Música sempre: a 'Sina' de Djavan em 'Seduzir' o Brasil

Se 'Seduzir' foi uma espécie de divisor na carreira do artista, o que viria a seguir era vários degraus acima

 

Por Adilson Fonseca
09/10/2021 às 15h19
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Foto: Divulgação
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Quando em 1981, ainda no extinto Diário de Notícias, entrevistei Djavan, que viera a Salvador lançar ´álbum "Seduzir", fiquei embevecido não só pelas músicas, que mais tarde ouvi em casa, mas pelo fato de que após a entrevista, no Grande Hotel da Barra, recebei do cantor um LP (bolachão) autografado.

O disco em vinil (o CD só veio a surgir no Brasil em 1987) continha 10 músicas (cinco de cada lado) e a que me chamou a atenção foram "Seduzir" e "Ilha", segunda e última do Lado A. Para mim era o ápice do cantor, que chegava ao seu quarto álbum, pleno de sucesso.

Ledo engano. O melhor ainda estava por vir. Se "Seduzir" foi uma espécie de divisor na carreira do artista, por causa da consolidação da criatividade da sua capacidade autoral, dando mais uma cara de Brasil, com o samba inesperado e com vários "acidentes" harmônicos de "Pedro Brasil", além da pegada de "Seduzir", uma canção pop, mas densa, o que viria a seguir era vários degraus acima.

E esse esplendor veio no quinto álbum, "Luz", lançado em 1982, onde Djavan se supera, com a música "Sina", ironicamente também a última do Lado A, que prima pela maestria e harmonia dos instrumentos, dos back vocals e do próprio Djavan.

Na letra, Djavan aborda o cotidiano do amor, utilizando-se de metáforas e situações para expressar essa relação sentimental, como natureza, beleza e o prazer, componentes imprescindíveis da amorosidade, e a exalta quando compara esse sentimento com a chegada de um novo ano (Reveillon), o ouro de mina, ou o fascínio das luzes de neon. Tudo com uma sonoridade inigualável, não só nos instrumentais, mas no back vocal de 15 vozes. 

Gravada inicialmente para o Álbum "Cores", de Caetano Veloso, em 1982, ela foi regravada quase que simultaneamente por Djavan, no seu álbum "Luz", naquele mesmo ano. Mas em vez de um ritmo mais ligeiro, característica precursora da axé music, feito por Caetano, Djavan dá um upgrade. Introduz um Ijexá como entrada, que ele coloca como um cartão de apresentação na abertura da música, numa batida de afoxé, mais cadenciada, mais percussiva, hipnótica, e contagiante nos back vocals de 15 vozes, e por isso se torna, então, mais realista que o rei, que o antecedeu.

Mas como um bom súdito, Djavan rende tributo ao seu antecessor em "Sina" e se refere a "Caetanear", como algo que por si só já é bom, que pode ser modificado, mas nem por isso seria melhor ou pior. Apenas diferente. Caetano retribuiu a homenagem, e na sua versão de "Sina" trocou a palavra "Caetanear" por "Djavanear. Tributo merecido.

Há músicas que a gente ouve uma vez e esquece. Outras ouvimos várias vezes e acabamos enfadados, sabendo todas as suas letras e cifras. Mas algumas nos surpreendem por mais vezes que a ouçamos, por serem simplesmente completas. "Sina" é uma delas.