Hepatologista tranquiliza pais sobre surto de 'hepatite misteriosa' em crianças: "Sem pânico"

No podcast do M!, Raymundo Paraná fala sobre os estudos da doença que já chegou à América Latina, com o primeiro caso confirmado na Argentina

Por Nicolas Melo
07/05/2022 às 08h00
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Foto: Divulgação
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Desde abril, a Organização Mundial da Saúde (OMS) alerta sobre um surto de hepatite aguda grave de causa desconhecida em crianças no Reino Unido. Na última quarta-feira (4), o Ministério da Saúde argentino confirmou o primeiro caso da doença na América Latina - um menino de 8 anos apresentou a forma grave da infecção de origem desconhecida. Ele está internado no Hospital Infantil da zona norte da cidade de Rosário, Santa Fé, e não há informações sobre seu estado de saúde.

O risco de a doença chegar em solo latino-americano era iminente, segundo o médico assessor da Câmara Técnica em Hepatites Virais da Secretaria de Saúde do Estado da Bahia (Sesab) e do Ministério da Saúde, o hepatologista Raymundo Paraná. 

Convidado deste episódiop do podcast do Portal M!, o diretor do Hospital Aliança/Rede D'Or pontuou que o avanço do vírus pela Europa já servia de alerta aos sistemas de saúde do mundo. No Brasil, ainda não há registro da doença, mas o Ministério da Saúde monitora sete casos suspeitos - quatro no Rio de Janeiro e três no Paraná.

"Todos os casos de hepatite que não têm uma causa definida devem ser notificados para que sejam feitos os estudos desses pacientes e se observe se é possível admitir a chegada desta doença entre nós. Mas eu volto a dizer que as hepatites fulminantes são eventos raros, independente da causa", explicou Raymundo Paraná, que também é professor titular de Gastro-Hepatologia da Universidade Federal da Bahia (Ufba) e livre-docente da instituição.

O especialista explica que, quando se tem um registro de hepatite fulminante em uma determinada região, seguramente há outras centenas de casos mais leves. Assim, ele tranquiliza os pais, que estão apreensivos com o surto envolvendo crianças: "Não é uma situação de pânico, claro que não".
 
Ele recomenda, entretanto, que o sistema de saúde fique atento. "É uma situação para se preparar para alertar as nossas emergências, as nossas UPAs [Unidades de Pronto Atendimento] para sinais precoces de agressividade da doença", pontuou.

Segundo Paraná, os sintomas a serem observados são, em casos de hepatite grave, a elevação das enzimas do fígado (ALT e TGP); a inversão do ritmo do sono - quando o paciente fica sonolento durante o dia e agitado, à noite; a alteração na coagulação sanguínea, com registro de  sangramentos, manchas na pele como se fossem causadas por pancadas, sangramentos gengivais etc; além do olho amarelado e a urina muito escura (cor de guaraná).

"Essas situações e sintomas indicam gravidade, e quando o paciente tem um quadro de confusão mental e alteração do sono, ele tem que estar em um centro de referência porque poderá necessitar de um transplante", explica o hepatologista.
 
Paraná ainda recomenda que gestão de saúde local oriente os plantonistas do serviço de emergência a fazerem um diagnóstico precoce de casos graves e, se for o caso, encaminhar o paciente a um centro de referência.
 
"Mas, seguramente, eu volto a dizer, esta não é uma situação de maior gravidade e neste momento, no Brasil, não existe nenhum caso confirmado", reiterou.

O Ministério da Saúde disse ao Portal M!, por meio de nota, que até o momento não há casos confirmados da doença no Brasil. Os Centros de Informações Estratégicas de Vigilância em Saúde (CIEVS) monitoram junto aos núcleos de epidemiologia hospitalar da Rede Nacional de Vigilância Hospitalar (RENAVEH) qualquer alteração do perfil epidemiológico, bem como a detecção de casos suspeitos da doença.

"A pasta orienta aos profissionais de saúde e da Rede Nacional de Vigilância, Alerta e Resposta às Emergências em Saúde Pública do Sistema Único de Saúde (VigiAR-SUS) que estejam atentos e que suspeitas sejam notificadas imediatamente", disse o órgão.

 
Entenda o que é hepatite

De forma bem didática, o hepatologista Raymundo Paraná explicou ao Portal M! que o termo hepatite significa uma inflamação no fígado. Contudo, este quadro pode ocorrer de várias formas e por causas diferentes, como obesidade, abuso de bebida alcoolica, uso de medicamentos (principalmente sem prescrição médica), consumo de chás fitoterápicos, além das doenças autoimunes e genéticas.

"Tudo isso causa inflamação no fígado. Quando essa inflamação é causada por um vírus, chamamos de hepatite viral. Existem os principais vírus causadores de hepatite que são determinados pelas letras A, B, C, D e E. Embora todos causem hepatite, são doenças diferentes. No caso do vírus A e B tem vacina, e o D tem, por consequência, imunização, após [tomar a] a vacina do vírus B", explicou.

Logo, dos cinco vírus, três são prevenidos por vacinação. Porém, de acordo com Paraná, existem outros agentes que causam doenças em outros órgãos e sistemas do corpo humano, que, eventualmente, podem atingir o fígado e causar hepatite.
 
"Aí, entram o citomegalovírus, espargo vírus, os picornavírus, e também os adenovírus, que hoje estão em voga por serem a principal suspeita nos casos mais recentes de hepatite grave que têm sido descritos no mundo", explicou.

Entre os casos da doença, principalmente nas manifestações mais agudas, há sempre o risco de evolução para sua forma mais agressiva - a chamada hepatite fulminante.
 
"Isso ocorre também em outras situações, por exemplo, por [uso indiscriminado de] fitoterápicos, que também podem causar o que chamamos de hepatite fulminante, que nada mais é do que uma grande destruição do tecido hepático, das células do fígado e a perda da funcionalidade do órgão. Ou seja, o órgão para de funcionar", disse. 
 
"É como se a hepatite fosse uma tempestade, enquanto que a hepatite fulminante é um tornado, e por onde ela passa ela destrói", associou.
 
 
 
Confira o podcast na íntegra: