Brilham estrelas de São João: a sinergia poética de Gal e da Química na Festa do Interior

Por Ícaro Mota Oliveira*
22/06/2022 às 08h20
  • Compartilhe
Foto: Acervo pessoal
Foto: Acervo pessoal


Não sou da época do Doces Bárbaros [mas, como adoraria ter sido!]. Não frequentei as dunas de Gal na praia de Ipanema na década de 70. Quando nasci, o Brasil passava por inúmeras transformações políticas e culturais, contrapondo com a brasilidade, o regionalismo e a simbiose dos integrantes daquele grupo que se reunira em turnê alusiva aos dez anos de sucessos de suas carreiras solos. Um marco na música popular brasileira. E de grande quilate! O contato da minha geração com aquele quarteto adveio, ora por influência dos pais ou avós, ou tios(as), ora por sintonias onipresentes nas rádios do país, na tenra infância e na adolescência, nos gritos de alerta, de alegrias e prazer. Se você, da minha geração ou não, "você precisa saber da piscina, da margarina, da Carolina, da gasolina, você precisa saber..." dela: Gal Costa. 
Maria da Graça Costa Penna Burgos, soteropolitana, nascida em 26 de setembro de 1945 (Estratosférica a partir daqui!), filha de todas as vozes que vieram antes e mãe de todas as vozes que virão depois - Gracinha - além de cantora, é compositora. Considerada como a sétima maior voz da música brasileira é, bem como, a maior voz em atividade no cenário nacional. A musa da Tropicália que usou o "Cabelo" como ode à liberdade, sua nuance política e poética são ademais, substancialmente, Ciências.
Pera aí! "Não se assuste pessoa, se eu lhe disser que a vida é boa..." tal e qual através da musicalidade a baiana nos ensina, e muito, sobre Química. Partindo desta premissa, eu decidi redigir textos os quais utilizo da minha formação acadêmica em Química para trazer à baila discussão, reflexão e contextualização de músicas, romances, artistas que possuem o campo lexical científico. Porque a Química está presente em tudo. Quando falo em tudo, é tudo mesmo! 
A linguagem científica é imbuída de significados, em sua essência busca a descrição de fenômenos descritos e/ou estudados e tem como objetivo o aprofundamento sobre um determinado tema. As representações mentais e a simbologia na Química tornam-se difíceis para o entendimento porque são invisíveis e abstratas, e o pensamento humano é construído sobre uma informação sensorial. Para entender a Química, é "preciso estar atento e forte", familiarizados com os níveis macroscópicos (fenômenos físicos), microscópicos (modelos e teorias) e representacionais (simbologia química e equações matemáticas). É de enlouquecer qualquer pessoa! 
O primeiro contato (escolar) que temos com a Química, na sua essência, é ter que memorizar categoricamente a Tabela Periódica. Sim! Decorar cada elemento químico, as propriedades, os grupos, os níveis, uma enxurrada de informações que não precisam ser gravadas na mente e, sim, consultadas. Porém, devido a nossa "herança" de um ensino arcaico, descabido e que acaba criando cada vez mais, obstáculos epistemológicos. Um terror! E, como consequência, um dissabor com a disciplina. 
É possível englobar esses assuntos sem a necessidade de memorizá-los, e para isso, a Gal já nos apresentou há 41 aos. Abro um parêntese! O décimo quinto álbum da cantora, Fantasia, estreou no Rio de Janeiro no exato 23 de junho de 1981, além de samba-exaltação, baladas, era constituído por dois frevos, sendo um - Festa do Interior - composto por Moraes Moreira e Abel Silva. A composição é tão mágica que, só através da nossa brasilidade e atemporalidade, pode perpassar pelas duas maiores festas, o carnaval e o São João. Fecho parêntese!
