ARTIGO: O que quer o ministro?*

Por Adilson Fonseca*
27/05/2020 às 08h00
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Foto: Divulgação
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Não me perguntem o que quer o ministro Celso de Mello, porque não tenho a resposta. Mas a pergunta que 10 em cada 10 brasileiros devem estar se fazendo nos últimos dias, é o que quer o ministro, decano do STF (Supremo Tribunal Federal), e que vai se aposentar no final deste ano, ante as investidas contra o presidente Jair Bolsonaro. As decisões monocráticas do ministro mais velho da corte, têm suscitado uma série de especulações sobre os reais propósitos do magistrado, que parecem ir muito mais além do que a simples guarda da Lei e da Constituição.

Ao encaminhar um ofício ao Palácio do Planalto, ameaçando os generais da linha de frente do gabinete do presidente Jair Bolsonaro, de condução "sob vara", para explicar a que seria a fatídica reunião do dia 22 de abril, que teria sido o pivô do pedido de demissão do ex-ministro da Justiça, Sérgio Moro. E posteriormente a divulgação de um vídeo de uma reunião fechada do presidente com seus ministros. E quase que de imediato, encaminhar comunicação à Procuradoria Geral da República, atendendo a pedidos de  partidos políticos de oposição, para busca e apreensão no Palácio do Planalto e até mesmo confisco do celular presidencial, soa estranho.

Quem não lembra, na adolescência, no tempo do antigo ginasial, quando era comum os meninos se reunirem para falar das colegas de sala, das professoras e das garotas que conheciam? E faziam essas reuniões informais nos intervalos das aulas, ou após o "baba". Valia tudo, de palavrões a xingamentos. Só não era permitido fazer referências às mães de quaisquer um dos integrantes do grupo ou de fora dele. O mesmo acontece nas reuniões fechadas de diretores de empresas, de negociações entre patrões e sindicatos (quantos de nós, jornalistas, tivemos que aguardar o resultado de negociações grevistas feitas a portas fechadas?), e até mesmo nas reuniões de pautas nas redações. O que se discutia ali, por ali ficava.

Na reunião entre Bolsonaro e seus ministros, houve de tudo. De palavrões a xingamentos e até murro na mesa. Só não foi permitido referências às mães. Foi uma espécie de lavagem de roupa, de desabafo contra uma situação contextual do País e do Governo, e de como cada um julgava a situação. Não houve conspirações ou esquemas de golpe, de assaltos aos cofres públicos e muito menos de atos de corrupção. Houve xingamentos a determinados políticos ou representantes de poderes (coisa que o cidadão comum faz quando se refere a cada um deles) mas nenhum planejamento de ações que viriam a ser executadas mais adiante.

O que fez o ministro do STF foi tornar pública uma reunião fechada, que só dizia respeito aos seus participantes, expondo-os ao constrangimento. Da mesma forma, ao aventar a possibilidade do confisco do celular do presidente, estará expondo-o ao constrangimento e até mesmo, à questões que venham a colocar em risco a segurança nacional. Até porque, nos últimos 35 anos, desde José Sarney, não houve presidente mais transparente que o atual em termos de comportamento.

Buda (Siddhartha Gautama, que viveu na Índia entre os séculos V e VI a.C, fundador do budismo), disse, referindo-se ao sentimento da raiva: "Guardar raiva é como segurar um carvão em brasa com a intenção de atirá-lo em alguém; é você que se queima. Persistir na raiva é como apanhar um pedaço de carvão quente com a intenção de o atirar em alguém. É sempre quem levanta a pedra que se queima".

Parece que a exibição do vídeo queimou as mãos de quem o exibiu. E essas mãos, pelo quer se viu, não foram as do presidente Jair Bolsonaro.

* Adilson Fonseca é Jornalista e escreve neste espaço sempre às quartas-feiras.