Professora é dona de curso que ensina inglês abordando temas da cultura negra

Nara Paixão é dona do NaraEducar, que funciona com aulas virtuais

Por Tiago Lemos
16/11/2021 às 17h47
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Foto: Arquivo pessoal
Foto: Arquivo pessoal

Uma professora de inglês, ao perceber que o público de suas aulas não tinha a oportunidade de falar sobre a cultura negra com confiança e motivação, criou o seu próprio curso para mudar essa realidade na Bahia. O projeto NaraEducar, idealizado por Nara Paixão, 35 anos, que é também psicopedagoga, tem um ano de existência e está consolidado.

"O projeto surge da necessidade de usar a língua inglesa para discutir a cultura negra, promover esses espaços e incentivar o protagonismo desses participantes como maneira de reafirmarem sua capacidade. O objetivo era promover encontros, aulas de conversação destinados a tratar, discutir e permitir a troca de informações e a dialética acerca da afrodescendência e diáspora utilizando o inglês para pautar essas intervenções", detalhou a professora.

"Pessoas não negras estavam com interesse de entender e conhecer um pouco mais da cultura negra. É a possibilidade da gente poder falar de todas as culturas. Nos materiais didáticos [de outros cursos], a gente não percebe uma afirmação de África positiva, por exemplo, a gente não percebe histórias de sucesso envolvendo pessoas negras", reclamou a moradora de São Francisco do Conde, que dá aulas na modalidade virtual por causa da pandemia do novo coronavírus - maioria dos alunos é de Salvador.

O projeto criado pela professora é para todos. "O NaraEducar vem dessa experiência que é preciso ter cenários que a gente possa nos enxergar e contar sobre nós mesmos. A gente precisa descontruir esse universo estereotipado, engessado que existe nos cursos de idiomas. O NaraEducar fala de cultura negra, mas se eu tiver um público não negro que queira falar da cultura negra, por que não? Se for não negro interessado em outras questões, profissionais, enfim, que envolva o inglês de forma leve e eficaz, por que não?", explicou.

Exemplo de sucesso e inspiração, Nara Paixão fala com muito orgulho de seu trabalho. "Fico feliz em poder contribuir para um cenário educacional mais inclusivo, significativo e pertinente. Acredito que fazer educação é emancipar pessoas. O meu trabalho visa aproximar, como o meu próprio nome Nara significa, ao conhecimento, evolução e criticidade. Sou muito curiosa e criativa, então sempre acreditei que ensinar e trocar conhecimentos, além de ser a minha paixão, me permite contagiar outras pessoas socialmente, seja através de uma conquista pessoal ou profissional", detalhou.

Quem estiver interessado em conhecer o curso NaraEducar, pode procurar o perfil @naraeducar, na rede social Instagram, ou entrar em contato por meio do telefone e WhatsApp 71 99601-2152.

Quebrar barreiras sempre

Ao falar sobre os primeiros passos como professora de inglês, claro que não poderia faltar uma simpática mistura da língua que ensina com o português: "Minha história... oh God [oh Deus]".

Em seguida, Nara Paixão resumiu: "Comecei lecionando numa franquia de idiomas nacional. Estava concluindo meu curso de Inglês e, em meio ao momento de escolher profissão e carreira universitária, fui convidada a ficar quatro meses e cá estou, 18 anos depois". 

Os passos seguintes foram a consolidação na profissão. "Comecei a atuar em escolas da rede pública do interior da Bahia e consegui levar o mesmo encanto que vivi com o inglês no ambiente privado para as salas de aula de ensino regular", contou Paixão, que trabalha em escolas públicas em Santo Amaro da Purificação e São Sebastião do Passé.

Sobre os alunos, ela detalha: "Eles não se sentiam estranhos ou envergonhados de participarem. Mas, o sistema não os abraçava, existia e ainda existe um imenso movimento capacitista que me entristece e precisa ser combatido. O meu trabalho era e é o de tornar o ensino uma experiência leve, possível e positiva. O NaraEducar veio depois como um cenário que pudesse atender pessoas que ainda não conseguiram superar a barreira chamada inglês, mas usando da premissa que o ensino só funciona e acontece quando faz sentido para quem está aprendendo", explicou.

