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Denúncias contra Silvio Almeida reforçam importância da palavra da vítima em casos de assédio sexual

Silvio Almeida
Advogada explica como o sistema jurídico brasileiro protege pessoas nessa situação e a importância do sigilo

Uma mulher de prestígio na sociedade, que ocupa lugar de poder, foi alvo de constrangimentos e importunações por parte de um colega, que também desempenhava função similar. Eles se conheceram no final de 2022 e, desde o início de 2023, o homem desvirtuou conversas descontraídas e as converteu em investidas de caráter sexual.

O caso em questão é o da ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, que denunciou o ex-ministro de Direitos Humanos e Cidadania, Silvio Almeida, por assédio sexual. Segundo a ministra, Almeida fazia elogios inconvenientes, sussurrava fantasias eróticas nos seus ouvidos e chegou a passar a mão entre suas pernas. O Portal M! ouviu a advogada Renata Deiró, presidente da Comissão de Direitos da Mulher da OAB-BA, que reforçou a importância da palavra da vítima para responsabilizar autores de assédio sexual.

A denúncia de Anielle foi feita à Me Too Brasil, ONG de defesa das mulheres vítimas de violência sexual. Além da ministra, a organização recebeu também outras queixas ligadas ao mesmo ministro. A Me Too Brasil informou que ofereceu acolhimento psicológico e jurídico às vítimas.

A ONG frisou que a denúncia é o primeiro passo para responsabilizar judicialmente um agressor, “demonstrando que ninguém está acima da lei, independentemente de sua posição social, econômica ou política”. A Me Too lamentou ainda que casos de violência sexual envolvendo agressores em posições de poder ocorrem com frequência.

“Denunciar um agressor em posição de poder ajuda a quebrar o ciclo de impunidade que muitas vezes os protege. A denúncia pública expõe comportamentos abusivos que, por vezes, são acobertados por instituições ou redes de influência”, frisou a ONG.

Palavra da vítima de assédio sexual vale, e muito!

A advogada Renata Deiró, especializada no atendimento de mulheres no direito de família e violência doméstica, que atua sob a perspectiva de gênero e raça, explica que o ordenamento jurídico brasileiro já consagrou a palavra da vítima como prova suficiente em casos de violência contra a mulher, incluindo assédio moral e sexual.

Segundo ela, apesar da importância de provas materiais, a palavra da vítima tem um peso relevante em crimes de conotação sexual, no quais o agressor, muitas vezes, age de forma dissimulada, sem a presença de testemunhas, o que dificulta a obtenção de outras evidências.

“A própria Lei Maria da Penha traz no seu conteúdo essa descrição, que a palavra da vítima é prova suficiente. Nos casos que não dizem respeito à Lei Maria da Penha, aplica-se de forma análoga”, explicou a advogada, em entrevista ao Portal M!.

Renata frisa que provas materiais também são importantes, mas nem sempre é possível obtê-las. “Os crimes de conotação sexual, os crimes de assédio, os crimes de assédio moral, os agressores procuram cometer de forma privada, quando ninguém está ouvindo, quando está sozinho com a vítima, ou de forma dissimulada, dando aquela conotação de brincadeira ou de uma intimidade que, na verdade, não existe”, explica.

Um dos maiores desafios enfrentados pelas vítimas de assédio sexual, de acordo com Renata, é o julgamento social. Em casos em que o agressor tem prestígio ou poder econômico elevado, as vítimas temem ser desacreditadas, o que reflete a sociedade machista e patriarcal.

As mulheres frequentemente questionam a validade de suas próprias experiências devido ao preconceito social, o que agrava ainda mais o sofrimento psicológico e emocional.

Renata também destaca que o número de denúncias de assédio em órgãos públicos federais ultrapassa 790 casos, o que reflete uma cultura enraizada que precisa ser enfrentada. Em termos de punição, a advogada explicou que o crime de assédio sexual, previsto no artigo 216-A do Código Penal, pode resultar em até três anos de reclusão, enquanto o crime de importunação sexual, que não exige hierarquia entre agressor e vítima, é tipificado no artigo 217.

Um exemplo de condenação por crimes sexuais é o caso de João de Deus, médium que foi condenado a mais de 110 anos de prisão por abuso sexual cometido contra centenas de mulheres durante suas sessões espirituais.

Entretanto, no Brasil, ninguém pode ficar preso por mais de 30 anos. “Existem vários esquemas de progressão da pena, você pode remir a pena pelo trabalho, pode cumprir parte da pena no regime aberto, fechado, semiaberto. Tem uma série de questões aí que podem implicar”, explica a advogada.

Como proceder em caso de assédio sexual?

Para mulheres que sofreram assédio, é possível buscar ajuda tanto em delegacia territorial – não se trata das especializadas no atendimento à mulher (DEAMs), que são para crimes de violência doméstica e familiar – , quanto na Justiça e em órgãos de classe, que devem ter advogados para auxiliar.

“Aqui na Bahia, nós temos a Ouvidoria Geral do Estado, que recebe denúncias de assédio das servidoras, trata, encaminha, independentemente dos impactos da Justiça e o desenrolar na esfera criminal. O agressor, além de responder criminalmente, pode ser afastado do serviço, pode responder processo administrativo disciplinar, pode receber alguma punição funcional, perder o cargo, ser afastado, tem uma série de medidas”, explica Renata.

“A mulher deve registrar um boletim de ocorrência de imediato, procurar o seu órgão de classe e procurar também os meios internos de empresas e cada órgão para fazer a denúncia. E sempre se orientar com a advogada de sua confiança”, recomenda.

Direito ao anonimato em caso de assédio sexual

Nas ações criminais, as vítimas podem solicitar que o processo seja mantido em sigilo, o que significa que apenas as partes envolvidas e seus advogados terão acesso às informações. No entanto, o anonimato não é permitido em ações criminais, já que a vítima precisa se identificar para que o caso tenha andamento judicial.

O sigilo protege a privacidade, mas o anonimato, que ocorre em canais como disk denúncia, permite apenas uma verificação preliminar dos fatos, sem gerar desdobramentos criminais formais. Já nas ações civis e trabalhistas, a vítima pode solicitar o anonimato e é possível também buscar indenizações por danos morais.

“Nas ações criminais, não cabe o anonimato, mas sim o sigilo, onde apenas as partes e seus advogados têm acesso às informações. Em casos de denúncia anônima, como em ouvidorias de empresas, a verossimilhança é verificada, mas, para desdobramentos criminais ou civis, a identificação da vítima é necessária. Além disso, ela pode buscar indenização por danos morais, independentemente do resultado na Justiça trabalhista ou criminal”, pontua Deiró.

A advogada alerta que a Justiça precisa observar o protocolo para julgamento sob perspectiva de gênero e raça Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que é obrigatório.

“Quando o juiz for analisar um processo que envolve um crime contra uma mulher, ele tem que levar em consideração a história de como é a relação entre homens e mulheres no Brasil. A história do machismo, a história da hipossuficiência das mulheres, que normalmente têm menos recursos, menos acesso a meios de denúncia”, completa.

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Tânia Rêgo/Agência Brasil