Sem embargo para discutir a música Festa do Interior, precisamos trazer em cena a representação macroscópica, que corresponde às representações mentais adquiridas a partir da experiência sensorial direta, ou seja, é construído mediante a informação proveniente dos sentidos. No trecho, "Fagulhas, ponta de agulhas/Brilham estrelas de São João...", em linhas gerais, referem-se à energia, à dissipação de calor. Mas, como? Quais aspectos das festas juninas a Química está presente? 
A Ciência nas letras mostra que aquelas estrelas que brilham nas noites juninas são os fogos de artifícios. Friso que, esses foram criados pelos chineses há muitos anos e tem em sua composição a pólvora que é constituída por nitrato de potássio, enxofre e carvão, e outros sais de diferentes elementos químicos que permitem as mais diversas colorações. A saber, os sais dos elementos químicos: ferro (Fe) permite a coloração dourada; cobre (Cu) - a cor azul; bário (Ba) - a cor verde; sódio (Na) - a cor amarela etc. 
As cores que enxergamos a olho nu são produzidas doravante aos fenômenos de incandescência e luminescência. O calor libertado na explosão é absorvido pelos átomos dos metais presentes na composição da "estrela". De forma bem simples, explicarei que ao absorver energia, os átomos dos metais (dos elementos supracitados) ficam com os seus elétrons, digamos, "desarrumados", fora das suas posições próprias! Quando voltam a se organizar os seus elétrons nas posições mais estáveis, os átomos libertam a energia em excesso, mas agora sob a forma de radiação visível, ou seja, luz colorida. Isso confere todo aquele espetáculo, a beleza da química permite iluminar o céu em noites de festa tão quanto serve de base para se estudar o que é um átomo, distribuição eletrônica, propriedade periódica, subnível energético sem ter que memorizar a Tabela Periódica (serve-nos para orientar, e não, "massacrar")!
Assim, a letra pode nos fornecer informações valiosíssimas sobre o estudo de ciências tão quanto política, lembrando que ela foi composta não somente quando as festas juninas estavam sendo inseridas como tema de canção popular, entretanto naquela época vivia-se a ditatura militar, logo, o ideário da contracultura entoava-se "nas trincheiras da alegria o que explodia era o amor". De fato, a música possui vários léxicos científicos, eu ficaria escrevendo (mencionando) por horas! Todavia, detive-me ao verso que enalteci sobre os fogos, que é uma sinédoque. Outrossim, ressaltar a importância e louvar a contribuição da cantora que é uma pérola musical. 
Em sua cantada, Gal percorre os dois hemisférios, assim como, o carnaval e as festas juninas, (ultra)passa as quatro estações, revive amores (proibidos ou não), estabelece e fortalece amizades, rebobina décadas e nos faz - por imersão - recordar memórias afetivas das mais genuínas. E, nessas que consistem na cura da alma; do eu subjetivo e quiçá passional, o resgate (quem sabe) da criança interior que anda adormecida. Ao escutar a voz cristalina da Tropicalista, tu consegues entender o porquê dela ser Estratosférica à Fatal: porque seu nome é Gal. É, simplesmente, Gal. E, eu sou fã. 


*Pós-doutorando na Universidade de São Paulo (USP), Doutor em Ciências pela Universidade Federal de Alagoas (UFAL), Mestre em Química pela Universidade Federal de Sergipe (UFS), graduado em Química Licenciatura pela Universidade Federal de Sergipe (UFS), atua nas áreas de Nanotecnologia, Química de Materiais e Educação Química, diretor executivo e membro da Academia Brasileira de Jovens Cientistas (@jovenscientistas.abjc), divulgador científico e pesquisador, membro colaborador do Ciência Brasileira é de Qualidade (@ciencia.brasileira), do QuiCiência (@quicienciaiqb) (IQB/UFAL), da Usina Ciência da Pró-Reitoria de Extensão (PROEX/UFAL) e revisor dos periódicos.

---------------------------------------------------------------------------------------

O conteúdo dos artigos é de responsabilidade dos respectivos autores, não representanto, portanto, a opinião do Portal Muita Informação!