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Quiabo caro ou baiano perdendo a fé? Entenda por que você ainda não recebeu convite para o caruru de Cosme e Damião

Celebrada em 27 de setembro, data na Bahia tem como tradição a oferta do prato feito com quiabo 

Na Bahia, a chegada do mês de setembro, em que se festeja São Cosme e São Damião, representa o início da temporada dos tradicionais carurus. Para os devotos é grande a expectativa para a chegada dos dias 26 e 27 de setembro, quando a farta mesa é montada em homenagem ao santos gêmeos. 

Entre os tradicionais carurus da capital baiana, está o da Organização do Auxílio Fraterno (OAF). Idealizado pela advogada Sara Kelmer, ele acontece há oito anos, acompanhado de uma festa infantil, em homenagem a São Cosme e São Damião. 

“O caruru solidário oferecido na Instituição OAF, que acolhe crianças órfãs ou em situação de risco, é uma promessa firmada desde 2015, embora não tenha preceito religioso, existe um respeito ritualístico que não se pode servir bebidas alcoólicas e nem aplicar pimenta no prato”, contou Sara.

Segundo a advogada, que custeia a festa com recursos próprios, o evento conta com cenário infantil ou temático, brinquedos, banda musical ou DJ’s, além de presentes, o tradicional caruru, entradas, doces e lembranças. “A única coisa que sugiro aos meus convidados, que normalmente são amigos próximos e colegas do judiciário, para que levem latas de leite para doarmos à instituição”, conta. De acordo com Sara, anualmente, cerca de 300 latas são entregues.

Para este ano, Sara revelou que o caruru já está sendo programado. “Estamos em fase de alinhamento com a instituição a respeito dos moldes da realização e número de participantes”, contou.

A advogada Sara Kelmer oferece o tracional caruru na OAF desde 2015 | Foto: Acervo Pessoal

Tradição

Apesar de ainda ser uma forte tradição em Salvador, a oferta de carurus têm sido menor ano após ano. Perguntada sobre esse cenário, Sara Kelmer acredita que a redução é imposta por fatores financeiros. Os insumos dos quitutes estão cada dia mais caros. Ela, no entanto, também lembrou que, por se tratar de uma oferenda relacionada à religiões de matriz africana, a festa pode estar passando por uma “abnegação”.

“Considero que o fator mais relevante que responda a essa constatação, deva-se à dificuldade econômica, haja visto que a matéria prima é onerosa. Entretanto, não desacredito que por ser uma oferenda relacionada à religiões de matriz africana sincretizada com o catolicismo, esteja passando por abnegação imposta pela intolerância religiosa e pelo preconceito de parte da sociedade, sobretudo por ser comida de ‘azeite'”, disse.

Os Santos homenageados

Na história, os irmãos gêmeos, Cosme e Damião, ficaram conhecidos porque curavam as pessoas sem cobrar nenhum dinheiro, além de distribuírem doces às crianças doentes, como forma de amenizar a tristeza delas, fato que levou a serem considerados protetores das crianças.

Nas religiões de matriz africana, os gêmeos são conhecidos como os orixás Ibejis, filhos gêmeos de Xangô e Iansã. Tradicionalmente, os devotos dos Ibejis, costumam fazer caruru, além da tradicional pipoca. O conhecido como o “caruru dos sete meninos”, é oferecido às crianças que comem de mão e no mesmo prato.

Para Sara, o sincretismo que envolve a oferta dos carurus é um dos fatores que reforçam a beleza da cultura baiana. Para ela, o preparo e a oferenda dos carurus, doces e brinquedos no mês de setembro é importante nos aspectos econômicos, culturais e religiosos.

“No econômico, por movimentar a economia local gerando renda, ainda que sejam preços superfaturados devido a demanda da época. No aspecto cultural, por ser possível reviver a tradição e recordar nossas raizes de matriz africana. E no aspecto religioso, por fortalecer a fé e esperança, o sentimento de gratidão, caridade e principalmente, transmutando as energias de forma positiva e renovada”, enfatizou.

Caruru profissional

A manutenção da tradicional oferta de carurus também foi defendida por Márcia Sentges, sócia proprietária da Temperê, que comercializa o prato via delivery, assim como através de buffet para eventos. Na avaliação de Márcia, a elevação dos preços de alimentos podem contribuir para diminuir o tamanho da festa, mas não é capaz de levar à sua extinção.

