ARTIGO: Brincando de ditadura

Por Adilson Fonseca*
23/12/2020 às 08h00
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Foto: Divulgação
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O cidadão tem todo o aparato legal de beber em bares e restaurantes até às 19h59, que não será contaminado pelo Coronavírus. A partir deste horário, contudo, o vírus sai da toca e se torna letal. Esta parece ser a lógica do governador de São Paulo, João Dória, respaldado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que parece ter descoberto as características notívaga e alcoólatra da pandemia do Covid-19. A premissa se estende a outros gestores, que limitam os horários de circulação do vírus, entre às 18h e 05h, e por isso resolveram adotar os toques de recolher.

O mesmo STF, na decisão monocrática do ministro Ricardo Lewandowski, decretou o fim da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Com sua canetada, estados e municípios podem comprar vacinas sem que estas sejam validadas no Brasil pela Anvisa. Para Lewandowski, estados, municípios e o Distrito Federa poderão importar e distribuir as vacinas "no caso de descumprimento do Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação contra a Covid-19, recentemente tornado público pela União, ou na hipótese de que este não proveja cobertura imunológica tempestiva e suficiente contra a doença". É de ressaltar que a Anvisa está entre as melhores agências reguladoras do mundo.

Como a independência e autonomia dos poderes constitucionais deixou de existir. E como o STF interfere e dita regras em todos os setores, no País, principalmente os atos do Poder Executivo, a própria Constituição tem sido interpretada de forma monocrática. Falta apenas cancelar os demais poderes e instaurar o reinado de um colegiado de 11 pessoas, que é a composição do Supremo Tribunal Federal, e assim se decreta o fim da Presidência da República, à semelhança de Roma antiga, com o triunvirato dos césares. O Brasil passaria a ser, então, governado por um colegiado de 11 ministros, com amplos poderes em todos os setores.

Nessa usurpação de atribuições, parece estar faltando racionalidade nas medidas adotadas para o enfrentamento do coronavírus, como parece ter esquecido os ministros do STF, que ditam as regras, ignorando quaisquer contestações e análises que não sejam as dos seus pareceres supremos. A contestação de tais medidas, não é um posicionamento contra as vacinas, e muito menos o negacionismo da gravidade da pandemia, mas sim a busca por uma segurança, eficácia e eficiência das medidas de segurança sanitária. São irracionalidades cada vez mais escancaradas, como a que protagonizou uma decisão da justiça no Rio de Janeiro que determinou a expulsão de todos os visitantes, em até 72 horas, da cidade de búzios. A cidade, um dos principais destinos turísticos no País, ficou, assim, sitiada, não por forças militares, mas por medidas judiciais.

Entre 1939, quando começou a Segunda Guerra Mundial, e 1945, quando efetivamente o nazi fascismo foi derrotado, os judeus na Europa foram obrigados a colocar uma braçadeira indicando a sua natureza étnico-geográfica. No auge da dominação nazista, a cidadania judia deixou de existir, e o símbolo da cruz no braço era o selo que identificava os "párias", que deveriam ser segregados do convívio do resto da sociedade. A decisão do STF de tornar a vacina obrigatória, com salvaguardas de restrições a quem não quiser ou puder se vacinar, guarda certas semelhanças com a história da segregação judia na Europa da Segunda Guerra Mundial.

A diferença para a nossa realidade, é que em vez de braçadeiras com a suástica judia da Segunda Guerra Mundial, os brasileiros terão que andar com uma carteirinha de vacinação nas mãos para poderem ter acesso a locais públicos, como transportes, shoppings, bares e restaurantes. Os casos registrados de reações adversas às vacinas que estão sendo aplicadas, é um convite à ponderações sobre um medicamento cujas respostas imunizadoras ainda não são completas, e por isso mesmo oferece certos graus de riscos.

A pandemia do coronavírus, além dos efeitos na saúde física, parece que fez sair dos armários os projetos de ditadores de plantão, jogando no limbo o equilíbrio das decisões dos gestores públicos. 

"A pior ditadura é a ditadura do Poder Judiciário. Contra ela, não há a quem recorrer" - Ruy Barbosa (1849 -1923) foi um político, diplomata, advogado e jurista brasileiro. Representou o Brasil na Conferência de Haia. Membro e fundador da Academia Brasileira de Letras.

* Adilson Fonseca é jornalista e escreve neste espaço às quartas-feiras.

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