Tem gerado questionamentos entre profissionais da saúde a inclusão de alimentos prejudiciais, como bebidas açucaradas e alcoólicas, no Imposto Seletivo, também chamado de ‘Imposto do Pecado’, presente na proposta de regulamentação da Reforma Tributária (PLP 68/2024) aprovada na Câmara dos Deputados. Isso porque, embora o objetivo seja frear o consumo através da maior tributação, especialistas alertam que a medida não será eficaz se não vier acompanhada de ações complementares, como campanhas educativas e de suporte às pessoas que desejam alterar seus hábitos alimentares.
A nutricionista Juliana Nascimento disse que aumentar a incidência de impostos sobre produtos como cigarro, açúcar e álcool é uma estratégia utilizada por governos para desincentivar o consumo. A abordagem, conhecida como taxação de produtos nocivos (ou sin taxes), pode até ser eficaz em alguns casos, mas essa eficiência está condicionada a diversos fatores, como a elasticidade da demanda, alternativas disponíveis, educação e conscientização, além do apoio aos programas de tratamento.
“Produtos com alta elasticidade de demanda veem uma redução significativa no consumo quando o preço aumenta. No entanto, produtos com baixa elasticidade, como o cigarro, podem não apresentar uma redução tão expressiva no consumo, pois os consumidores podem estar dispostos a pagar mais devido à dependência”, explicou.
Já com relação às alternativas, Juliana pontuou que se houver alternativas mais baratas e saudáveis disponíveis, as pessoas podem ficar mais propensas a mudar seus hábitos de consumo.
A especialista alerta ainda que apenas o aumento dos impostos pode não ser suficiente se não houver uma campanha educativa paralela. “A conscientização sobre os riscos à saúde associados ao consumo desses produtos é essencial para motivar mudanças de comportamento e níveis de consciência”, disse.
O apoio aos programas de tratamento para produtos que causam dependência, como cigarro e álcool, também é um importante demanda, segundo a nutricionista. “É crucial fornecer apoio para programas de tratamento e cessação, pois o aumento de preços sozinho pode não ser suficiente para ajudar as pessoas a parar”, reforça.
Da mesma forma, a nutricionista Thayane Fraga, do Núcleo de Transtornos Alimentares da clínica Holiste, enfatizou ser consenso na literatura científica que o consumo excessivo de açúcar pode trazer prejuízos à saúde. Apesar disso, ela alerta não existir embasamento ou dados suficientes para “afirmar que o açúcar é viciante assim como outras substâncias, e por isso, ainda são necessários muitos estudos que investiguem essa hipótese em humanos”.
Por conta disso, e visando a redução efetiva do consumo excessivo de açúcar, Thayane defende a necessidade de medidas que facilitem a implementação de uma alimentação saudável e adequada.
“No entanto, o aumento dos impostos não assegura a melhoria no consumo de alimentos naturais, é necessário ir além. As políticas públicas precisam ser direcionadas à garantia ao acesso aos alimentos nutritivos, assim como ao aumento da conscientização sobre a importância destes para uma boa qualidade de vida”, ressaltou.
Alimentos ultraprocessados de fora do Imposto
A ausência dos alimentos ultraprocessados do ‘Imposto do Pecado’ também tem gerado questionamentos, visto que os produtos são igualmente prejudiciais à saúde. Para Thayane, é necessário “ampliar o olhar” sobre essa questão, inclusive entendendo como o poder de compra da grande maioria dos brasileiros possibilita a escolha por alimentos nutricionalmente adequados.
“Ainda existe uma grande limitação ao acesso à alimentação saudável. Portanto, não seria mais efetivo desenvolver medidas que incentivem a produção, o acesso e o poder de compra dos alimentos in natura e minimamente processados?”, questionou.
A nutricionista Juliana Nascimento, por sua vez, acredita que não deve ser excluída a intensificação de estratégias educacionais efetivas, inclusive enfatizando a atenção aos malefícios desses produtos para saúde.