 “A tradição das festas de promessa na nossa cidade é forte e de muita fé. Percebemos nos últimos meses uma estabilização nos preços de alimentos de forma geral, mas é inevitável os aumentos dos insumos do caruru nas proximidades das festas, portanto, cuidamos de fazer um bom estoque para garantir bons preços para nossos clientes”, contou.

Márcia e Denise da Temperê fazem buffet de caruru na Semana Santa, Santa Bárbara e para celebrar Cosme e Damião 

Recebendo encomendas dos tradicionais carurus há 15 anos, o Temperê também oferta o prato na Semana Santa e nos festejos de Santa Bárbara, em dezembro. “Além do caruru completo, também oferecemos cardápio variado para eventos particulares ou institucionais”, contou.

Perguntada se a procura pelo prato aumentou ou diminuiu em relação ao período pré-pandemia, Márcia contou que durante a pandemia, apesar da redução dos eventos, houve muitos período através do delivery. No entanto, ela revelou que a procura tem aumentado de forma significativa desde o ano passado.

“No ano passado, após a pandemia, já observamos um aumento na procura de caruru para festejos tradicionais, e esse ano já observamos aumento significativo em comparação ao ano passado, seguramente em torno de 80%. Nesses períodos aproveitamos para melhorar o faturamento e estabilizar o caixa da empresa”, disse Márcia, que dirige a Temperê ao lado da sua sócia, Denise Ramos.

A empresa oferece a refeição completa, no serviço de buffet,  além de opções com 1,2 kg e de 2,2 kg para entrega em domicílio. Em todas as opções, são oferecidos: caruru, vatapá, xinxim de frango, arroz, farofa de azeite, banana frita e feijão fradinho.

Insumos do prato típico sobem de preço nesta época do ano

Já comparou os preços?

Quem faz o caruru por devoção ou para ganhar dinheiro sofrem com um mesmo fato:  a elevação dos preços dos insumos às vésperas do dia dos santos gêmeos. Em Salvador, o preço dos ingredientes tem variado nas principais feiras e mercados de alimentos.

Na Feira das Sete Portas, o quilo do camarão seco está custando a partir de R$50,00, o cento do quiabo está de R$14,00, o quilo do amendoim torrado está de R$15,00, enquanto as castanhas quebradas custam R$50,00 e as inteiras R$60,00. Há também o azeite de dendê, cujo litro está na faixa dos R$12,00. O quilo do gengibre está R$15,00, enquanto o litro do leite de coco custa R$7,00.

No Mercado do Rio Vermelho, a castanha quebrada custa R$60,00 o quilo, o amendoim torrado descascado está de R$23,00, o litro do azeite de dendê de pilão custa cerca de R$35,00, enquanto a garrafinha de 500ml do leite de coco, está custando R$20,00. Já o camarão seco defumado e sem corante está custando R$75,00 o quilo.

Na Feira de São Joaquim, o quiabo está sendo negociado a R$ 15 o quilo, enquanto a cebola pode ser encontrada por até R$ 4. Já o tomate, que teve uma leve alta, é vendido a R$ 6, mesmo preço do pimentão. A banana da terra pode ser encontrada por cerca de R$ 12. Azeite e leite de coco estão sendo vendidos a R$ 10 e R$ 8, respectivamente o litro.

Com a oscilação dos preços, é difícil estipular o valor a ser investido em um caruru completo. Segundo a advogada Sara Kelmer, a oferta do tradicional prato na OAF teve início com um valor médio de R$ 5 mil, no entanto, já houveram anos em que os gastos atingiram a casa dos R$ 18 mil e anos em que ficaram em R$ 3 mil. De acordo com ela, outro fator determinante é a quantidade de crianças que serão servidas naquele ano.

“Com a graça de Deus e dos Santos homenageados, o valor investido para a realização do Caruru cresce exponencialmente a cada ano à medida que as bençãos se consolidam em minha vida. O que importa é manter a tradição viva e a promessa incólume, no cerne da missão que é fazer as crianças sorrirem, contagiando os amigos e colegas. Infelizmente, é notável a diminuição dos festejos religiosos que oferecem principalmente o caruru, já que não é barato”. 

 

 

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