Empreendedora encontra a felicidade em sua marca de roupas com tecidos africanos

Alice Pinto é a criadora da Tons da Terra e empondera através da moda

Por Tiago Lemos
17/11/2021 às 17h43
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Foto: Arquivo pessoal
Foto: Arquivo pessoal

A empreendedora Alice Pinto, 35 anos, é uma das pessoas que resistem às dificuldades financeiras que vieram com a pandemia do novo coronavírus. Dona da marca Tons da Terra, que saiu para valer do papel em 2017, ela relata os problemas vivenciados para manter o seu negócio desde março de 2020. 

"Antes da pandemia, tava numa crescente boa, com artistas fazendo parceria, mas com a pandemia tive uma caída. [...] Consegui me manter, mas com a pandemia as vendas caíram 60, 70%", explicou.

Mesmo assim, a empresária e design deu um jeito. "Consegui vender máscaras, vender peças sob medida, muitos compraram para participar de lives, entrevistas, aulas. [...] No ano passado fiz uma divulgação boa e até [lançou] uma coleção de inverno", explicou a empresária, que coquista mensalmente entre dez a 20 clientes sob medida na pandemia.

Ser resistência não é algo incomum para Alice. Quando seu negócio começara a decolar, a bióloga percebeu que não seria fácil. "As grandes dificuldades vieram quando fui em busca de financiamento para crescer a marca e não consegui. Ali eu vi o divisor de águas: pessoas brancas que conseguem bons financiamentos para desenvolver e crescer a sua empresa, e nós, empreendedores negros, que buscam crescer, mas a 'burocracia' dos bancos nos limitam".

Mas você acha que a empreendedora desistiu? Nada disso. A mensagem que ela deixa para situações como essa resume bem o seu modo de agir. "Acredite em você, vão ter pessoas que irão falar pra não ir, que vai dar errado... mas é a sua vida. Continue, vá em frente, siga o seu destino e não o do outro. No final, vai dar certo, bote fé!".

E deu. A marca Tons da Terra está cada vez mais consolidada no mercado. Quem quiser conhecê-la pode acessar o perfil @tonsdaterrafashion, no Instagram, ou ver as peças pessoalmente em uma loja física na rua Apolinário Santana, no bairro Engenho Velho da Federação.

"Ainda não está aonde eu quero. Eu quero a Tons da Terra sendo conhecida no Brasil todo, mas está se consolidando. Em Salvador já vejo que tem pessoas que conhecem a marca, identificam no corte, no olhar da peça. Ainda estou crescendo, em desenvolvimento, mas está, sim, sendo consolidada no mercado", explicou Alice.

Sobre os clientes, Alice explica: "Eu trabalho para diversos tipos de público, a maioria público negro, de religiões de matriz africana, que entende, estuda ou conhece um pouco da cultura negra, afro-brasileira. Faço as roupas para o público jovem, adulto e idoso". 

A ideia principal de seus cortes, de acordo com a design, é emponderar. "A maioria dos tecidos são étnicos, tecidos africanos, onde trago esse olhar de poder, de emponderar na moda, de se sentir inserido na moda com os tecidos africanos", explicou.

Roupas da marca Tons da Terra

Roupas da marca Tons da Terra. Crédito: Divulgação

"Quero tirar esse olhar de que é algo exótico, de que é voltando mais para a parte da religiosidade, ou então para algo mais figurativo. Não! O tecido africano é, sim, inserido na moda e pode ser, sim, usado em diversos ambientes e em diversos looks. Esse é o propósito da Tons da Terra, trazer esse tecido africano pra diversos ambientes, espaços, em diversos looks. Pode ser do clássico ao look do dia a dia. Um look mais voltado mais para urbano", explicou.

A 'cura' por meio do trabalho

Alice Pinto encontrou na criação de sua marca a felicidade profissional. Ela virou empreendedora depois de descobrir que seria difícil lecionar como professora de Biologia por causa da doença de Crohn. "A Tons da Terra, para mim, considero como cura. Sou bióloga por formação, mas não exerço [a profissão] porque tenho uma doença crônica que me impede de ir para a sala de aula, segundo os médicos, por causa de um pico de estresse causado pela minha doença", explicou.

"Quando comecei a desenvolver, a pensar e a trabalhar com a Tons da Terra, fui me sentindo mais mulher, mais cidadã, inserida no mercado, independente. Com esse poder de criar, me senti útil. Quando vejo os clientes vestindo bem as peças, sinto que estou fazendo algo", detalhou.

"Não sou mais aquela pessoa que ficava no sofá imaginando o que poderia fazer da minha vida. A Tons da Terra vem como um processo de cura pra mim, porque também vou crescendo, me desenvolvendo, me tornando mulher negra, cidadã, independente, conhecedora também do que é ser Alice, mulher de criação, produzir peças, sonhos, realizá-los", relatou a empreendedora.

"A luta é grande, mas é gostosa de viver" 

De acordo com Alice Pinto, o racismo é um empecilho a mais para o empreendedor negro. "Salvador tem um grande mercado de turismo e desenvolvimento empreendedor, mas é para poucos e esses poucos são majoritariamente brancos. É um racismo sutil em Salvador, mas que sabe sua força de podar e limitar a nós, negros. Falo também em todos os âmbitos profissionais", explicou.

Então, o caminho é a união. "Nós, empreendedores negros, temos que coexistir por nós mesmos. Somos nós por nós. Estamos nos juntando, criando lojas colaborativas ou próprias para nos mantermos de pé, para mostrar que o nosso mercado é valioso e que também sabemos fazer economia", detalhou.

"Não podemos esperar por essa sociedade racista, temos que nos colocar como grande empreendedores que somos e fazer valer todo o nosso legado que nossos antepassados nos deixaram. Porque empreender é negro", ressaltou.

Alice e a família: à esquerda a irmã Eneida, no centro o irmão Paulo e a mãe Valclides abraçada com o sobrinho Ayndê

Alice e a família: à esquerda, a irmã Eneida, no centro, o irmão Paulo e a mãe Valclides abraçada com o sobrinho Ayndê. Crédito: Arquivo pessoal

"Eu me sinto muito honrada em saber que inspiro outras pessoas. E é o meu dever continuar fazendo acontecer e trilhando o meu caminho. A luta é grande, mas é gostosa de viver", detalhou a empresária. 

"Nós, negros, temos que aproveitar esse mês da Consciência Negra para exaltar todo o nosso legado. Agora, a consciência é para os brancos", disse Alice Pinto, uma "mulher preta de Candomblé, que estuda a ancestralidade negra, que carrega um legado de sua mãe, que é costureira há anos". 

 

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Professora é dona de curso que ensina inglês abordando temas da cultura negra