ARTIGO: Relacionamentos em quarentena*

Por Sergio Manzione*
10/04/2020 às 07h40
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Foto: Divulgação
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O isolamento social provocado pela ameaça do novo coronavirus fez as pessoas conviverem mais, o que nem sempre é agradável. Muitos casais de todos os tipos estão experimentando rotinas diferentes e ficando 24 horas com o(a) parceiro(a). Sair de casa para o trabalho tem um enorme significado como regulador das emoções. A convivência com outras pessoas desloca o pensamento dos problemas dos relacionamentos amorosos. Muitos desses problemas são originados pela comunicação pobre entre o casal, que se acostuma a cobrar do outro a solução dos conflitos. 

Outros componentes, que também temperam essa situação, são o orgulho, o egoísmo e a falta de manejo das emoções. O orgulho vai impedir que uma pessoa quebre o círculo vicioso e tome a iniciativa de propor soluções, pois ela aguarda que o outro venha lhe procurar para resolver. É um jogo de conquista pelo poder ou do micropoder, como disse o filósofo francês Michel Foucalt. Um dos indivíduos quer "mandar" no outro; quer ter a primazia da tomada de decisões e da utilização de estratégias como a vitimização. Um relacionamento precisa ser prazeroso, agradável, construtivo e demais adjetivos positivos, mas se não é assim algo está errado e várias são as hipóteses. Uma delas é que a paixão acabou e não sobrou amor depois dela, só a batalha diária, que cria rotina e abafa a comunicação emocional. Pode, ainda, haver ajustes e resgates para criar uma nova dinâmica no casal e dissolver mal-entendidos, pressupostos e interpretações equivocadas do silêncio.

Um dos pilares do relacionamento saudável é a qualidade da comunicação. Todas as questões devem ser conversadas, mas, principalmente, as que envolvem sentimentos e emoções. É preciso dizer ao outro como está se sentido, quais as angústias e medos. No entanto, é preciso prestar atenção para que não seja uma estratégia de domínio. Fundamental, no entanto, é ouvir o que o outro tem a dizer sem julgamento. Isso deve ser feito em harmonia e paz, já que o objetivo é de (re)construção. A comunicação emocional deve transmitir ao outro como o indivíduo está se sentido e não como ele quer que o outro faça. Há grande diferença nisso, pois as pessoas tendem a repelir o conteúdo e prestar atenção apenas na forma. Um "não", por exemplo, pode ser dito sussurrando no ouvido de alguém, mas pode ser gritado de forma que o bairro todo ouça. 

O conteúdo que expressa uma ordem é recebido como algo que põe a vontade do outro de lado e, portanto, é uma ameaça. "Eu quero que você faça isso" soa muito mais ameaçador do que "Quando você faz isso eu me sinto mal (ou bem)". Sentimentos positivos também devem ser ditos como incentivo ou para expressar alegria, amor, paz e assim por diante. Neste período de isolamento, muitos casais têm dificuldades de convivência exatamente porque a comunicação está sendo gerada com interpretações distorcidas pelo orgulho e pela disputa do comando. 


Os problemas (novos e antigos) tendem a aparecer tanto mais, quanto maior for a convivência. O diálogo aberto e franco é uma poderosa arma para dissolver todo tipo de problema, mas esse diálogo deve começar entre você e você mesmo. Trata-se de um trabalho necessariamente solitário onde cada pessoa precisa se entender e levar em conta que ela mesma está lidando com seus medos, angústias e incertezas, além da sensação de abandono e falta de controle do mundo externo e da situação de pandemia, que levam ao estresse e à baixa tolerância. Portanto, as ações começam de dentro para fora, senão só se vai compartilhar os próprios problemas com o demais em confinamento. 

Reserve um tempo sozinho e inicie pela autoanálise sem envolver o outro, lembrando que só você é responsável por sua felicidade. Veja como estão suas reações diante do isolamento social e purifique seu interior para pode passar coisas boas para os outros. Estamos num bom momento para questionar o que, de fato, é importante para cada um e para os outros. A solidariedade e a empatia têm terreno fértil para se desenvolverem, mas após a Covid-19 é que saberemos o quanto vai germinar em cada um e no coletivo.

O que foi dito aqui para os casais também se aplica aos outros relacionamentos interpessoais: pais, avós, filhos, irmãos, amigos e os similares. Estamos, portanto, num excelente momento de perceber e valorizar parentes e amigos, perto ou longe de nós. A tecnologia atual de comunicação pode aproximar pessoas distantes e afastar as próximas e é por isso que se deve estar em alerta para ver o que está perto que, muitas vezes, não quer ou não consegue ser visto. 

Preste atenção no comportamento de quem está à sua volta, mas perceba o seu também e veja se você gostaria de ser tratado como trata as pessoas. Fale tudo o que quiser, mas evite os atritos, as discussões, procurando manter um clima civilizado com todos e, para isso, basta o respeito. Perdoe, peça perdão, faça as pazes, estreite seus laços de amizade, divirta-se e aproveite a oportunidade para colocar em ordem sua casa interna: você. 

*Sergio Manzione é psicólogo clínico, administrador, mestre em engenharia da energia e semanalmente fala sobre comportamento humano e psicologia no Portal Muita Informação! @psicomanzione