ARTIGO: Um vírus notívago?

Por Adilson Fonseca*
08/07/2020 às 08h00
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Foto: Divulgação
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Em qual período do dia é o momento mais propício para a transmissão do coronavírus (Covid-19)? Essa é uma pergunta que cientistas, incluindo os de natureza sociológica, devem estar se perguntando, na tentativa de encontrar uma resposta que dê respaldo científico às ações do Toque de Recolher, adotadas em vários municípios brasileiros.

Isso porque o Toque de Recolher, medida extrema adotada durante a noite, na Segunda Guerra Mundial, primeiro em Londres e depois em toda a Europa, tinha o objetivo de fazer com que as luzes das casas não servissem de atração para os aviões alemães em missão de bombardeios. Depois, com os radares infravermelhos e os mísseis teleguiados, isso se tornou ineficaz, e as camuflagens, principalmente proporcionadas pela escuridão do apagar das luzes, já não surtem quaisquer efeitos.

Mas o que dizer do Toque de Recolher, imposto entre às 18 horas e às cinco horas do dia seguinte, como forma de conter a propagação de um vírus? A princípio, tal como na Segunda Guerra Mundial, esse seria o período mais crítico da ameaça, e as pessoas deveriam se recolher aos abrigos de suas casas e fazer cessar quaisquer atividades externas. Mas na atualidade, as atividades são diuturnas, e as maiores aglomerações se dão justamente durante o dia, e o vírus não tem horário específico para atuar.

Diferente do isolamento social, quando são impostas regras de distanciamento, com uso de equipamentos (máscaras, álcool gel), e maneiras diferenciadas de funcionamento das atividades externas, dos serviços, comércio à indústria, na prática, o Toque de Recolher impede a circulação nas ruas, fecha comércio e suspende o funcionamento do transporte público a partir de um determinado momento.

O Toque de recolher é uma medida de restrição geral de circulação de pessoas em espaços e vias públicas, utilizada em situações excepcionais como estado de sítio e de guerra. É diferente de quarentena, que é medida sanitária, justificada em evidências técnicas, baseada em fatos concretos e em análises sobre as informações estratégicas em saúde, que pode incluir restrição de uso de certos espaços públicos, fundada em razões explicitadas pela autoridade sanitária.

Aplicado de forma indiscriminada nos municípios, o Toque de Recolher, não encontra amparo na Lei nº 13.979/2020 que trata do combate à pandemia do Covid-19. Nem mesmo a lei que instituiu o Estado de Calamidade Pública, relaciona o impedimento generalizado da entrada ou saída de pessoas nos limites municipais. 

O Decreto nº 06/20, que reconhece o Estado de Calamidade Pública, e a Lei 13.979/20, que estabelece medidas que podem ser adotadas no combate ao coronavírus, tratam do isolamento social, quarentena, investigação epidemiológica, restrição excepcional e temporária, todas com base nas recomendações das autoridades sanitárias, entre outras. Mas não há a adoção do "Toque de Recolher". 

Quarentena: é a restrição de atividades ou separação de pessoas suspeitas de contaminação das pessoas que não estejam doentes, de maneira a evitar a possível contaminação ou a propagação do coronavírus. Deve ser regida em critérios sanitários, de acordo com a realidade local, e não podem alcançar os deslocamentos em busca por serviços essenciais.

Barreira sanitária: é uma blitz que não impede o direito de ir e vir, autoriza a entrada das pessoas, fiscaliza possíveis entradas de doentes adoecidas no território. O município poderá exercer a fiscalização do cumprimento das regras e recomendações de isolamento social, mas não pode determinar o fechamento completo das cidades para ingresso de pessoas e veículos, e a proibição de ingresso de não moradores.

***O termo "Toque de recolher" (curfew em inglês) surgiu durante a Segunda Guerra Mundial, aplicado, em sua maioria, à noite, para que todos se recolhessem às suas casas ou a abrigos antiaéreos. Sirenes soavam anunciando a chegada de aviões alemães e todos tinham que sair das ruas ou de locais públicos.

Foi usado em 1966, durante o Regime Militar (1964-1985), com o Decreto do presidente Humberto de Alencar Castelo Branco, e proibia maiores de 16 anos de ficarem nas ruas até partir da 00h. Com a decretação do Ato Institucional Nº 5 (AI-5), em 1968, passou a vigorar a partir das 23 horas para todas as pessoas. Em 1978 a medida foi extinta em todo o território nacional.

* Adilson Fonseca é jornalista e escreve neste espaço às quartas-feiras

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