ARTIGO: Propaganda eleitoral já cambaleava. O coronavírus terminou o serviço!

Por Ícaro Werner Bitar*
30/07/2020 às 08h00
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Foto: Divulgação
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Seria difícil reunir meia dúzia de pessoas que discordem da afirmação de que o período de campanha eleitoral perdeu seu sentido há bastante tempo? Acredito que não. A Covid-19 matou, mata e infelizmente ainda matará muita gente, mas a doença não pode ser responsabilizada pelo protagonismo das redes sociais na corrida pelo sufrágio alheio em 2020.

Sob o pretexto de baratear as campanhas eleitorais, o legislador se encarregou ao longo das duas últimas décadas de tirar os candidatos das ruas. Os outdoors, os muros pintados e as faixas foram execrados sob os aplausos daqueles que reclamavam da poluição visual causada pelas propagandas. 

Para compensar, os cavaletes, os balões infláveis e estandartes entraram em cena, mas logo perderam espaço e se viram obrigados a saírem do palco em 2016. As bandeiras, os adesivos e as plotagens veiculares entraram na moda fitness ao ponto de flertarem a anorexia. De repente os candidatos sumiram das ruas e se tornaram privilégio daqueles que estão antenados no mundo virtual. As mídias sociais mostraram seu poder e fizeram até presidente da república.

No início do corrente ano já dávamos conta de que as eleições de outubro, que virou novembro, teriam o protagonismo das redes sociais. Veio a pandemia e com ela a necessidade de evitar aglomeração, acabando com os únicos atos festivos de campanha, aqueles que mantinham viva a sensação da tal festa da democracia: passeatas, reuniões e comícios. Panegírico agora somente pelas telinhas. Acabou-se o que já era diet.

Para não dizer que não falei de flores, o eleitor não conectado também precisará se contentar com os tais furadinhos dos vidros traseiros caso queiram enxergar uma propaganda vistosa, afinal de contas as miniaturas de adesivos laterais ou frontais não contarão com companhia sob pena de justaposição meio metro quadrado e efeito outdoor. Fica então uma dica para aqueles que gostam de visualizar propaganda eleitoral: passem na porta do Comitê Central do candidato que lá os homens de preto permitiram uma propaganda de até quatro metros quadrados. Não é legal? Eles pensam no eleitor! 

Aguardemos ansiosos os juízes eleitorais com mãos de ferro perseguindo também as camisas lisas apenas com a cor do candidato, impondo toque de recolher e obrigando alternância de dias para realizar atos de campanha. Pegando um ganchinho em Ariano Suassuna, a cidade de Suas Excelências se divide em dois grupos, os que concordam com os abusos de poder da toga e os equivocados que se arriscam ao temido "teje preso". Quanto aos candidatos, estes que ousem contestar a assinatura dos TACs.

Como não lembrar dos carros de som tocando jingles dos candidatos, circulando pelas ruas para anunciar que estávamos próximos do pleito eleitoral. Mas o legislador não se contentou com o eleitor cego, era preciso deixá-lo surdo de propaganda política. Preocupados com o sossego alheio, resolveram liberar apenas para carreatas, caminhadas, passeatas e comícios. Mas o vírus do mal proibiu aglomeração. Agora das duas, uma: espere chegar pelo whatsapp o jingle do candidato ou torça para seu candidato promover uma carreata e sua residência estar no trajeto.

Rádio e televisão respiram por aparelhos, mas permanecem vivos. É quando lembro daquela regrinha do art. 242 do Código Eleitoral, que veda o emprego de "meios publicitários destinados a criar, artificialmente, na opinião pública, estados mentais, emocionais ou passionais." Pergunto: não seria esse o verdadeiro sentido da propaganda eleitoral? Vai entender!

Agora sim, cidade limpa e silenciosa. O povo, verdadeiro consumidor da propaganda eleitoral, não tem mais o direito de escolher diante de um vasto cardápio, mas sim procurar na internet aquele que recebeu como sugestão. A tendência de quem tá é continuar, essa era a intenção. Tudo dentro da normalidade. Compre pelo celular, pague suas contas pelo celular e escolha o prefeito que vai administrar sua cidade também pelo celular; aproveite o ensejo e lembre de pesquisar o vereador também. 

E a campanha eleitoral ficou mais barata como tantos sustentaram? Claro que não. Mudaram as destinações, nada mudou. Agora quem ganha dinheiro não é mais o pintor, o moço do carro de som e os donos da gráfica e da serigrafia. A grana agora entra nas contas das plataformas digitais, afinal se gasta uma fortuna com os tais impulsionamentos que deixam aquela propaganda política "patrocinada". O dinheiro mudou de mão, mas continua circulando.

O coronavírus não vai impedir a propaganda eleitoral nas ruas esse ano, mas apenas impossibilitar a aglomeração de pessoas. Campanha eleitoral perdeu cor e luz há muito tempo. As cidades já estariam limpas, silenciosas e sem candidatos independente de pandemia, afinal aqueles que ditam as regras do jogo já haviam escondido os postulantes dos eleitores. 

Aos que contestam este articulista e ousam chamá-lo de analógico, é importante não esquecer que 25% (ou um em cada quatro) dos brasileiros não têm acesso à internet, representando 46 milhões de pessoas. O buraco é bem mais embaixo do que parece e nunca é demais lembrar que o prefeito administrará a cidade também daqueles ausentes do mundo virtual, mas moradores da cidade real.
Saudade do tempo em que os candidatos falavam das genitoras alheias e produziam suas próprias mentiras em calorosos discursos, pelos menos víamos destilarem promessas mirabolantes e tão sólidas que logo se perdiam no vento. A moda agora é notícia falsa, fake news espalhadas na terra de ninguém que é a internet; a mentira quem cria e propaga é o eleitor. Quanta inversão! 

Em anos pares tínhamos carnaval no primeiro e no segundo semestre. Sem propaganda nas ruas e com candidatos escondidos, disponíveis apenas em plataformas digitais, teremos uma quarta-feira de cinzas no primeiro e de 27 de setembro à 15 de novembro, 50 tons de cinza.


*Ícaro Werner de Sena Bitar - advogado.
Especialista em Direito Eleitoral
Membro da Comissão de Direito Eleitoral do Conselho Federal da OAB
Membro fundador do Instituto de Direito Eleitoral de Alagoas - IDEA
Especialista em Direito Administrativo
Especialista em Direito Constitucional
Especialista em Licitações e Contratos

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