"Quero falar bem dos meus através da minha arte", diz Sulivã Bispo, intérprete de Mainha

Ator destaca que novos episódios da famosa websérie estão perto de serem lançados

Por Tiago Lemos
27/11/2021 às 08h20
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Foto: Divulgação
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O ator, humorista e arte-educador Sulivã Bispo, 28 anos, é uma inspiração para muitos baianos que desejam trabalhar com arte. Formado em Teatro, ele interpreta a famosa personagem Mainha, que faz muita gente rir nas redes sociais.

"Fico muito feliz por saber que tem meninos e meninas que se enxergam, se veem, porque eu precisei me enxergar. Eu precisei ver o Bando de Teatro Olodum no palco, ver humoristas e atores pretos, por isso quis ser ator, trabalhar com comédia. Quero falar bem dos meus através na minha arte, sigo na minha missão. Entendo que hoje eu sou representatividade, que faço humor, que faço um trabalho de respeito, onde busco exaltar a minha ancestralidade", disse o artista. 

"A minha essência me traz muita felicidade e me deixa ainda mais responsável por seguir esse caminho. A gente precisa cada vez mais de identificação", explicou Sulivã Bispo, que na sexta-feira (26), no Teatro Sesc Pelourinho, apresentou o seu monólogo, o espetáculo Kaiala, que já tem seis anos de duração. 

Sobre a web série com Mainha, que retrata com muito humor o cotidiano, em Salvador, de uma família negra - Mainha e seu filho Júnior, interpretado por Thiago Almasy -, a terceira temporada está próxima de ser lançada.

"A gente está prestes a gravar os novos episódios da próxima temporada, muita coisa vem aí", antecipou o ator, antes de completar: "O que a gente pode dizer ao público, que está ansioso por esse retorno, é que eles não vão se decepcionar. As histórias vão pegar fogo, Mainha está daquele jeito. Vamos fazer coisas que não fizemos antes, trazer temas que não abordamos antes". 

A web série sobre Mainha e Júnior, que está disponível no canal "Na rédea curta", no YouTube, conquistou as telas de celulares e computadores dos baianos. Atualmente, a página na plataforma possui 372 mil inscritos.

Os vídeos mais acessados chegam a ter entre 2,5 e 3 milhões de visualizações. O projeto teve início em uma página intitulada "Frases de Mainha", no Facebook. 

"Mainha é o meu personagem mais popular, e essa popularidade traz consigo um quê de renome. É um personagem que marca uma trajetória, personagem que tem uma maior visibilidade. Mas o mais importante é não ter essa divisão, todos os personagens têm a sua importância através do discurso que trazem. E Mainha traz vários discursos, traz várias mensagens", explicou Sulivã. 

 

Uma tela pintada a cada dia

Sulivã Bispo começou a carreira de ator em 2009, quando "ainda era adolescente", como ele mesmo lembra. Aprendeu muito com o Bando de Teatro Olodum e com outros grupos de teatro.  "Instituições de militância, que formaram meu caráter de luta, que formaram essa minha trajetória artística relacionada à Consciência Negra, como o Stebe Biko, como o Ilê Aiyê", detalhou. 

Os inúmeros trabalhos ao longo de sua trajetória profissional, como ele mesmo explica, "constituem essa obra de Sulivã Bispo, uma tela que a gente vai pintando no dia a dia".

O problema, porém, é o racismo, "que sempre impera", como conta o ator: "Vivemos na cidade mais preta fora da África e vemos todos os lugares rodeados e tomados por pessoas brancas. Temos que lutar não só na base do talento e da vocação, mas a luta é pela representatividade e para se manter nesses espaços. O teatro é branco, o audiovisual é branco, a comunicação é branca". 

"Temos uma guerra incessante para ter representatividade, para lutar por nossos direitos e para se manter ativos, vivos e existentes dentro da área artística. Então, é preciso entender que a evolução acontece a passo muito lentos, porque o racismo se sofisticou", contou. 

O artista lembra, inclusive, que passa por isso diariamente. "Acontece comigo todo dia, acontece com quem é preto todo dia. Ser seguido por segurança, abordado de forma grosseira, ríspira e proconceituosa", detalhou. 

Em setembro deste ano, Sulivã Bispo sofreu uma abordagem racista no aeroporto de Recife (PE). Depois, lementou nas redes sociais: "A pele escura desperta alarmes. A pele escura está associada à marginalidade, e quem criou esse emblema desgraçado foi o racismo e a gente sabe. Mas eu vou continuar denunciando, sempre vou falar, gritar, esbravejar".

 

"Nosso tempo é agora!"

Para o ator, a vez da população negra é agora e é importante não desistir nem se deixar abater na luta.

"Acho que essa é a nossa vez, nosso tempo. Precisamos descortinar ainda mais os preconceitos e lutar, e acreditar nos nossos sonhos. É muito imporante não desistir, continuar com a coragem que a nossa ancestralidade nos traz, nos dá, até porque é preciso ter coragem para ter na pele a cor da noite, para jamais esquecer da nossa essência. Como dizia mãe Stella de Oxóssi: 'Nosso tempo é agora!'", afirmou.

Em relação às suas inpirações, o ator destaca: "Tenho várias. A pessoa preta sempre tem marcos referenciais". Ele citou, entre outros nomes, Zezé Motta, Grande Otelo e Abdias Nascimento.

"As minhas principais referências são essas, um misto de ousadia, coragem, talento, que me faz todo dia querer, lutar e não desisitr. Eles abriram a cancela, abriram os caminhos para que a gente possa dar continuidade e ser encruzilhada também para muitos dos nossos", contou.

Para ele, a saída para o teatro é ser mais popular, mais com a cara do povo.

"E o povo tem cor, tem cara, e essa cara é preta, essa cor é preta, essa história é preta. Um teatro que fale dos nossos, das nossas raízes, que fale de diáspora africana, de religiosidade de matriz africana, que fale de ancestralidade negra, da cultura negra, dos nossos antepassados. O teatro precisa passar por um trabalho de base e precisamos fazer com que os clássicos bebam da nossa fonte ancestral", aponta.

Silivã destaca também que é preciso ter pessoas negras ocupando esses espaços "não pelo conforto social e racial, mas para que a gente se comunique com os nossos iguais".

Ele vai além ao ressaltar que o debate deve ocorrer o ano todo, e não apenas no Novembro Negro. "Não somos pretos apenas em novembro. Sofremos racismo nos 365 dias do ano. Essa reflexão ela tem que ser ainda mais destacada", pontuou.