Urbanista critica soluções para a mobilidade de Salvador: "Rede desconectada das verdadeiras necessidades"

Ao Portal M!, Laís Matos defendeu que os projetos devem estar focados nas pessoas

Por Bruno Brito
29/03/2024 às 19h00
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Foto: Jefferson Peixoto/Secom PMS
Foto: Jefferson Peixoto/Secom PMS

Salvador chega aos 475 anos enfrentando diversos obstáculos em relação à mobilidade urbana. Na capital baiana, assim como em outras cidades, o dia a dia é marcado por congestionamentos frequentes e sistemas de transporte público deficitários, que são alvos de críticas constantes dos usuários.

Diante deste cenário, a arquiteta e urbanista Laís Matos, coordenadora do Curso de Arquitetura e Urbanismo da UniRuy Wyden, criticou as soluções encontradas para a mobilidade de Salvador e afirmou se tratar de uma "rede desconectada das verdadeiras necessidades".

"Na prática, o que vemos hoje sendo implantada como principal 'solução' para a mobilidade em Salvador é uma rede desconectada das verdadeiras necessidades de quem, de fato, depende diariamente do transporte público. 'Mobilidade para quem?', esse é o nosso grande questionamento ao assistir o avanço das obras do BRT ou o encerramento das atividades da malha ferroviária do Subúrbio, para a consolidação de um projeto de VLT também polêmico, que deixou a população suburbana desprovida da linha férrea na região", afirmou, em entrevista ao Portal M!.

Outra crítica feita pela especialista e quanto às intervenções feitas sob a ótica de promover a "melhoria" da mobilidade, como a criação de vias expressas e elevados. "Configurando uma selva de concreto que prioriza os veículos particulares, e desconsiderando um estudo aprofundado que pudesse garantir aos pedestres condições dignas de caminhabilidade ou segurança aos ciclistas nos seus percursos", refletiu. 

Como resultado desse processo, Laís listou a "destruição de árvores frondosas", assim como o "tamponamento de rios" e a "diminuição de áreas verdes", que é responsável por promover uma "assustadora modificação da paisagem soteropolitana".

"Desrespeita profundamente o meio ambiente em tempos de aquecimento global, quando grandes cidades fazem movimentos reversos em todo o mundo", apontou. 

Iniciativas importantes

A especialista observou a ausência de áreas livres e acessíveis, bem como de espaços de lazer, cultura e acolhimento, e de conexão com a natureza. Segundo ela, estes locais são necessários para a criação de relações de pertencimento com a população no seu entorno, além de oferecer "recursos para absorver os constantes alagamentos provocados pelas chuvas", promovendo um "deslocamento entre pontos que façam sentido para a dinâmica real das pessoas". 

"O impacto visual dos elevados não poderia ser substituído pela instalação de mergulhões nas avenidas, mantendo o pedestre no nível da rua e desviando a alta velocidade dos veículos? As diversas passarelas que obrigam o pedestre a percorrer caminhos mais longos são excelentes soluções quando precisamos vencer desníveis presentes na topografia urbana, mas será que sua aplicação em larga escala, como solução principal de travessia para a população nas grandes avenidas, é a melhor? 'Melhor para quem?'", indagou. 

Por fim, a urbanista ressaltou que os responsáveis por protagonizarem e dar vida à cidade são as pessoas, e portanto, os projetos de mobilidade, devem estar focadas nelas. "Cidades verdes, saudáveis, que valorizam o seu patrimônio cultural e que são feitas para a coletividade, com soluções pautadas na experiência e na escala humana. É isso que esperamos de Salvador", concluiu.

Crescimento exponencial da frota de veículos é 'gargalo'

Ao Portal M!, o titular da Secretaria Municipal de Mobilidade (Semob), Fabrizzio Muller, explicou que o crescimento exponencial da frota de veículos representa o principal gargalo enfrentado nos grandes centros urbanos.

"Eu diria que é [problema] dos grandes centros urbanos o crescimento exponencial da frota de veículos privados individuais nos últimos anos. Eu diria que Salvador teve um crescimento da sua frota em 20 anos de três vezes, saindo de 350 mil veículos aproximadamente no ano 2000 para mais de 1 milhão de veículos em 2021. Então, isso demonstra que as cidades vêm crescendo sua frota de veículos privados de forma exponencial. E evidentemente que isso traz consequências ruins para a mobilidade. O sistema viário de uma cidade é finito, não acompanha da mesma forma esse crescimento da frota. Então isso traz dificuldades para todas as capitais, para todas as grandes cidades", pontuou.

Em Salvador, Muller detalhou as ações que estão sendo implementadas na tentativa de solucionar esses problemas e promover uma mobilidade mais eficiente. Dentre as iniciativas, estão o fortalecimento do transporte público, a implementação do BRT e o planejamento urbano. Conforme o secretário, o objetivo é promover mudanças não apenas no transporte individual, mas também coletivo.

"Nos projetos de fortalecimento e melhoria do transporte público coletivo, passa pela renovação da frota. Nos últimos dois anos, nós renovamos 20% da frota de transporte público coletivo. [Temos] a implementação do novo sistema, o BRT, que já vem trazendo resultados extremamente positivos. No próximo mês, a gente está entregando a fase final até a Estação da Lapa, que vai dar ainda mais mobilidade para essa região da cidade em que está sendo implementada, a região da Vasco da Gama, Lapa, região da Avenida Juracy Magalhães, Lucaia, atendendo ali o complexo Nordeste de Amaralina, Santa Cruz, Vale das Pedrinhas", explicou.

Já no campo do planejamento urbano, o titular da Semob ressaltou que estão sendo preparados diveros projetos de melhorias viárias. "Para que a gente possa também ter soluções impactantes no sistema viário da cidade, melhorando não só o transporte individual, mas principalmente o transporte coletivo".

Na avaliação de Muller, a melhoria do transporte público coletivo é o caminho para uma solução "consistente" e "perene" ao problema da mobilidade. "Melhoria do nível de serviço, diminuição do tempo de espera, diminuição do tempo de viagem, isso estimula as pessoas a utilizarem o transporte público coletivo, diminuindo o número de veículos na via. Então isso é algo que já se sabe", enfatizou.

Muller também lembrou de obras realizadas em Salvador, que são importantes na busca por uma melhor mobilidade. Segundo ele, intervenções como o mergulho da Tancredo Neves, a duplicação da via sobre o Rio Camarajipe, assim como as intervenções promovidas em Cajazeiras, como a ligação da Cajazeiras 5 com a Cajazeiras 8, trouxeram soluções para problemas crônicos da capital.

"São melhorias que nós sabemos que são pontuais, que, ao longo do tempo, com o crescimento da frota, não resultam em solução definitiva. Então, o importante para todos os grandes centros urbanos é o investimento no transporte público, vias exclusivas, como Salvador vem fazendo. Sistemas de BRT, outros sistemas de transporte coletivo de grande capacidade, o metrô tem importância fundamental, o sistema de transporte urbano, através dos ônibus, que vem sendo recuperado ao longo dos últimos anos, tem importância também relevante para a melhoria da mobilidade. Eu diria que, de fato, a melhoria da mobilidade passa pela boa prestação, pelo bom trabalho, pela infraestrutura criada pelo município, para a melhoria do transporte público coletivo", destacou.

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