ARTIGO: O velho, o idoso e o preconceito*

Por Sergio Manzione*
24/05/2020 às 08h00
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Foto: Divulgação
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Ageísmo, idadismo, velhofobia, gerontofobia, discriminação generacional, etaísmo, etarismo são alguns termos utilizados para definir o preconceito contra os idosos. Quando uma sociedade precisa de leis e estatutos para garantir direitos aos idosos é porque os valores de respeito aos mais velhos não existem mais. A sociedade afunda e chafurda no "pão e circo" regados com a lógica de mercado, onde o que é velho não presta e o que é novo também não prestará por muito tempo. 

É preciso trocar logo o "x" por algo mais novo. Sim, o "x" é uma variável onde você pode encaixar o que quiser, de um celular a uma pessoa. São os tempos do vale-nada, onde o outro não importa, mas apenas a satisfação imediata de algum desejo, onde o egoísmo e o narcisismo passeiam de mãos dadas destruindo ou não deixando florescer relacionamentos saudáveis. 

A armadilha consumista nos empurra para o hedonismo e para o "carpe diem" nos dizendo que não é preciso se preocupar com o futuro, pois só o presente importa. Quem tem menos idade, portanto, só se preocupa com o que está acontecendo agora e não com o tempo em que ficará idoso, mesmo com exemplos dentro de casa teimando em mostrar que a idade avançada existe. Quando se olha para um idoso como algo que atrapalha e toda sua história é ignorada, sua dignidade escorre pelo ralo da ignorância e prepara o futuro do jovem de hoje para o mesmo fim.

Durante o isolamento social, em função da covid-19, muitos preconceitos vieram à tona quando até um empresário conhecido (e com mais de 60 anos) disse que o coronavírus só ia matar "alguns velhinhos". Muitos são os vídeos que circulam com idosos entediados querendo sair de casa, afinal, dar uma volta na rua ou ir à padaria são suas atividades de distração e socialização. A questão é que esses idosos são tratados como pessoas teimosas que não querem obedecer aos mais novos e apresentados, entre risos de desprezo, como crianças incapazes de saber o que querem. Claro que, para os que têm algum tipo de doença os cuidados devem ser redobrados, mas muitos são os casos em que aquele homem ou mulher, até pouco tempo atrás, era quem estava no leme e conduzia a todos para um porto seguro. Aliás, muitos idosos ainda são a principal fonte de renda de inúmeras famílias, que dependem também deles para cuidar dos filhos e netos. Muito se fala do peso que os idosos são, mas não é mais leve ser idoso e ter um filho alcoólico ou um neto com doença grave.

Em 2060, o Brasil terá mais de 50 milhões de pessoas acima de 65 anos, o que será 25% da população total. Esses futuros idosos são os jovens de hoje e que não se preparam para enfrentar a realidade que está sendo construída agora também com o exemplo do que é feito em casa e de como a família lida com os mais velhos, inclusive ao que se refere à violência doméstica. Se hoje um filho coloca a mãe em um asilo, não poderá reclamar em ser colocado no futuro pelo seu filho. Infelizmente vivenciamos a cultura da juventude, que sempre exalta e associa saúde e beleza com quem ainda está jovem, haja vista o país estar entre os que têm o maior número de cirurgias plásticas e procedimentos rejuvenescedores. 

Hoje é comum ouvir jovens, exalando ignorância, ao dizer que tal música "é música de velho" ao invés de dizer que há músicas que gosta e outras não. Interessante é que esses mesmos jovens querem ouvir J.S. Bach (morto há 270 anos) em seus casamentos. A perversa e cruel lógica de mercado e da coisificação das pessoas na sociedade pós-moderna (ou líquida) faz os idosos serem tratados como velhos e descartáveis, porque não são mais vistos como economicamente produtivos. O interesse pelo idoso muitas vezes só aparece quando uma atitude - ou a falta dela - pode trazer algum ganho material e onde não se consegue ver mais a diferença entre o afeto e a utilidade.

A corrida contra o tempo nos faz mais ansiosos e preocupados em fazer coisas, muitas vezes, inúteis, mas não se perca, qualquer coisa que fazemos está lhe orientando a comprar e comprar e comprar sem se preocupar com o dia de amanhã. É tudo hoje! É tudo agora! É tudo efêmero! Se não der agora não dará nunca mais... Da mesma forma tratamos as pessoas: como objetos descartáveis. E assim caminha (tropeça) a humanidade na busca do que lhe falta e lhe dê um significado para sua existência. Enquanto isso, o trator consumista vem com seu megafone anunciando algo imperdível e desviando a atenção do que realmente importa.  É preciso desenvolver a empatia, respeitar e cuidar dos idosos e não matá-los por antecipação, coisa que a sociedade já faz, mesmo que simbolicamente, ao reduzir pessoas a coisas obsoletas e deixá-los sem políticas públicas que os ampare.

Ficamos idosos, mas velhos e descartáveis nunca.

*Sergio Manzione é psicólogo clínico, administrador, mestre em engenharia da energia e colunista sobre comportamento humano e psicologia no Portal Muita Informação! @psicomanzione