Escalada de violência em disputa por terra leva Força Nacional ao Extremo-sul da Bahia

Decisão atende recomendação do governo federal após episódios de violência e pressões por demarcações territoriais


Raiane Veríssimo
Raiane Veríssimo 17/04/2025 10:33 • Política
Escalada de violência em disputa por terra leva Força Nacional ao Extremo-sul da Bahia - Alberto Maraux/SSP

O Governo da Bahia determinou o envio da Força Nacional de Segurança Pública ao Extremo-sul do Estado para reforçar a segurança em áreas de conflito entre comunidades indígenas e produtores rurais. A medida foi anunciada, na manhã desta quinta-feira (17), dois dias antes do Dia dos Povos Indígenas, e ocorre em meio à escalada de tensões territoriais na região. Os locais exatos da atuação não foram divulgados.

A Força Nacional de Segurança Pública é um programa de cooperação de Segurança Pública brasileiro, coordenado pelo Ministério de Justiça e Segurança Pública. Ela é composta por policiais militares, bombeiros, policiais civis e peritos, e é acionada em situações de emergência.

Episódios recentes elevaram clima de tensão

A decisão do governo estadual veio 11 dias após a morte de João Celestino Lima Filho, de 50 anos, durante um conflito fundiário em uma fazenda no município de Prado. Segundo informações da polícia, cerca de 20 indígenas da Aldeia Reserva dos Quatis, pertencente ao território Comexatibá, invadiram o local com o objetivo de retomar a área e João foi baleado.

No mesmo período, um grupo identificado como juventude do Território Indígena Pataxó de Comexatibá ocupou a entrada do Parque Nacional do Descobrimento, também em Prado, onde permaneceu por cerca de 20 dias exigindo a homologação da terra indígena Comexatibá — alvo de disputas judiciais há anos.

Após pressão e críticas, governo enviou comitiva ao Extremo-sul

Diante da escalada da tensão, o governo estadual decidiu enviar, no último dia 19, uma comitiva ao Extremo-sul da Bahia. A agenda incluiu reuniões com representantes indígenas, produtores rurais e empresários locais, numa tentativa de mediar os conflitos e buscar soluções pacíficas. A movimentação ocorre após o aumento da pressão pública e de críticas de lideranças políticas e sociais sobre a gestão estadual, especialmente após o episódio de violência registrado no início do mês.

Críticas da oposição sobre gestão dos conflitos

Parlamentares da oposição na Assembleia Legislativa da Bahia (AL-BA) e no Congresso Nacional reagiram com críticas à condução do governo estadual diante dos conflitos fundiários. Para os opositores, a resposta tem sido tardia e insuficiente.

Deputados ligados ao agronegócio e representantes de bancadas conservadoras apontaram omissão do Estado na mediação dos conflitos e cobraram uma postura mais proativa para evitar novos episódios de violência. Alguns também criticaram a demora no envio de reforço policial e pediram uma investigação mais profunda sobre a atuação de grupos organizados nas retomadas de terras.

Governo justifica ação com base em recomendação federal

Segundo nota enviada ao Portal M!, o envio da Força Nacional foi uma decisão baseada em recomendação do Ministério da Justiça, com apoio do Ministério dos Povos Indígenas e do Movimento Unido dos Povos e Organizações Indígenas da Bahia (Mupoiba). “Diante da complexidade da situação, o Governo do Estado acolheu a sugestão do Ministério da Justiça e Segurança Pública — corroborada pelo Ministério dos Povos Indígenas e pelo MUPOIBA — para o envio da Força Nacional de Segurança Pública.”

A atuação da Força Nacional será limitada a áreas de interesse e serviços da União, em cooperação com autoridades locais. O governo afirmou ainda que manterá sua presença com o policiamento estadual e seguirá em articulação com a Polícia Federal:

“O Governo do Estado da Bahia informa que manterá suas ações regulares de policiamento na região do Extremo Sul, conforme prevê a Constituição Federal, e seguirá atuando, em conjunto com a Polícia Federal, para assegurar a paz e a ordem pública.”

O posicionamento também reforça princípios constitucionais. “O Governo da Bahia reafirma seu compromisso com a legalidade, a importância da demarcação de terras indígenas, respeito à propriedade privada e garantia da ordem pública.”

“Reitera, ainda, que o diálogo é o único caminho legítimo e duradouro para a construção de soluções pacíficas e sustentáveis para a região”, completa a nota do governo da Bahia.

Presença indígena é histórica e expressiva no Estado

A Bahia tem a segunda maior população indígena do Brasil, segundo o Censo 2022 do IBGE. São 191.950 pessoas autodeclaradas indígenas, o equivalente a 12,9% do total nacional. O número é três vezes maior do que o registrado no Censo de 2010.

A maioria vive no Sul e Extremo-sul do Estado, em municípios como Porto Seguro, Ilhéus, Santa Cruz Cabrália, Pau Brasil e Prado — justamente onde os conflitos têm sido mais frequentes. Salvador, no entanto, é a cidade com maior número de indígenas fora dos territórios demarcados, com cerca de 7,5 mil.

Situação fundiária e processo de demarcação

A demarcação de terras indígenas passa por cinco etapas: estudo do território, delimitação, declaração, homologação e regularização. Na Bahia, ao menos 11 territórios são reconhecidos pela Funai, especialmente do povo Pataxó. Três áreas estão em processo de regularização:

  • Barra Velha do Monte Pascoal (Porto Seguro)
  • Tupinambá de Olivença (Ilhéus, Una e Buerarema)
  • Tupinambá de Belmonte (Belmonte)

Mesmo com avanços na regularização fundiária, a violência permanece como realidade enfrentada por comunidades indígenas, que denunciam invasões, ameaças e lentidão nos processos de homologação.

Raiane Veríssimo

Raiane Veríssimo

Raiane Veríssimo, jornalista mineira, com 22 anos de experiência. Especialista em comunicação e mídias sociais, com atuação em jornal, site, rádio, TV e campanhas políticas estaduais e nacionais.

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