ARTIGO: Arroubos e contradições

Por Adilson Fonseca*
05/08/2020 às 08h00
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Foto: Divulgação
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"A liberdade de expressão constitui um dos fundamentos essenciais de uma sociedade democrática e compreende não somente a informações consideradas como inofensivas, indiferentes ou favoráveis, mas também aquelas que possam causar transtornos, resistência, inquietar pessoas, pois a democracia somente existe a partir da consagração do pluralismo de ideia e pensamento, da tolerância de opiniões e do espírito aberto ao diálogo". - Ministro do STF, Alexandre de Moraes, em 07 de fevereiro de 2017 durante sabatina no Senado Federal.

Foram precisos três anos e meio para que a defesa da livre expressão e da liberdade de imprensa, dois dos baluartes da democracia brasileira e de qualquer democracia no mundo, fossem jogadas no lixo pelo mesmo ministro do Supremo Tribunal Federal, a mais alta corte jurídica no Brasil. Em decisões controversas, tanto do ponto de vista político, como jurídico, o ministro vem impondo seus pontos de vistas em decisões monocráticas da corte, calando a voz  nas redes sociais de pessoas que fizeram críticas ao próprio STF, e qualificando-as de antidemocráticas e de que provocam atentados à segurança institucional do País, colocando em risco a própria existência da democracia.

Atuando como vítima, acusador, delegado e juiz, sem contudo formalizar acusações ou mesmo inquéritos, mandou confiscar bens, prendeu e determinou o banimento das redes sociais de 16 perfis de apoiadores do presidente Jair Bolsonaro, que viraram seus desafetos. Como se não bastassem tais arroubos, determinou que duas das maiores plataformas digitais no mundo, o Twitter e o Facebook, ficassem proibidas de publicar no exterior, quaisquer notícias de um dos 16 perfis bloqueados.

No malfadado inquérito das fake news, ou mesmo no inquérito que apura supostas ações antidemocráticas, o ministro se contradiz no que ele próprio defendeu nos últimos anos. Em junho de 2018, ao se manifestar contra o impedimento a sátiras feitas com políticos, durante o período eleitoral, ele disse que tais candidatos, se não quisessem ser motivos de chacotas nas redes sociais, ficassem em casa e não disputassem as eleições, considerando ser este um procedimento da livre manifestação do eleitor. "Quem não quer ser criticado, ser satirizado, que fique em casa, não seja candidato, não se ofereça para disputar cargos políticos. Querer evitar isso por uma ilegítima intervenção na liberdade de expressão é inconstitucional", afirmou à época.

No episódio mais recente, agindo como uma espécie de corregedor internacional de publicações nas redes sociais, o ministro Alexandre de Moraes, em mais uma decisão monocrática, determinou a intimação pessoal do presidente do Facebook no Brasil, Conrado Leister, para que a empresa pague imediatamente multa de R$ 1,9 milhão pelo não cumprimento da decisão de bloqueio internacional de perfis. E deixou claro que outras medidas judiciais poderão ser adotadas.  Pressionados e temendo represálias, tanto o twitter como o Facebook, acataram a decisão, mas adiantaram que irã recorrer ao plenário do STF.

Se contradizendo mais uma vez, em outubro de 2018 o mesmo ministro se referiu à ação de fiscais eleitorais contra as manifestações políticas nas universidades. "O direito fundamental à liberdade de expressão, portanto, não se direciona somente a proteger as opiniões supostamente verdadeiras, admiráveis ou convencionais, mas também aquelas que são duvidosas, exageradas, condenáveis, satíricas, humorísticas, bem como as não compartilhadas pelas maiorias. Ressalte-se que mesmo as declarações errôneas estão sob a guarda dessa garantia constitucional". 

Vale lembrar que o Artigo 5º da Constituição Brasileira, de 1988, diz que "Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza". No Capítulo I, referente aos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos, o mesmo artigo diz, no Parágrafo IX, que "é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença".

É de se perguntar: o que mudou, o ministro ou a nossa Constituição?

*Adilson Fonseca é jornalista e escreve sempre às quartas feiras.

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