram, hoje não tem mais esses débitos, mas estão na mão dos filhos", pontuou.

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