“Talvez sejam critérios mais importantes do que apenas aumentar a taxa de imposto para o consumo deles. Vale ressaltar que são alimentos que apresentam inúmeros produtos prejudiciais à saúde como os aditivos químicos, além do baixo teor da composição nutricional preservada para, de fato, nutrir e promover saúde, longevidade e vitalidade. Alguns critérios podem ser considerados para que sejam formulados projetos informativos, educativos e inclusivo na saúde pública, para com o consumo de alimentos processados e ultraprocessados”, apontou.
Entre as sugestões da profissional, estão o critério de seleção, que informaria quais produtos devem constar na lista baseada em evidências de saúde pública e no impacto comprovado sobre o aumento de doenças crônicas, como obesidade, diabetes e enfermidades cardiovasculares.
“Produtos como refrigerantes e bebidas gaseificadas, sucos e bebidas de caixinha, e energéticos são conhecidos por terem alto teor de açúcar e poucos nutrientes, o que justifica a complexidade das consequências descritas”, alertou.
Há ainda o critério da complexidade dos alimentos ultraprocessados, que são uma categoria ampla que inclui uma variedade de produtos, muitos dos quais também são ricos em açúcares, gorduras trans e sódio. “A taxação desses produtos pode ser mais complexa devido à diversidade de itens e à necessidade de definir critérios claros para o que constitui um ‘ultraprocessado'”, explica.
Há ainda a preocupação com os efeitos de longo prazo, visando reduzir a prevalência de doenças relacionadas à dieta. “No entanto, é importante que essa medida seja acompanhada de políticas que promovam o acesso a alimentos frescos e nutritivos, além de programas educativos sobre alimentação saudável”, defende.
Outro ponto é a consideração das evidências e das políticas de saúde pública. “Incluir alimentos ultraprocessados na lista de produtos com maior imposto poderia ser uma extensão lógica e benéfica para as políticas de saúde pública. No entanto, é crucial que essa abordagem seja cuidadosamente planejada e implementada, principalmente no âmbito educacional. Este sim, é principal e fundamental fator para mudar o nível de consciência com relação ao estilo de vida e hábitos alimentares”, destacou.
Psicóloga alerta para malefícios da compulsão por produtos como comida, bebida e cigarro
A preocupação em torno da tributação e de um eventual majoração de preços destes produtos está relacionada às pessoas que, eventualmente, podem possuir vícios e apresentar dificuldades para abandonar determinados hábitos.
Conforme a psicóloga Bárbara Santos, coordenadora do Núcleo de Transtornos Alimentares da Holiste Psiquiatria, em casos de compulsão ou vício, seja de comida, bebida, cigarro, jogos ou drogas, é preciso existir a investigação da relação que cada individuo estabelece com o seu objeto de compulsão.
“Uma vez que essa compulsão está adoecendo essa pessoa não é necessariamente o valor (preço) que vai servir de freio, como tanto vemos nos consultórios, internações e outros espaços de tratamento”, alertou.
Segundo a profissional, o que deve ser observado é como a compulsão se torna um transtorno na vida do individuo, já que ele não consegue controlar o consumo, além de se sentir “dominado pela busca do objeto”.
“É uma busca desenfreada, onde em vários momentos da nossa história, medidas do estado não foram bem sucedidas em criar barreiras. As pessoas sempre encontraram formas de acesso os objetos. É, no entanto, bem importante tornar acessível as informações, as indicações e contraindicações de uso, recursos que eduquem e levem a melhores escolhas individuais”.
Por conta deste quadro e visando uma melhor oferta de espaços para auxiliar estas pessoas, a psicóloga pontua a necessidade de se observar uma eventual falta de autorregulação. “E ser ofertada a ajuda necessária, para que cada um possa encontrar lugares de tratamento onde possam retomar uma vida mais autônoma e funcional”, concluiu.
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