A falta de estrutura  é um problema, segundo a psicopedagoga. Mesmo assim, ela continua empenhada em quebrar barreiras e ajudar os seus alunos. "Falta estrutura, material, apoio e, claro, motivação. Nem sempre estamos com todo o nosso empenho quando o sistema não nos apoia e nos excluí. Eu tinha um árduo trabalho de afetividade e autoestima com os educandos. Precisava girar a chave de que eles eram capazes e poderiam ir aonde quisessem. Precisava injetar energia e inspiração naquela galera", lembrou.

"Era uma batalha diária e os velhos e eternos comentários: 'Nunca aprenderei inglês, não sairei do Brasil para usar a língua' e toda aquelas crenças limitantes e discursos presentes na Pedagogia do Oprimido. As dificuldades me impulsionam a pensar em outras abordagens e ações. O NaraEducar é fruto de muitas inquietações de experiências profissionais e cicatrizes ancestrais".

"O racismo velado é o que mais dói"

Entre as dificuldades, Nara Paixão conta como é combater o racismo no país. "O racismo velado é o que mais dói. Aqui no Brasil é bem possível perceber que todo sistema educacional, desde a academia, é deficitário e obsoleto. Não se fala em cultura negra, autoras e autores negros".

Ela continua: "Quanto às ofensas, são contínuas, mas tive oportunidade de responder a muitas delas. O tempo de teste para saber se eu era competente o suficiente para um cargo, alunos em instituições que questionavam meu método ou até agiam de maneira intimidadora. Hoje, muitos são colegas e mantemos contato. É um processo muito cansativo e escolher militar muitas vezes precisa ser humano e no tempo de cada um", detalhou Nara Paixão.

Nara Paixão aproveitou para contar uma experiência na sala de aula: "Faço experimentos contínuos com meus alunos. Uma vez, fiquei no fundo de uma sala perguntando aos alunos como eles achavam que seria a professora deles. Quando deu o começo da aula, me levantei e iniciei me apresentando, falando em inglês e encenando como uma atriz. Todos ficaram boquiabertos e tiveram alguns que torceram narizes, mas, com um pouco de estratégia e calma, as coisas se acertam. Nem sempre dispomos desses recursos e as pessoas não estão abertas. Aí, já percebo que é um problema delas. Fico bem e sigo porque não sou responsável pela construção de caráter de cada um".

Mamãe de Sofia gosta da simplicidade

Fora da sala de aula, Nara Paixão é uma mãe dedicada, de Sofia, de 8 anos, e que gosta das coisas simples. "Nara é uma mulher preta, mãe solo de Sofia, amante de viagens, filmes, histórias em quadrinhos e coisas simples. Sou uma mulher de sorriso largo, ouvinte de histórias populares, curiosa, inquieta e sempre encantada por uma boa música e de viver sempre cada instante com toda intensidade disponível", contou.

Sobre o mês da Consciência Negra, a professora de inglês lembra que apenas este período não é o bastante. "É um momento importante e necessário, mas não é apenas um mês. A Consciência Negra está altamente relacionada à nossa valorização e que precisamos compreender que estamos bem como somos. É um comportamento, uma atitude mental. Somos uma história vasta, viva e pulsante. Precisamos enegrecer espaços sempre e trazer mais pessoas conosco como maneira de manter nossos feitos conectados e vivos. É uma chama que precisa se manter acesa", destacou Nara Paixão.

Para fechar, ela deixa a seguinte mensagem, da escritora e poetisa Maya Angelou: "Aprendi que ainda tenho muito o que aprender. Aprendi que as pessoas esquecem o que você diz, esquecem o que você faz, mas não esquecem como você faz com que elas se sintam".